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Regime jurídico da coisa julgada no processo coletivo:

uma abordagem à luz do processo civil contemporâneo

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O instituto da coisa julgada, no processo coletivo, assume proporções peculiares, destoando da clássica fórmula de extensão subjetiva inter partes da autoridade de seus efeitos, em virtude do também específico escopo da tutela de direitos transindividuais, centrada na defesa de interesses titularizados por pessoas indeterminadas ou mesmo por coletividades.

RESUMO: O Direito Processual Coletivo vem assumindo destaque cada vez maior nas demandas submetidas ao crivo do Poder Judiciário brasileiro, em virtude do novo enfoque, dado pela Constituição de 1988, aos direitos metaindividuais, de titularidade difusa e coletiva. Nesse sentido, a presente obra almeja a exposição das peculiaridades desse ramo do Processo Civil e suas repercussões nas demandas individuais, especificamente no que tange ao regime jurídico da coisa julgada coletiva. Para tal desiderato, e com fundamento em excertos doutrinários e jurisprudenciais, o autor valeu-se de exposição evolutiva preliminar a respeito do surgimento e consolidação dos direitos de natureza transindividual na sociedade contemporânea, e de suas espécies (direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos), e sua consequente influência na edificação do microssistema processual coletivo brasileiro, a partir das construções legislativas e doutrinárias a respeito do tema, especialmente a litispendência entre ações coletivas e individuais. Analisou-se, ainda, a problemática referente à restrição territorial da coisa julgada coletiva, também em análise literária e em função do pensamento jurisprudencial abalizado.

Palavras-chave: coisa julgada coletiva; processo coletivo; microssistema processual coletivo.

SUMÁRIO: 1) Introdução. 2) Transformações do Estado e direitos metaindividuais. 2.1)  Direitos difusos; 2.2)  Direitos coletivos stricto sensu; 2.3) Direitos individuais homogêneos; 3) O processo coletivo; 2.1) As ondas renovatórias do processo civil contemporâneo; 2.2) Conceito; 2.3) O microssistema processual coletivo; 2.4) A ação civil pública e a ação civil coletiva; 4) Coisa julgada no processo coletivo; 4.1) coisa julgada; 4.2) Regime jurídico da coisa julgada coletiva; 4.2.1)  Coisa julgada nas ações que versam sobre direitos difusos ou coletivos; 4.2.2.1) Transporte in utilibus da coisa julgada às ações individuais; 4.2.2) coisa julgada nas ações que versam sobre direitos individuais homogêneos; 4.3) Repercussão da coisa julgada coletiva no plano individual; 4.3.1) concomitância de ações para a proteção de interesses difusos ou coletivos stricto sensu; 4.3.2) concomitância de ações para a proteção de interesses individuais homogêneos; 4.4) restrição territorial da coisa julgada coletiva?; 5) Conclusão; 6) Referências bibliográficas


1) INTRODUÇÃO           

O surgimento de novas demandas coletivas perpassa pela exigência de busca de meios alternativos para solver problemáticas dessa magnitude, com o fito de atender aos anseios da coletividade como um todo. Nesse diapasão, o direito processual civil,  antes eminentemente individual e umbilicalmente conectado a um direito material de aporte também individualista, teve que se adaptar, voltando atenção igualmente ao atendimento de categorias, grupos e classes de sujeitos, inicialmente em matérias afetas ao direito ambiental e às relações consumeristas.

Na perspectiva do surgimento desses novos direitos de amplitude metaindividual, a comunidade jurídica passa a enxergar a tutela jurisdicional coletiva como instrumento processual de garantia do direito ao efetivo acesso à justiça, em verdadeira harmonia com o postulado da democracia participativa .

De fato, à medida que o princípio de acesso à justiça pressupõe a possibilidade de que todos, sem distinções, arrematem a possibilidade de pleitear junto aos órgãos do Poder Judiciário – e o façam de modo adequado –, o Processo Civil, com o anseio da salvaguarda dos direitos coletivos e ao contemplar novas formas de tutela, como a ação civil pública e a ação civil coletiva, passa a atender a tal desiderato.

