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A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão

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02/10/2014 às 15:15
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4. Limites ao exercício de participação política no processo eleitoral.

4.1 Inexistência de direitos absolutos.

O direito de participação política, ainda que se denote como direito fundamental do cidadão e como fundamento de existência do próprio Estado, não figura como direito absoluto e incondicionado. Seja exercido de forma direita ou materializado na escolha dos representantes, devem ser observados regras e limites impostos pelo sistema legal, sempre amparado na Constituição da República.

É cediço na doutrina constitucionalista que não existem direito fundamentais – melhor dizendo: não existem direito absolutos.

Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente, porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só pode ser analisada tendo em vista o caso concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de ilícitos. Então – repita-se – nenhum direito fundamental é absoluto. [46]

No mesmo sentido é a posição reiterada do Supremo Tribunal Federal. O preclaro Min. Celso de Melo – RMS 23.452/RJ – com a precisão e poder de conclusão que lhe é peculiar dissertou com clareza sobre o tema:

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”. [47]

É certo, no entanto, que as limitações aos direitos fundamentais somente se perfazem constitucionais se estritamente necessárias ao equilíbrio das relações sociais e observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Quer dizer, portanto, que toda e qualquer limitação a ser imposta aos direitos fundamentais devem estar amparadas no texto constitucional, valendo-se dos princípios da unidade da Constituição, da cedência recíproca, da máxima efetividade dos direitos fundamentais e de métodos tópicos concretistas a justificarem o afastamento de um direito em homenagem à prevalência de interesses maiores de ordem social e de estabilização do próprio estado.

As limitações ao exercício de participação política podem alcançar tanto os direitos políticos ativos e direitos políticos passivos, quanto o direito de engajamento e de contribuição do cidadão nas campanhas eleitorais.

Na ótica dos direitos políticos passivos, a própria Constituição – artigo 14, § 3º, VI – restringe aos brasileiros natos a assunção os cargos de chefe de governo e de Estado, bem como sua linha sucessória, além da carreira diplomática e do Ministro de Estado da Defesa.

A Constituição traz ainda o delineamento do rol das condições de elegibilidade, regulamentada na forma da lei, necessários ao deferimento do registro de candidatura. Figuram nesse rol a nacionalidade brasileira, observada a ressalva constitucional do artigo 14, § 3º, o pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição do pleito, filiação partidária, idade mínima conforme o cargo em disputa, dentre outros.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...);

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

 V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

Da mesma forma temos restrições aos direitos políticos ativos, tais como a suspensão de direitos políticos nos termos do artigo 15 da Constituição da República, e a condição de inalistáveis dos estrangeiros e dos conscritos, durante o serviço militar obrigatório.

Os partidos políticos – corpos intermediários e organização primária ao exercício efetivo dos princípios republicano e democrático – devem preencher requisitos para sua formação e registro, bem como existência há mais de um (1) ano para que possam participar do pleito (artigo 4º da Lei 9.504/1997), bem como a regulamentação para a formação de coligações.

 A Lei das Eleições – Lei 9.504/1997 – ao tratar de forma universal sobre as eleições regulamenta uma série de fatores e limitadores orgânicos do pleito, tais como o número de candidatos aos cargos do Poder Legislativo em relação ao número de cadeiras em disputa (artigo 10, §1º) e proporcionalidade de candidatos por gênero sexual (artigo 10, §3º).

Não diferente, o direito de participação política de apoio e o engajamento em favor de candidatos e partidos sofre limitações. É o exemplo das disposições atinentes a propaganda partidária gratuita, veiculada como meio de transmitir aos filiados o ideário, eventos, projetos e as atividades partidárias, em que é vedada a participação de pessoa filiada a partido que não o responsável pelo programa (artigo 45, §1º, I da Lei 9.096/1996).

 Reside na mesma seara de limitações o disciplinamento da arrecadação de recursos e aplicação nas campanhas eleitorais na atribuição de fontes vedadas (artigo 24 da Lei 9.504/1997), vedações de doações de bens e vantagens aos eleitores (artigo 23, §5º da Lei 9.504/1997), bem como a imposição de limites para a doação, por pessoas físicas ou jurídicas, em favor de campanhas eleitorais previstas respectivamente nos artigos 23, § 1º, I e § 3º e 81 §1º, ambos da Lei 9.504/1997.

Esse é o ponto principal do presente trabalho: explorar e discutir a constitucionalidade de imposição de limites, às pessoas físicas, em sede de arrecadação de recursos, quando efetivados na modalidade estimada e consistentes na doação direta e pessoal do trabalho às candidaturas ou partidos políticos.

Antes, no entanto, cumpre-nos discorrer sobre os princípios orientadores da arrecadação de recursos e financiamento de campanhas, bem como das formas de arrecadação e doação.

 


5. A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão.

5.1 Princípios orientadores da administração financeira de campanha.

Vimos que a arrecadação de recursos e a prestação de contas de campanha, sempre foram vistas e tratadas como uma mera formalidade a ser cumprida perante a Justiça Eleitoral. Dai, não sem razão, ter-se cunhado o termo “prestação de faz de contas”, sem a percepção de responsabilização e punição de abusos e dos reflexos sobre o processo eleitoral.

A inovação do tema e a criação de mecanismos de controle obedecem ao comando constitucional do artigo 17 da Constituição de 1988:

"Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...)

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;"

Vale dizer que não se concebe a leitura estrita e reducionista do citado comando constitucional positivo, conquanto não só a prestação de contas de partidos, mas também a prestação de contas de candidatos é uma cláusula constitucional estabelecida de forma implícita.

Nesse sentido é a precisa lição do renomado mestre José Afonso da Silva: "o partido político é uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe a organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular com o fim de assumir o poder para realizar o seu programa de governo." [48]

A administração financeira da campanha eleitoral – aqui compreendida desde a arrecadação de recursos até a prestação e julgamento das contas – sofre clara e evidente influência dos princípios constitucionais, de modo a não se afastar das premissas constitucional de legalidade, moralidade e publicidade, bem como dos fundamentos do próprio Estado.

