A obrigatoriedade do voto nas eleições é um tema recorrente nas discussões populares, e de grande interesse para o Direito também, uma vez que ele tem um fundamento ideológico que sustenta a quebra do princípio da liberdade de ir e vir dos cidadãos. O cidadão na verdade não decide se quer ou não votar, se quer ou não expressar sua vontade política.
A obrigatoriedade de votação decorre da opção constitucional de manter esse caráter, que foi instituído ainda na Constituição de 1932 e está consubstanciada na Lei nº. 4.737, 15 de julho de 1965, especificamente no seu artigo 6º que dispõe, in verbis:
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo:
I - quanto ao alistamento:
a) os inválidos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os que se encontrem fora do país.
II - quanto ao voto:
a) os enfermos;
b) os que se encontrem fora do seu domicílio;
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar.
O mencionado artigo tem fundamento no sufrágio universal estabelecido para o voto, regulando apenas as exceções a esta regra. Assim o voto perde sua característica de obrigação para os enfermos, para os que estão fora do seu domicílio e para funcionários civis e militares em serviço que torne impossível a votação.
A ideia por trás da lei é a de que o Estado é o tutor da consciência dos cidadãos, impondo a eles a sua vontade para obrigar o exercício da cidadania e evitar o absenteísmo e o consequente aumento da quantidade de votos nulos.
A supremacia do Povo sobre o Estado no caso em questão fica excetuada, pois todo o poder emana do povo, e só a vontade do Povo é soberana, mas nesse caso, o Estado é quem define a vontade do eleitor. (SOARES, 2004).
O voto tem a característica no atual sistema político de ser direto e secreto desde o advento da Emenda Constitucional nº. 25 de 15 de maio de 1985. Até então o caráter da votação era indireto, com a eleição de delegados que intermediavam a escolha dos governantes.
A Constituição de 1988, repetindo as anteriores definiu o voto compulsório no capitulo IV relativo aos Direitos Políticos, artigo 14, §1º, onde se verifica que tanto o alistamento eleitoral quanto o voto são obrigatórios para todos os brasileiros maiores de 18 (dezoito) anos e facultativo apenas para analfabetos, maiores de setenta anos e maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
O caráter secreto do voto visa evitar pressões sobre o eleitor, e há certo consenso sobre a necessidade de se manter dessa forma tendo em conta que a competitividade partidária ainda apresenta práticas de cooptação de votos, o que não se admite do ponto de vista ético-político em relação ao regime democrático.
Segundo Nelson de Souza Sampaio (apud Soares, 2004), o voto seria o exercício de uma “função pública”, pois, sendo um elemento importante no pleito, ele produz a composição do Estado. Mas se obrigatório, ele se torna um dever jurídico e tem consequências para o regime democrático quando o absenteísmo é considerável. “Nos pleitos eleitorais com alta percentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os órgãos dirigentes do Estado, ou seja, Governo e Parlamento” (SAMPAIO, IN SOARES, 2004, p. 3).
Outros argumentos favoráveis ao voto obrigatório seriam o nível de participação dos eleitores, o fato de se tomar o voto como signo de politização do eleitorado, a tradição latino-americana e brasileira e o fato de que ele não constitui ônus para o país, sendo o constrangimento do eleitor mínimo. Há, ainda o argumento, segundo Soares (2004) que de que o atual estágio da democracia brasileira não permitiria a liberdade de votar ou não.
A sociedade brasileira ainda é bastante injusta na distribuição da riqueza nacional, o que se reflete no nível de participação política de largos segmentos sociais, que desconhecem quase que inteiramente seus direitos de cidadãos. O voto constitui, nessas circunstâncias, um forte instrumento para que essa coletividade de excluídos manifeste sua vontade política. (SOUZA, 2004, p. 4).
Há, contudo, argumentos contrários à instituição do caráter obrigatório do voto, pois em geral o voto é tomado como dever quando ele seria, na verdade, um direito do eleitor dado que nas democracias se exige o respeito à liberdade de pensamento, e a manifestação da posição política do eleitor pode ser expressa de maneira secreta ou abertamente, conforme leciona De Plácido e Silva (2010).
O voto é obrigatório, mas deve ser facultado ao eleitor manifestar secreta ou abertamente sua escolha. Vota secretamente quem se acha coagido ou temeroso de manifestar abertamente sua opinião; entretanto, aquele que, forte na sua ideologia, desejar expressar abertamente sua vontade não deve ser impedido de fazê-lo. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2010, Verbete Voto, p. 1378).
Argumenta-se ainda, a favor do voto facultativo o fato de que ele já é adotado por países de tradição democrática, e não há enfraquecimento do eleitorado, pois o nível de participação se mantém alto.
Além disso, o voto facultativo teria o condão de dar qualidade ao pleito, uma vez que ele poderia evitar o “voto de cabresto”, em que o politico que representa a região não teria mais motivo para induzir o eleitorado local a votar.
Se a consciência política de um povo ainda não está evoluída suficientemente em razão do subdesenvolvimento econômico e de seus mútuos reflexos nos níveis educacionais, não é tornando o voto obrigatório que se obterá a transformação da sociedade. Se assim fosse, o Brasil e a maioria dos países da América Latina, que adotam a compulsoriedade do voto há muitas décadas, estariam com seus problemas sociais resolvidos. Não seria absurda, portanto, a conclusão de que, se nunca tivéssemos tido a obrigatoriedade do voto, teríamos hoje um processo político-eleitoral muito mais amadurecido e consolidado, como aconteceu com os povos politicamente desenvolvidos. De modo geral, podemos afirmar que os regimes autoritários têm preferência pelo voto obrigatório, porque, assim, o controle do Estado sobre a sociedade é mais forte (SOUZA, 2004, p. 10).
Além do mais, segundo Souza (2004), a opinião de que o eleitorado seria mais educado politicamente com o voto obrigatório não tem consistência, pois o interesse na participação do “jogo eleitoral” é relativo à consciência de cada um, cabendo exclusivamente ao indivíduo decidir o seu envolvimento na disputa eleitoral.
REFERENCIAS
BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 650 questões comentadas. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Ed. Campus, 2007.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 13. ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2008.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto Obrigatório e do voto facultativo. Texto para discussão 6, abr. 2004. Consultoria Leg. Senado Federal. Disponível em:<http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-6-vantagens-e-desvantagens-do-voto-obrigato rio-e-do-voto-facultativo>. Acesso em 16 jun. 2014