Assim também, ao pensar e dizer coletivo, o magistrado – e a sociedade como um todo – transmuda o processo em mecanismo garantidor de efetiva participação democrática, em consonância com os postulados norteadores da Carta Magna. É o que leciona, com muita propriedade, SÉRGIO CRUZ ARENHART (MAZZEI, 2005, p. 507):

“Deveras, no atuar o Direito em ações coletivas, o magistrado frequentemente é levado a não apenas "aplicar o direito ao fato" (como se isso fosse possível), mas a conceber, em realidade, uma opção política, a propósito do bem jurídico ou do interesse social merece maior proteção pelo Estado e, assim, qual o outro interesse que deverá ser limitado para que aquele possa ser tutelado. A fluidez dos conceitos que se liga à proteção coletiva – e aos instrumentos a ela ligados, como a noção de proporcionalidade, de interesse público e de bem comum – outorga, em última análise, ao magistrado um poder semelhante àquele desempenhado pelos representantes políticos da sociedade, impondo ao juiz uma nova forma de pensar as questões a ele sujeitas.”

A tutela coletiva, nesse processo de legitimação democrática, ao concentrar em única demanda a reivindicação homogênea de expressivo número de jurisdicionados – tratando molecularmente, pois, os litígios individuais –, assume o mérito de contribuir para o desafogamento do Poder Judiciário, beneficiando a toda a sociedade, em plena sintonia com a máxima da efetividade da prestação jurisdicional, tão em voga no ordenamento jurídico contemporâneo.

Ademais, a tutela metaindividual de direitos emerge como um instrumental legítimo a proporcionar ampliação e democratização do acesso à justiça, contemplando, de modo especial, aqueles que, em razão dos obstáculos sociais, econômicos e, mesmo, culturais, resistem em demandar individualmente – aproximando a busca pela efetivação da Justiça de um patamar mais próximo ao desejado.

É o que assevera RODRIGO MAZZEI (2005, p. 659), com ênfase:

“O reconhecimento e a necessidade de tutela desses interesses puseram em relevo sua configuração política. Deles emergiram novas formas de gestão da coisa pública, em que se afirmaram os grupos intermediários. Uma gestão participativa, como instrumento de racionalização do poder, que inaugura um novo tipo de descentralização, não mais limitada ao plano estatal (como descentralização político administrativa), mas entendida ao plano social, com tarefas atribuídas aos corpos intermediários e às formações sociais, dotados de autonomia e de funções específicas. Trata-se de uma nova forma de limitação ao poder do Estado, em que o conceito unitário de soberania, entendida como soberania absoluta do povo, delegada ao Estado, é limitado pela soberania social atribuída aos grupos naturais e históricos que compõem a nação”

Nesse diapasão, torna-se de relevância fulcral o preciso conhecimento a respeito de temas como a coisa julgada que, nessa seara do processo civil, assume contornos peculiares – em função mesmo das especificidades que entornam o próprio objeto de estudo do direito processual coletivo.


2) TRANSFORMAÇÕES DO ESTADO E DIREITOS METAINDIVIDUAIS

O Estado de Direito, edificado a partir da queda do regime absolutista monárquico, passou, ao longo dos anos, por uma evolução filosófica. Do Estado Liberal, centrado na evidenciação do indivíduo e na perspectiva de intervenção mínima estatal, e ante as novas necessidades sociais, passou-se ao Estado Social, que colocou em evidência a noção do grupo, a partir do desenvolvimento do intervencionismo estatal, e, finalmente, ao Estado Pós-Social, com novos atores sociais e conflitos massificados. É o que leciona PEDRO LENZA (2008, p. 28-29):

“No Estado Liberal, e essa parece ser uma característica continuamente apontada pelos autores, percebe-se uma evidenciação do indivíduo, delineando-se um Estado não intervencionista, rogando-se por uma intervenção mínima estatal.

No entanto, apesar dessa filosofia de enaltecimento do indivíduo e intervenção mínima estatal, 'extremamente restritiva quanto às funções do Estado', caracterizada por Cintra, Grinover e Dinamarco como 'ultrapassada', advertem os autores que 'a jurisdição esteve sempre incluída como responsabilidade estatal, uma vez que a eliminação de conflitos ocorre, e muito, para a preservação e fortalecimento dos valores humanos da personalidade'. Nesse sentido, ao se falar em passividade estatal, não se deve entender o Estado destituído de qualquer papel ou atribuição, principalmente quando se fala em Estado de Direito.