No contexto de nossos estudos, firmada a premissa de que o Legislador Constituinte definiu, ainda que implicitamente, o comando constitucional que impõe o controle, fiscalização e a necessidade de prestação de contas, pode concluir que tal imposição deva ser cumprida, sendo vedado, por corolário lógico do Estado Democrático e Republicano, o retrocesso no tratamento da matéria.

A proibição de retrocesso das normas e dos instrumentos de controle estatais representa a evolução constitucional de um Estado, figurando como suporte de natureza principiológica, se traduz na garantia de concretização dos direitos sociais e na certeza de que se trata de uma marcha prospectiva, sendo inadmissível qualquer interferência que pretenda o conduzir ao estado anterior.

Nítida a relação entre a proibição de retrocesso com o princípio da efetividade ou da máxima efetividade das normas constitucionais, conquanto se deva extrair do comando constitucional toda sua força normativa.

A efetividade das normas atinentes à prestação de contas está amparada no princípio da legalidade, de importância vital no sistema jurídico por materializar a obrigação de os partidos políticos e candidatos prestarem contas, sob pena de serem julgadas não prestadas, e ainda sofrerem as consequências legais pela desaprovação. Nesse espectro está situada a recente alteração trazida pelo artigo 30-A Lei 9.504/1997, que versa sobre a ação de investigação eleitoral (AIJE) amparada em fraudes ou irregularidades na arrecadação de recursos e prestação de contas de campanha.

As prestações de contas do candidato e do partido político devem refletir a verdade material da administração financeira da campanha. A responsabilidade pelos registros contábeis e pela movimentação financeira é do próprio candidato e do administrador financeiro de sua campanha; pessoa de sua confiança escolhida para assessorá-lo.

Não se concebe, e devem ser tolhidas, a existência ou a aprovação de prestação de contas sem a lisura que se espera daqueles que se colocam à disposição da sociedade para cumprir o mister máximo da República e do Estado Democrático de Direito, consubstanciado no direito de representação da maioria.

O princípio da lisura está calcado nos princípios da moralidade (artigo 37 da Constituição da República) e no princípio da probidade, que devem estar presentes no processo de escolha dos detentores da representação popular, pois, já afirmamos, que os abusos e cooptação de grupos políticos e candidatos, por meio de contribuições e sustentação financeiras, refletem-se inexoravelmente no matiz da corrupção e da improbidade administrativa.

Valemo-nos, mais uma vez, da autoridade do Mestre José Afonso DA SILVA:

“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o ‘funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (...).” [49]

A prestação de contas e seus registros contábeis devem observância ao princípio da transparência, devendo ser demonstrada, com clareza, as fontes de arrecadação dos recursos, bem como sua destinação única e exclusiva na campanha eleitoral e no mister finalístico da agremiação partidária. Eventuais sobras de recursos, apuradas ao final da campanha, devem ser declaradas na prestação de contas e transferidas ao órgão partidário na circunscrição do pleito (artigo 31 da Lei 9.504/1997).

Por fim, insta salientar que o princípio da proporcionalidade obsta que sejam reprovadas as contas que em seu conjunto não demonstrem gravidade, omissão, observados os princípios da verdade real e da transparência. O legislador adotou expressamente o princípio da proporcionalidade ao dispor que “erros formais e materiais corrigidos não autorizam a rejeição das contas e a cominação de sanção a candidato ou partido” (artigo 30, §2º da Lei 9.504/1997).

A prestação de contas é técnica e formal, devendo obedecer às regras e aos princípios de contabilidade. Não basta, portanto, que o candidato e o partido submetam à Justiça Eleitoral um amontoado de documentos e anotações, sem registrá-los segundo as técnicas contábeis. Tal conduta indubitavelmente feriria o princípio da transparência, da legalidade e da proibição de retrocesso, uma vez que inviabilizaria a análise e apreciação da administração financeira da campanha.

5.2 As limitações impostas pela legislação

A legislação pátria sofreu alterações e experimentou avanços notáveis em relação ao controle e fiscalização das finanças das campanhas eleitorais.

Se outrora as campanhas eleitorais e a arrecadação de recursos foram terreno fértil para o cometimento de ilegalidades, enriquecimento ilícito e aliciamento de partidos e candidatos, atualmente há um conjunto normativo de instrumentos hábeis a tolher tais atos. Relevante tem sido a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e da Procuradoria Eleitoral.

A regulamentação por meio de Resoluções, no Caso do Tribunal Superior Eleitoral, e os esforços conjuntos com Tribunais Regionais consubstanciados no estabelecimento de convênios com as Receitas Federal e Estaduais, bem como a forte atuação da Procuradoria Eleitoral moralizou em muito a administração financeira das campanhas eleitorais.

É certo, no entanto, que há um longo caminho a ser traçado, mas firmes passos já foram trilhados num caminho sem volta e que representará no fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da própria República.

 Urge salientar que as limitações impostas em sede de arrecadação de recursos e gastos eleitorais, acabam por se situar como restrições à participação e liberdade de participação política. Portanto, devem ser sopesadas e justificadas, como de fato o são.

Primeiramente insta observar que não há liberdade total e absoluta aos partidos e candidatos para arrecadarem recursos nas campanhas. A recente alteração engendrada pela Lei 11.300/2006 criou o que denominou de “limites de gastos” a ser ficado para cada eleição.

Art. 17-A.  A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade.               

É verdade que até hoje não houve lei específica estabelecendo parâmetros e fixando limites para as eleições. Tal mister, com as ressalvas da própria Lei 11.300/2006, coube até então às agremiações partidárias.

A administração financeira da campanha eleitoral é de responsabilidade do próprio candidato, diretamente ou por intermédio de pessoa de sua confiança designada formalmente para tal incumbência. É certo que o candidato não se exime da responsabilidade pela administração financeira, ainda que tenha indicado alguém para desempenhar essa função específica, conforme previsão da Lei 9.504/1997:

Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 21.  O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art. 20 desta Lei pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha, devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas. 