Em um segundo momento, diante das novas necessidades sociais, surge a teorização do Estado Social, evidenciando-se o grupo e colocando a questão social como preocupação principal do Estado. (…)

Finalmente, o Estado Pós-Social (seguindo a classificação proposta por Campilongo), cujos atores sociais evidenciados são os novos movimentos sociais, sem contudo, é claro, como pondera o autor, 'eliminar os problemas interindividuais nem ignorar a relevância da conflituosidade de classes'.”

É nessa perspectiva de mutação do Estado que também a sociedade se transforma – talvez como sua propulsora. Emerge, então, uma sociedade de massa, plural, no seio da qual se desenvolvem conflitos e violações igualmente de massa, que relacionam e atingem o ser humano em sua perspectiva transindividual. Referida transformação irá repercutir, sem dúvida, no campo processual, como se destacará em seguida.

Esse fenômeno transformador do Estado e da sociedade implicou, no mundo jurídico, num processo de multiplicação de direitos, de modo a se não mais dedicar a Ciência do Direito unicamente a interesses puramente individuais. Esse processo evolutivo deu margem, pois, ao surgimento das denominadas três[1] “gerações” ou “dimensões” de direitos, inicialmente identificadas por NORBERTO BOBBIO em seu “A Era dos Direitos”.

Os direitos de 1ª dimensão, historicamente situados nos séculos XVII, XVIII e XIX e identificados com os anseios do Estado Liberal, emergiram como resposta ao absolutismo monárquico, à busca de salvaguarda das liberdades públicas e dos direitos civis e políticos, a traduzir o valor liberdade.

Os direitos de 2ª dimensão, cujo momento histórico impulsionador centra-se na Revolução Industrial (século XIX), procuram privilegiar os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade.

Os direitos de 3ª dimensão, por seu turno, passam a refletir as profundas mudanças na comunidade internacional advindas com o surgimento da sociedade de massas, com novos problemas e preocupações em âmbito coletivo, traduzindo a ideia de solidariedade, tomando-se o homem como ser coletivizado. Na lavra de PEDRO LENZA (2008, p. 34-35):

“Já os direitos humanos de terceira geração, os novos direitos que poderiam ser designados como transindividuais, ou metaindividuais, direitos que transcendem o indivíduo, não mais se restringindo à relação individual, encontram a sua correspondência no lema da fraternidade (ou solidariedade), profetizado na Revolução Francesa. A forma de Estado que poderia coroar o desenvolvimento desses novos direitos, valendo-se da denominação dada por Campilongo, anteriormente exposta, seria a do Estado Pós-Social que, não restringindo a preocupação à promoção social, passa a tutelar outros direitos, direitos difusos, evidenciados e revelados no século XX.”

A dinâmica do Direito passa, então, a incorporar a tutela de interesses metaindividuais, que transcendem os contornos da proteção particularizada do indivíduo, na medida em que perpassam “a órbita individual, adquirindo natureza coletiva ampla, sem se restringir a qualquer grupo, categoria ou classe de pessoas” (LENZA, p. 69). São direitos caracterizados pela transindividualidade, indeterminação ou determinabilidade de sujeitos, indivisibilidade ampla do objeto, indisponibilidade e alta conflituosidade.

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Nada obstante tais notas características peculiares, os direitos metaindividuais classificam-se, em difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cuja conceituação encontra amparo legal no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

2.1) DIREITOS DIFUSOS

Difusos são os direitos ou interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, a teor do art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Caracterizam-se pela titularidade indeterminada, uma vez que “não se fala em direito subjetivo restrito ao Poder Público nem, tampouco, isolado aos indivíduos, mas na realidade pertencente a todos” (LENZA, 2008, p. 70).

Em relação a tais interesses, a agregação dos sujeitos indeterminados titulares de interesses subjetivos decorre de uma dada situação fática, resultante de certas circunstâncias, “mas nunca em decorrência de uma relação jurídica-base, não se percebendo qualquer vínculo jurídico a associá-los” (LENZA, 2008, p. 70).

São geralmente identificados com o direito a um meio ambiente hígido e sadio (artigo 225, da Constituição Federal), o direito à saúde (art. 196, da Constituição), à educação (artigo 205, da Constituição). LENZA (2008, p. 95) traz um aclarado rol exemplificativo:

“Por difuso, podem ser lembrados: a) o direito de todos não serem expostos à propaganda enganosa e abusiva veiculada pela televisão, rádio, jornais, revistas, paineis publicitários; b) a pretensão a um meio ambiente hígido, sadio e preservado para as presentes e futuras gerações; c) o dano decorrente da contaminação de um curso de água; d) o direito de respirar um ar puro, livre da poluição que tanto assola as grandes metrópoles; e) o dano difuso gerado pela falsificação de produtos farmacêuticos por laboratórios químicos inescrupulosos; f) a destruição, pela famigerada indústria edilícia, do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; g) a defesa do erário; h) o direito à proteção dos mananciais hídricos; i) o dano causado pela rotulagem irregular de alimentos ou medicamentos; j) o dano nefasto e incalculável de cláusulas abusivas inseridas em contratos padrões de massa; k) produtos com vícios de qualidade ou quantidade ou defeitos colocados no mercado de consumo; l) a construção de um shopping center em determinado bairro empresarial, trazendo dificuldades para o trânsito local; m) a instalação de uma casa noturna em um bairro residencial, perturbando o sossego de pessoas indeterminadas; n) a queima da cana-de-açúcar (produzindo não só o impacto ambiental, como a perturbação à saúde das pessoas, ocasionando problemas respiratórios e sujeira em cidades, como, no Estado de São Paulo, a de Ribeirão Preto); o) a integração pacífica dos diversos componentes raciais e sociais (...)”.

2.2) DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU

Consoante a definição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), entendem-se por direitos coletivos, em sentido estrito, os “transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso I).

Referido grupo de interesses transindividuais caracteriza-se pela indivisibilidade – interna, para LENZA (2008, p. 69) –, cujos titulares são perfeitamente identificados ou, ao menos, identificáveis. Também a “indivisibilidade dos bens é percebida no âmbito interno, dentre os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Assim, o bem ou interesse coletivo não pode ser partilhado internamente entre as pessoas ligadas por uma relação jurídica-base ou por um vínculo jurídico” (2008, p. 73)

Segundo leciona KAZUO WATANABE, a determinabilidade de tais sujeitos é que diferencia os direitos coletivos dos difusos,

“seja através da relação jurídica-base que as une (membros de uma associação de classe ou ainda acionistas de uma mesma sociedade), seja por meio do vínculo jurídico que as liga à parte contrária (contribuintes de um mesmo tributo, prestamistas de um mesmo sistema habitacional ou contratantes de um segurador com um mesmo tipo de seguro, estudantes de uma mesma escola etc.)” (1995, p. 505).

Podem ser elencados os seguintes exemplos, de acordo com PEDRO LENZA (2008, p. 101):

“Por interesses ou direitos coletivos, podem ser elencados os seguintes exemplos: a) o aumento ilegal das prestações de um consórcio: o aumento não será mais ou menos ilegal para um ou outro consorciado. A declaração de ilegalidade produzirá efeitos para o todo, sendo, portanto, indivisível, internamente, o direito da coletividade. Uma vez quantificada a ilegalidade (comum a todos), cada qual poderá individualizar o seu prejuízo, passando a ter, então, disponibilidade do seu direito. Eventual restrição dos valores caracterizaria proteção a interesses individuais homogêneos; b) o direito dos alunos de certa escola de terem a mesma qualidade de ensino em determinado curso; c) o interesse que aglutina os proprietários de veículos automotores ou os contribuintes de certo imposto; d) a ilegalidade do aumento abusivo das mensalidades escolares, relativamente aos alunos já matriculados; e) o aumento abusivo das mensalidades de planos de saúde, relativamente aos contratantes que já firmaram contratos; f) o aumento abusivo das mensalidades de um clube esportivo (os associados são ligados com o clube por uma relação jurídica-base, motivo pelo qual, o reconhecimento da ilegalidade não poderá ser para um associado e defeso a outro); g) o dano causado a acionistas de uma mesma sociedade ou a membros de uma associação de classe (grupo, categoria ou classe de pessoas ligados entre si por uma mesma relação jurídica-base, decorrente da vinculação individual de cada qual com a sociedade ou associação de classe); h) contribuintes de um mesmo tributo; prestamistas de um mesmo sistema habitacional; contratantes de um segurador com um mesmo tipo de seguro; estudantes de uma mesma escola (existência de vínculo jurídico que liga o grupo, categoria ou classe de pessoas à parte contrária); i) moradores de um condomínio (...)”.