Louvável a preocupação do Legislador em não permitir que o candidato, ao indicar um administrador de campanha, se eximisse de responsabilidade na prestação de contas. Qualquer dispositivo contrário colocaria em xeque todo o trabalho e esforços até então envidados.

Memorável é a definição de “fontes vedadas” de arrecadação de recursos. A Lei 9.504/1997, com as alterações da Lei 11.300/2006, traz um rol de entidades, órgãos, pessoas jurídicas e organizações que não podem contribuir para campanhas eleitorais.

Evidentemente o rol de fontes vedadas, por ser versar sobre restrições a direitos, é taxativo:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente :

 I - entidade ou governo estrangeiro;

II - órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;

III - concessionário ou permissionário de serviço público;

IV - entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;

V - entidade de utilidade pública;

VI - entidade de classe ou sindical;

VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.

VIII - entidades beneficentes e religiosas;

IX - entidades esportivas; 

X - organizações não-governamentais que recebam recursos públicos; 

XI - organizações da sociedade civil de interesse público. 

Parágrafo único.  Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81.            

O inciso I do artigo 24 da Lei 9.504/1997 veda possibilidade de contribuição por entidade ou governo estrangeiro, o que enfraqueceria a o fundamento constitucional da soberania nacional.

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De forma geral, os demais incisos tratam de entidades, órgãos e pessoas jurídicas que recebem recursos públicos ou contribuições, as consideradas de interesse público e as associativas tais como as entidades beneficentes, religiosas e as de natureza esportiva.

Não menos importante é orientação dada pelo artigo 26 da Lei 9.504/1997, elencando, nesse caso exemplificativamente, o que pode ser considerado gasto eleitoral.

Art. 26.  São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: 

I - confecção de material impresso de qualquer natureza e tamanho;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas; 

V - correspondência e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie a pessoal que preste serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e assemelhados;

IX - a realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; 

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XII - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XIV - aluguel de bens particulares para veiculação, por qualquer meio, de propaganda eleitoral;

XV - custos com a criação e inclusão de sítios na Internet;

XVI - multas aplicadas aos partidos ou candidatos por infração do disposto na legislação eleitoral.

XVII - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.

A Lei 11.300/2006, em homenagem ao princípio constitucional da publicidade e fomentando os mecanismos de controle e fiscalização, impõe a obrigação de divulgação, durante a campanha, através da internet, de relatório parcial discriminando os recursos recebidos e seus respectivos doadores, bem como os gastos realizados.

É o que dispõe o artigo 28 da Lei 9.504/1997 que foi acrescido do § 4º pela Lei 11.300/2006:

 § 4o  Os partidos políticos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante a campanha eleitoral, a divulgar, pela rede mundial de computadores (internet), nos dias 6 de agosto e 6 de setembro, relatório discriminando os recursos em dinheiro ou estimáveis em dinheiro que tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral, e os gastos que realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim, exigindo-se a indicação dos nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na prestação de contas final de que tratam os incisos III e IV do art. 29 desta Lei. 

O quantum de doação das pessoas físicas ou jurídicas, já excluídas aquelas estabelecidas como fontes vedadas, não é livre. O legislador estabeleceu parâmetros em percentual, sempre considerando a movimentação financeira e declarações do ano fiscal anterior, para fixar os limites da doação.

Em se tratando de pessoa jurídica, as contribuições e doações para as campanhas eleitorais – seja para partidos, coligações ou candidatos – ficam limitadas, no total, a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição (artigo 81, § 1º da Lei 9.504/1997).

As pessoas físicas, do mesmo modo, têm limitações impostas pelo artigo 23 da Lei 9.504/1997, com redação alterada pela Lei 13.034/2009:

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. 

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

II - no caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

Observamos que os limites estabelecidos para doação não se aplicam àquelas feitas pelo próprio candidato, cuja limitação passa a ser o estabelecido pelo Partido Político ou pela própria lei nos termos do artigo 17-A da Lei 9.504/1997.

 Insta esclarecer que as doações podem ser de duas ordens: doações em dinheiro ou estimáveis de dinheiro.

 A primeira é aquela financeira e em dinheiro; dispensa maiores comentários. Já as estimáveis em dinheiro são aquelas prestadas por meio da doação de um bem, serviço ou contribuição de qualquer natureza, que não em dinheiro, mas aferível em dinheiro, quantificada em parâmetros reais do mercado, e declarada na prestação de contas. É o caso da doação, na forma de comodato, de um imóvel que serve de sede para o comitê de campanha, cujo valor estimado deve ser o praticado no mercado para a locação do bem para o período.

A penalização pelo excesso de doação, no que toca ao doador, está prevista no artigo 23, §3º da Lei 9.504/1997, que impõe ao infrator ao pagamento de multa de valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

É certo que, seja para doação em dinheiro ou estimada em dinheiro, os limites impostos pelos artigos 81, §1º e 23, §1º, ambos da Lei 9.504/1997, são aplicados.           

5.3 Análise da constitucionalidade dos limites nas doações estimadas por pessoa física.

O artigo 20 da Lei 9.504/1997 estabelece quais são as fontes de arrecadação de recursos para campanha eleitoral. A matéria também regulamentada por meio de Resolução expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral com o condão de detalhar as fontes lícitas de arrecadação.

Nas ultimas eleições – do ano de 2012 – a Resolução nº 23.376/2011, reconheceu as seguintes fontes de arrecadação de recursos:

Art. 18. Os recursos destinados às campanhas eleitorais,respeitados os limites previstos nesta resolução, são os seguintes:

I – recursos próprios dos candidatos;

II – recursos e fundos próprios dos partidos políticos;

III – doações, em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas;

IV – doações, por cartão de débito ou de crédito;

V – doações de outros candidatos, comitês financeiros ou partidos políticos;

VI – repasse de recursos provenientes do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei nº 9.096/95;

VII – receita decorrente da comercialização de bens e/ou serviços e/ou da promoção de eventos, bem como da aplicação financeira dos recursos de campanha.