2.3) DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), em seu art. 81, parágrafo único, inciso I, define interesses ou direitos individuais homogêneos como “os decorrentes de origem comum”. Como destaca a doutrina pátria, referidos interesses não ostentam natureza coletiva, por essência, apenas recebendo tratamento processual conjunto em virtude de uma mesma situação fática, pelo que se afirma que se caracterizam por uma transindividualidade artificial ou legal. É o que explica LENZA (2008, p. 70):

“Pois bem, diante desses elementos, Barbosa Moreira, de maneira elucidativa, destaca, de um lado, os interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos) e, de outro, os acidentalmente coletivos (individuais homogêneos). É da natureza e essência dos primeiros a transindividualidade. Já em relação aos interesses individuais homogêneos a transindividualidade decorre de uma construção legal e artificial, na medida em que os interesses de cada um dos indivíduos apresentam-se perfeitamente cindíveis, sendo divisível e disponível o seu objeto, tratando-se de maneira diferente cada um dos indivíduos isoladamente, em razão de sua situação peculiar.”.

A tutela metaindividual, nesse particular, tem o condão de molecularizar o conflito, evitando litígios muitas vezes ineficazes, do ponto de vista econômico, com pretensões diminutas. É, dessa forma, que a “tutela dos litígios individuais, muitas vezes, faz-se mais satisfatória se exercida coletivamente. Nessas situações, de violações a direitos produzidas em série e em massa, recomenda-se a tutela jurisdicional coletiva”, consoante os ensinamentos de LENZA (2008, p. 102). Exemplifica o renomado autor:

“a) os compradores de carros de um lote com o mesmo defeito de fabricação (a ligação entre eles, pessoas determinadas, não decorre de uma relação jurídica, mas, em última análise, do fato de terem adquirido o mesmo produto com defeito de série); b) o caso da explosão do Shopping de Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram danos; c) danos sofridos em razão do descumprimento de obrigação contratual relativamente a muitas pessoas; d) um alimento que venha gerar a intoxicação de muitos consumidores; e) danos sofridos por inúmeros consumidores em razão de uma prática comercial abusiva (por exemplo, diminuição da produção e vendas de medicamentos de uso contínuo e obrigatório, para forçar o aumento de seus preços); f) sendo determinados, os moradores de sítios que tiveram suas criações dizimadas por conta da poluição de um curso d'água causada por uma indústria; g) o interesse que congrega os pais e responsáveis por alunos matriculados em certo nível de escolaridade; h) os cidadãos participantes de programas para aquisição de bens duráveis, ditos 'consórcios'; i) os investidores em certa modalidade de aplicação financeira, como os ditos 'poupadores'; j) acidente ocorrido no meio ambiente do trabalho (ação coletiva buscando obter condenação a indenizar lesões resultantes do referido acidente de trabalho – os danos, individualmente sofridos são divisíveis e particularizados); k) prejuízos causados a um número elevado de pessoas em razão de fraude financeira; l) pessoas determinadas contaminadas com o vírus da AIDS, em razão de transfusão de sangue em determinado hospital público (…).”.

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Sobre o autor
Antônio Pereira Nascimento Júnior

Analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito lotado na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República em Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Antônio Pereira Nascimento. Regime jurídico da coisa julgada no processo coletivo:: uma abordagem à luz do processo civil contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4066, 19 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31076. Acesso em: 28 mar. 2024.

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