As fontes lícitas de arrecadação são várias e devem ser analisadas em cotejo com o rol das fontes vedadas de arrecadação previstas em lei.

O presente trabalho focará seus estudos no inciso III do artigo 18 da Lei 9.504/1997, e, especificamente, nas doações estimáveis em dinheiro realizadas por pessoas físicas.

Cumpre-nos reafirmar que as restrições previstas em lei, seja quanto o apontamento de fontes lícitas e ilícitas de arrecadação de recursos, quanto aos limites das doações, são legais e constitucionais, valorizando os fundamentos da República, do Estado Democrático de Direito e da representação popular do Poder, conquanto sirva de mecanismo e instrumento a tolher que a vontade popular seja maculada e suprimida pelo poderio econômico.

Pois bem.

As pessoas físicas podem contribuir para as campanhas eleitorais – partidos ou candidatos com a doação de dinheiro ou bens e serviços estimáveis em dinheiro. Não se olvida que, em linhas gerais, os limites de doação estabelecidos no artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997 – 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano-calendário anterior à eleição – devem ser observados de forma global e refletindo o total de doações realizadas em determinada eleição.

Na apuração do excesso de doação é salutar o cruzamento das informações e registros da prestação de contas do candidato com as declaradas à Receita Federal pelo contribuinte.

Portanto, a pessoa física declarante de imposto de renda pode doar para campanhas eleitorais 10 % (dez por cento) do valor auferido como rendimentos brutos no exercício financeiro anterior à eleição.

Em se tratando de pessoa física não declarante o limite de 10% (dez por cento) para doação é, em tese, incerto. A apuração do valor exato passível de doação lícita implicaria na necessidade conhecimento do quantum de rendimento bruto da pessoa.

A verificação dos rendimentos dos doadores não declarante de imposto de renda é inviável de ser realizada. Vale lembrar que a ação por excesso de doação em campanha deve ser proposta no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da diplomação dos eleitos.

A definição do referido prazo não é legal. Decorreu de decisão do Tribunal Superior Eleitoral, valendo-se de interpretação contextual com o artigo 32 da Lei 9.504/1997, no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral de nº 3993369-40.2000.6.04.0000, relatado pelo Ministro Marcelo Ribeiro.

Nesse contexto, o Ministério Público Eleitoral tem se valido do limite estabelecido pela Receita Federal para a declaração de imposto de renda para apurar o excesso de doação. Veja, portanto, que o critério adotado, por necessidade e conveniência, é o ideal e não o real.

Tomando por exemplo as últimas eleições do ano de 2012 e os rendimentos auferidos no ano de 2011, a pessoa física isenta da declaração de imposto poderia doar licitamente até R$ 2.245,72 (dois mil reais, quatrocentos e oitenta e sete reais e setenta e dois centavos), uma vez que o limite para declaração obrigatória de imposto de renda 2011/2012 foi o de R$ 22.487,25 (vinte e dois mil reais, quatrocentos e oitenta e sete reais e vinte cinco centavos).

A leitura literal das disposições da Lei 9.504/1997, bem como da Resolução 23.376/2011, e no mesmo sentido das Resoluções que regulamentaram a arrecadação de recursos e prestação de contas em eleições anteriores, faz com que o limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos auferidos no exercício anterior – artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997 – seja aplica para todas as espécies de doações realizadas por pessoas físicas.

Tal interpretação tem gerado certa celeuma nas doações estimadas em trabalho ou serviços realizadas por pessoas físicas, uma vez que acabaria criando distinção no direito de participação e engajamento político entre os cidadãos, ferindo o princípio da igualdade, o princípio republicado, o princípio da dignidade da pessoa e o direito inato que o detentor do poder – o povo – tem de influir e defender seus ideais e posição política no processo de escolha de seus representantes.

Ao direto de participação e engajamento político não pode dado o mesmo tratamento que previsto para as limitações de doações em dinheiro ou doações de bens estimadas em dinheiro.

O móvel que materializa a legalidade e constitucionalidade da limitação ao direito do cidadão de participar e contribuir nas campanhas eleitorais é a garantia de lisura do pleito eleitoral e o combate ao abuso do poderio de poder econômico, ressaltando o interesse público em confronto com os interesses de caráter individual.

Não é o que se tem na doação de trabalho voluntário e engajamento do cidadão nas campanhas eleitorais.

Primeiro porque a doação do trabalho pessoal do cidadão deve ser interpretada à luz do artigo 1º, parágrafo único da Constituição: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Ademais, a doação da força de trabalho, ainda que quantificável em dinheiro, não pode ser tida como fator de desequilíbrio do pleito, nos moldes do abuso de poder econômico, pois é reflexo da posição política adotada pela pessoa e do exercício de cidadania, fundamento do Estado brasileiro.

Interpretação diversa conduz inexoravelmente ao reconhecimento da existência de “classes de cidadãos”, fundado em critérios puramente econômicos, privilegiando pessoas de classes mais abastadas em detrimento dos demais cidadãos.

Os rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior não podem figurar como limitador do direito de participação e doação voluntária da própria força de trabalho, pois limitaria o fundamento de existência do próprio Estado.

Afinal, qual princípio ou dispositivo constitucional justificaria a distinção no direito de participação política entre um trabalhador assalariado e o executivo de uma grande empresa? A diferença de rendimentos auferidos entre eles poderia significar em distinção no direito de exercício de participação política, detendo o segundo mais caracteres de cidadania que o primeiro?

Obviamente que não!

Ainda assim, é inegável que o cenário se mostra bastante controverso. Vários são os julgados, em órgãos colegiados, de ações manejadas pelo Ministério Público, que acabam por condenar cidadãos brasileiros à pena de multa, agravando ainda mais a precária situação financeira da camada mais pobre da população como sanção ao exercício de um direito que lhe é inato e deve ser fomentado.

Pior. A doação efetivada em trabalho voluntário, estimada em dinheiro, decorrente do engajamento e do direito de participação política do cidadão, impõe, na incidência de eventual excesso na doação, na aplicação de multa, atingindo as finanças daquele que exerceu legitimamente seus direitos de cidadão.

Vejamos:

ACÓRDÃO Nº 4655 – TRE/DF – Relator Desembargador Eleitoral Alfeu Machado

EMENTA: PLEITO ELEITORAL DO ANO DE 2010. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DOAÇÃO DE CAMPANHA POR PESSOA FÍSICA. REGRA DO ART. 23 DA LEI 9504/97. DOAÇÃO EM ESPÉCIE E AINDA ATRAVÉS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS VOLUNTÁRIOS. LIMITE ULTRAPASSADO À LUZ DO DECLARADO COMO RENDIMENTOS BRUTOS AUFERIDOS NO ANO ANTERIOR À ELEIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO §7º DO ART. 23 DA LEI DAS ELEIÇÕES. INCIDÊNCIA DA REGRA GERAL PARA AS PESSOAS FÍSICAS, CONSOANTE INCISO I §1º DO ART. 23 – MESMO DIPLOMA LEGAL. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 333, DO CPC. INADEQUAÇÃO À NORMA. SENTENÇA REFORMADA. IMPOSIÇÃO DE MULTA “OPE LEGIS”.

1. A prestação de serviços, mesmo que de forma gratuita, a candidato ou a Partido Político, em sendo numericamente quantificada, impõe o dever de obediência à limitação do art. 23, § 1º, I da Lei 9.504/97, já que a aferição pecuniária do serviço prestado, a titulo gratuito, em período eleitoral, com o fim de apoiar campanha política, nada mais configura que uma forma de doação indireta. Devem ser consideradas como doações estimáveis em dinheiro os serviços prestados por terceiros e não cobrados.

2. Os limites à doação por pessoas físicas para campanhas eleitorais buscam garantir a lisura do pleito eleitoral, impedindo o abuso do poder econômico, valor social que, em confronto com o interesse de caráter individual, como o gozo de bens pessoais, deve prevalecer.

3. A doação feita por pessoa física para campanha eleitoral de quantia acima do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição sujeita o infrator à multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

4. Incide, portanto, ao caso, a limitação genérica e não a especial, pelo que a condenação no mínimo da penalidade imposta – cinco vezes a diferença da doação a maior – é medida que se impõe.

Trecho do voto do Relator:

“No mérito, pretende o ora Recorrente ver incidente ao caso dos autos o § 1º do art. 23, inciso I da Lei 9.504/97 – que prevê a limitação genérica sobre 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos do doador no ano anterior da eleição.

Para melhor elucidação, colacionam-se, inicialmente, os dispositivos acima referidos, para melhor análise:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

(omissis)

§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Em suma, de uma simples apreciação dos fatos e documentos trazidos à baila, à evidência, a r. sentença impugnada não observou os critérios do art. 23, inciso I da Lei das Eleições (9504/97), no caso “sub examine”, de doação de pessoa física, que está limitada a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

Considerada a declaração de ter auferido rendimento bruto de R$20.400,00 (vinte mil e quatrocentos reais), no ano de 2009, seria regular a doação não superior a R$2.040,00 (dois mil e quarenta reais), mas não foi o que se constatou.

Tendo o Recorrido efetuado doação a candidato no valor de R$3.500,00 sendo R$500,00 (quinhentos reais) em espécie e R$3.000,00 (três mil) através de prestação de serviço voluntário (vide fls. 101 e 102), por óbvio, excedeu em R$1.460,00 (mil quatrocentos e sessenta reais) o limite legal do art. 23, §1º inciso I da Lei das Eleições (9504/97), configurada a situação de excesso de doação.”

Esse foi o entendimento adotado pelo Exmo. Des. Walter de Almeida Guilherme nas Representações 1743 e 1131, como se vê dos insertos abaixo:

TRE-SP. REPRESENTAÇÃO Nº 1743 – CLASSE 42ª – VOTO Nº 1618/2009. Relator: Des. Walter de Almeida Guilherme.

EMENTA: REPRESENTATAÇÃO – ELEIÇÃO DE 2006 – PESSOA FÍSICA QUE SE DECLAROU ISENTA A RECEITA FEDERAL – DOAÇÃO A CANDIDATO – INFRINGÊNCIA DO ART. 23, § 1º DA LEI Nº 9.504/97 – ALEGAÇÃO DE DOAÇÃO ESTIMÁVEL NA FORMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AFASTADAS AS PRELIMINARES DE DECADÊNCIA E ILICITUDE DA PROVA – AS DOAÇÕES ESTIMÁVEIS SERÃO CONSIDERADAS PARA A VERIFICAÇÃO DO LIMITE ESTABELECIDO EM LEI – JUNTADA DE COMPROVANTE DE RENDIMENTO QUE VIABILIZARAM A DOAÇÕES REALIZADAS – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.

TRE-SP. REPRESENTAÇÃO 1131 SP - Relator: WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Data de Julgamento: 03/11/2009, Data de Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 10/11/2009, Página 04)(D.N.)

REPRESENTAÇÃO - ELEIÇÃO DE 2006 - PESSOA FÍSICA - DOAÇÃO A CANDIDATO - ART. 23, § 1º, INC. I, DA LEI Nº 9.504/97 - ALEGAÇÃO DE DOAÇÃO MEDIANTE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - AS DOAÇÕES ESTIMÁVEIS SERÃO CONSIDERADAS PARA VERIFICAÇÃO DO LIMITE ESTABELECIDO EM LEI - AUSENTES PROVAS QUE PERMITAM PRECISAR O REAL RENDIMENTO AUFERIDO PELA PESSOA FÍSICA - "TETO" INSTITUÍDO PARA ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA - PARÂMETRO PARA VERIFICAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.23§ 1ºI9.504

 “(...) a prestação de serviços gratuitos constitui doação estimável em dinheiro e deve ser contabilizada para o fim de verificar se foi observado o limite legal estatuído no art. 23 da Lei n° 9.504/97. Nesse sentido, pertinente destacar que o caput do citado artigo é claro ao prever que as pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, logo, ambas as doações devem ser contabilizadas com o fim de constatar eventual desrespeito ao limite legal previsto no art. 23 da Lei n° 9.504/97

Ademais, a intenção do legislador restou cristalina ao incluir a expressão “estimáveis em dinheiro” no caput do art. 23 da Lei n° 9.504/97, evidenciando que, ainda que não se trate de contrato de doação stricto sensu, a aferição pecuniária do serviço prestado, a titulo gratuito, em período eleitoral, com o fim de apoiar campanha política, nada mais configura que uma forma de doação indireta. (...)

No mesmo sentido, vale citar, ainda, a lição do i. doutrinador Renato Ventura Ribeiro, um dos colaboradores na elaboração do projeto que originou a Lei n° 9 504/97, que, ao tecer considerações acerca do art 23 desse diploma, assevera que "( ...) as doações podem ser feitas em dinheiro, mediante cheque ou transferência bancaria, ou em bens e serviços estimáveis em dinheiro ( )" e que "devem ser consideradas como doações estimáveis em dinheiro os serviços prestados por terceiros e não cobrados ( )" Conclui o autor que "para efeito de calculo do limite de doação individual, devem ser somadas as doações em dinheiro e as estimáveis em dinheiro (bens ou serviços), pois ambas são consideradas doações, para efeito legal" (in Lei Eleitoral Comentada, Ia edição, p 181/182, editora Quartier Latm, São Paulo, 2006)”(D.N.)

Assim sendo, nos termos da fundamentação aqui tecida, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO ao Recurso Inominado Eleitoral para, com fulcro no art. 23, §1º inciso I da Lei das Eleições (9504/97) c/c §3º do mesmo dispositivo, observado ainda o contido no art. 333, I e II, do CPC, REFORMAR a r. Sentença recorrida e condenar o Recorrido ao pagamento de cinco vezes a quantia doada em excesso, o que totaliza R$7.300,00 (sete mil e trezentos reais).

É como voto.

Nos julgados acima mencionados – respectivamente das eleições de 2010 e 2006 – vemos a adoção da interpretação estrita e literal do artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997. A nosso ver trata-se de uma visão simplista e que equipara situações díspares sem considerar as características dos fatos concretos.

É forçoso concluir que não se podem elevar ao mesmo patamar as doações em dinheiro ou estimadas em bens ou serviços àquelas realizadas de forma estimadas em trabalho pessoal do cidadão.

É imperioso que se faça uma interpretação em conformidade com a Constituição, valorizando os fundamentos da República, o Estado Democrático do Direito e os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Importante salientar que a interpretação desvalorada do artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997, leva à conclusão de que a pessoa que não teve rendimentos auferidos no exercício fiscal anterior ao ano da eleição está proibida de efetivar doações e de participar efetivamente nas campanhas eleitorais. Vale recordar que a consideração do limite de isenção de imposto de renda pelo Ministério Público Eleitoral, decorre da conveniência e da impossibilidade de se calcular os reais rendimentos da pessoa isenta de declaração.

Essa é a realidade e a premissa contestada no presente trabalho, qual seja: para as eleições de 2012 a pessoa isenta da declaração de imposto de renda poderia doar licitamente até R$ 2.245,72 (dois mil reais, quatrocentos e oitenta e sete reais e setenta e dois centavos).

Estabelecido esse cenário, imaginemos, pois, a situação de um advogado recém-formado, politizado e com ativa participação partidária e ideológica, tenha contribuído com sua força de trabalho advogando voluntariamente em prol da campanha de determinada agremiação em uma eleição de grandes proporções; eleição em uma capital ou mesmo nas eleições gerais, por exemplo.

O direito de participação e engajamento político na campanha, por meio do trabalho, estaria limitado aos 10% dos rendimentos auferidos do limite estabelecido para o teto de isenção de imposto de renda?

Parece-nos claramente que não!

Resposta diversa implicaria na situação esdrúxula de que, alcançado o limite de doação, o cidadão advogado teria tolhido o seu direito constitucional de participar efetivamente da campanha e de defender seus ideais políticos.

Ademais, é de se indagar qual seria a distinção entre o advogado recém-formado, que não auferiu rendimentos econômicos no ano anterior ao das eleições, e um advogado plenamente estabelecido no mercado de trabalho, que graças ao seu trabalho auferiu elevada renda no ano anterior à eleição.

 Podemos nos valer de vários exemplos em várias profissões ou atividades. No mesmo contexto, uma pessoa desempregada e sem fonte de renda, vitimada pela miséria que assolada grande parte de nossa população, e que se filie a determinada corrente ideológica, que pretenda prestar serviços voluntários em uma campanha – exemplo da divulgação de material de publicidade, de atendimento ao público, de telemarketing etc – se veria impedida ou limitada de participar das atividades políticas de campanha.

Recordamos, por oportuno, que as receitas estimadas devem ser declaradas e contabilizadas na prestação de contas, segundo os valores reais praticados no mercado.

No exemplo do advogado recém-formado, a tabela de honorários da OAB, que indica piso de cobrança para determinados atos, ações ou defesas, serviria de parâmetro. Para as profissões que tem piso salarial definido este é o parâmetro a ser considerado. No mais, o salário mínimo ou o preço praticado no mercado é o parâmetro a ser adotado.

A prevalência da corrente jurisprudencial aqui discutida implica, a nosso ver, em uma de duas situações:

- a aceitação de que se pode limitar o direito e exercício participação política do cidadão com base em condições puramente econômica, nos moldes das Constituições Cesaristas, ou

- permissivo legal para que os valores das doações estimadas em dinheiro sejam adaptados, caso a caso, a fim de não tolher o direito do cidadão e signifique que a contabilidade de campanha é de fato de “faz de contas”.

Em contraponto, buscando corrigir as distorções e equívocos da interpretação estrita e literal do artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997, desenvolveu-se uma segunda corrente jurisprudencial que distingue o excesso de doação do engajamento político.

TRE-SP . Recurso Eleitoral n° 1716-50 – Relator: Juiz Flávio Yarshell:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO FUNDADA EM DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. PRELIMINARES REJEITADAS. VALOR DOADO EM DINHEIRO INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. USO DE BEM MÓVEL. ART. 23, § 7°, DA LEI N° 9.504/97. DOAÇÃO DE SERVIÇO GRATUITO DE PANFLETAGEM VALOR DO SERVIÇO QUE NÃO INTERFERE COM OS RENDIMENTOS DO DOADOR. PROVIMENTO DO RECURSO.

“ (...). Já no tocante ao serviço gratuito, ainda que não tenha sido excepcionado expressamente pela lei, reputo que ele não deve ser considerado porque a doação consistiu no fornecimento de mão de obra, isto é, em trabalho prestado pelo próprio demandado em prol do candidato. Portanto, não houve efetiva transferência de ativos financeiros — direta ou mesmo indireta — que interferisse, por qualquer forma, com os rendimentos brutos do requerido, sendo esse o elemento estabelecido pelo legislador para a configuração do tipo legal.

Sendo o contrato de natureza gratuita e não implicando em qualquer trânsito efetivo de recursos, não se pode impor ao demandado uma sanção lastreada em exigência de estimação que se justifica e se dirige essencialmente ao candidato, por força da exigência de sua prestação de contas. Sob a ótica desse último, de fato houve um recebimento estimável em dinheiro — daí a necessidade de declarar o valor. Mas, sob a ótica do requerido, não houve nenhuma transferência — direta ou mesmo indireta — de valores. Por outras palavras, seus rendimentos permaneceram intactos e aí parece residir ser o critério justo e jurídico a ser considerado nas doações estimadas em dinheiro: é preciso saber se de alguma forma elas diminuem os rendimentos do doador (ou, no caso de pessoa jurídica, de seu faturamento). Se a resposta é negativa, então não é caso de se impor a sanção, com a devida vênia de entendimento contrário.

No caso dos autos, não há qualquer elemento indicativo de que o réu pudesse auferir rendimentos dos quais teria ficado privado por força do trabalho voluntário que prestou. É perfeitamente possível que o requerido tenha se disposto a prestar os serviços em seu tempo livre e sem prejuízo de sua própria renda — o que, aliás, se afigura mais plausível por regra de experiência comum (CPC, art. 335). Do contrário, seria de se esperar que não se tratasse de liberalidade, mas de prestação remunerada de um serviço, como também ocorre com frequência nas campanhas eleitorais. Também não se cogita de ter a prestação dos serviços sido feita de forma irregular, fraudulenta ou simulada, de sorte a encobrir o efetivo pagamento de quantias.

Finalmente, tenho que reputar engajamento de pessoa física em campanha como doação sujeita a penalização é instaurar insegurança nas relações que são próprias e corriqueiras no período eleitoral.

Não se pode de forma razoável esperar que aquele que dispõe a trabalhar voluntária e gratuitamente numa campanha considere o valor estimado de seu trabalho no confronto com seus rendimentos. Tal raciocínio instauraria um subjetivismo incompatível, como dito, com a segurança jurídica e desestimularia algo que é saudável para o convívio democrático, que é a participação gratuita e voluntária das pessoas em campanhas. Pior ainda, vincular renda da pessoa física ao trabalho voluntário em campanha é gerar o risco de discriminação incompatível com o convívio democrático, pela indevida exclusão daqueles que, embora se dispondo a participar, não tenham rendimento compatível com o valor estimado do trabalho.

Portanto, tratando-se de sanção, o tipo legal há que ser interpretado de forma estrita e não havendo doação — ainda que indireta — que interfira com a renda do réu (pessoa física), não há como se cogitar de irregularidade. (...)”.

No mesmo sentido:

RECURSO ELEITORAL N° 1306-89.2011.6.26.0000 - RELATOR: JUIZ PAULO GALIZIA - VOTO N° 2408

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL - DOAÇÃO - PESSOA FÍSICA - AVENTADO EXCESSO AO LIMITE LEGAL (ART. 23, DA LEI 9.504/97) – DOAÇÃO CONSISTENTE EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GRATUITOS À CAMPANHA - POSSIBILIDADE - ENGAJAMENTO POLÍTICO NÃO DEVE SER CONFUNDIDO COM EXCESSO DE DOAÇÃO - RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO.

No Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo o jurista Flávio Luiz Yarshell, na posição de Relator, e com a contribuição das discussões que fomentavam o tema, dissociou a imposição dos limites de doação por pessoa física dos trabalhos voluntários, reputados como direito de engajamento político pela pessoa.

Esse novo posicionamento jurisprudencial reconheceu que “reputar engajamento de pessoa física em campanha como doação sujeita a penalização é instaurar insegurança nas relações que são próprias e corriqueiras no período eleitoral”. [50]

Seguindo na construção de seu raciocínio defendeu em seus votos que a vinculação da renda da pessoa com o direito de engajamento em trabalhos voluntários da campanha gerava o risco de discriminação incompatível com o convívio democrático, com a exclusão daqueles que não tenham tido auferido rendas compatíveis com o nível, de participação pretendida.

Não se olvida que o novo posicionamento, ainda que não pacífico, se pôs a corrigir as flagrantes distorções e a penalização indevida de cidadãos pelo exercício de atividade política lícita.

No entanto, a crítica oportuna que se faz, amparada principalmente no fato de que as decisões nos Tribunais Regionais Eleitoral, em regra, são tomadas pelo órgão Colegiado, é que a interpretação constitucional foi realizada de forma tangencial, não tendo sido declarada a inconstitucionalidade do dispositivo legal em apreço ou necessidade de sua interpretação conforme o texto constitucional.

Desse modo resta certa insegurança, conquanto as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais sejam, em regra, terminativas, ressalvadas as possibilidades da interposição do Recurso Especial em caso de decisões contrárias à disposição expressa de lei e em caso de divergências na interpretação da lei entre dois ou mais Tribunais (artigo 276, I, a e b), e de Recurso Ordinário quando a decisão versar sobre a expedição de diploma, forem denegatórias de habeas corpus ou de mandado de segurança (artigo 276, II, a e b).

Cediço que a situação ainda é incomoda e insegura, não havendo decisão que reflita efeitos ultra partes e que gere estabilidade nas relações de doações de serviços voluntários e engajamento político nas campanhas eleitorais.

Por sua vez o Tribunal Superior Eleitoral não adotou nenhum mecanismo hábil a corrigir definitivamente distorções aqui expostos. Aliás, quando agiu, foi de forma insuficiente, anacrônica e contraditória.

Por primeiro, citamos o desenvolvimento da corrente jurisprudencial remansa no Tribunal Superior Eleitoral, adotado também pelos Tribunais Regionais Eleitorais, amparada no princípio da proporcionalidade, que reconhece, respeitados alguns parâmetros, a insignificância de pequenas distorções ou excessos a que tenha acometido a prestação de contas.

Tal entendimento também tem sido utilizado, ainda que tangencialmente, para impedir a penalização indevida de cidadãos engajados politicamente.

A Resolução 23.376, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012, inovou em relação ao tema e, ao fazê-lo, a nosso ver, prestou um desserviço à evolução árdua da arrecadação de recursos e administração financeira das campanhas eleitorais.

“Artigo 30:

(...);

§ 10. A atividade voluntária, pessoal e direta do eleitor em apoio à candidatura ou a partido político de sua preferência não será objeto de contabilidade das doações à campanha, sem prejuízo da apuração  e punição de eventuais condutas indevidas e excessos que configurem abuso do poder econômico ou qualquer outra infração a lei.”

Veja que o Tribunal Superior Eleitoral, reconhecendo o anacronismo e a reiteração condenações de pessoas quem incidiam em excesso de doações por terem doado a força de trabalho de forma voluntária às campanhas eleitorais, optou, de maneira drástica e contraditória, por prever que as atividades voluntárias, realizadas de forma direta e pessoal, no contexto da campanha eleitoral, não seriam objeto de contabilização.

A nosso ver, bastava ao Tribunal Superior Eleitoral dispor que as doações em trabalho voluntário, prestado direta e pessoalmente pelo cidadão, não seriam consideradas para a verificação do limite previsto no artigo 23, §1º da Lei 9.504/1997.

Ao dispensar os registros e contabilização de receitas estimadas consubstanciadas na doação de trabalho voluntário pessoal, o Tribunal Superior Eleitoral deu evidentes passos para trás no tocante a segurança e sistematização das prestações de contas, bem como feriu uma série de princípios orientadores da administração financeira de campanha.

Por primeiro, a dispensa de contabilização fere as disposições do artigo 17-A da Lei 9.504/1997, que dispõe sobre a fixação e limites máximo de gastos de campanha para os cargos em disputa. Veja que a Resolução 23.376, de forma transversa, atinge diretamente e enfraquece as disposições legais que impõe o reconhecimento e obediência aos limites de gastos de campanha.

Parece-nos evidente que tal regulamentação vai de encontro ao princípio da proibição de retrocesso das normas - instrumento de controle estatal que representa a concretização da evolução constitucional de um Estado, bem como ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, pois nitidamente enfraquece o comando constitucional previsto no artigo 17, III da Constituição da República.

A dispensa de contabilização significa a omissão de dados e registros, ferindo diretamente os princípios da verdade material, da lisura e da transparência que devem estar presentes e orientar a prestação de contas do candidato.

Por fim, o legislador pátrio perdeu a oportunidade resolver a celeuma instalada na edição da Lei 12.034/2009, tendo permanecido silente.

Entretanto, em flagrante contradição, dando atenção a tema de menor importância, além de questionável, alterou os limites para doação de bens imóveis, na modalidade de doação estimáveis, para doações que não ultrapassem o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

“Art. 23: in omissis;

(...);

§ 7o  O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).”

Já na Resolução 23.376, o Tribunal Superior Eleitoral dispôs:

“Art. 25. As doações de que tratam esta Seção ficam limitadas (Lei nº 9.504/97, arts. 23, § 1º, I e II, § 7º e 81, § 1º):

I – a 10% dos rendimentos brutos auferidos por pessoa física, no ano-calendário anterior à eleição,  declarados à Receita Federal do Brasil, excetuando-se as doações estimáveis em dinheiro relativas à  utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), apurados conforme o valor de mercado, bem como a atividade voluntária, pessoal e direta do eleitor em apoio à candidatura ou partido político de sua  preferência;”

Neste ponto é possível concluir que as disposições da Resolução 23.376 do Tribunal Superior Eleitoral, denotam-se de certo modo anacrônicas, pois a parte final do artigo 25 dá a entender que a prestação de trabalhos voluntários não incide no limite fixado pelo artigo 23, §1º I, e II da Lei 9.504/1997, e em seu artigo 30, §10, dispõe sobre a dispensa de contabilização de tais doações.

Ora, se há a dispensa de contabilização das doações estimadas em trabalho voluntário pessoal e diretamente prestados, não importa saber o quanto teria sido doado, colocando em xeque a segurança que se espera dos mecanismos de controle e de fiscalização da administração financeira das campanhas eleitorais.

Cediço, portanto, que a situação ainda se mostra incerta, tanto do ponto de vista da jurisprudência, uma vez que não há consenso nos julgados e por não ter havido apreciação da matéria à luz da constitucionalidade, bem como do ponto de vista legislativo e regulamentar pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal Superior Eleitoral, respectivamente.

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Sobre o autor
Alexsandro Trindade

Graduado em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001), possui especialização em Direito Constitucional Aplicado (2013) e em Direito Registral e Notarial (2013). Atuou como Advogado, Assessor Jurídico no Poder Legislativo Municipal e Analista Judiciário da Justiça Eleitoral. Atualmente é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sede da Comarca de Ibiúna/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRINDADE, Alexsandro. A normatização das finanças de campanha eleitoral à luz do direito de participação política do cidadão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4110, 2 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30996. Acesso em: 23 abr. 2024.

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