Legitimidade dos atos da CTTU como fiscais de trânsito

20/08/2014 às 13:25
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Define a legalidade dos atos da CTTU no que tange a fiscalização de trânsito, seguindo a Teoria da Pirâmide Normativa de Hans Kelsen.

ATRIBUIÇÕES DA GUARDA MUNICIPAL

1. RESUMO

O assunto em tela traz em grande escalonamento um debate no meio da população e no entendimento dos magistrados e operadores do Direito no que se concerne as Atribuições das Guardas Municipais. O objetivo deste trabalho não tem como finalidade esgotar os meios necessários para se dirimirem todas as questões de discrepância deste tema, antes, contrariamente, acalorar o assunto, lançando relevantes considerações à serem ponderadas e a partir daí, a luz da Pirâmide Normativa de Hans Kelsen, poder nortear o entendimento daqueles que desejam estar mais inteirados de seus direitos e de como manter um convívio social balizado em situações concretas, empíricas, e não se deixarem enredar com loquacidade frívola que só fazem confundir e deixam rastros de insegurança.Afinal, a Guarda Municipal restringe suas atribuições apenas nos ambitos patrimoniais de bens, serviços e instalações nos Municípios ou também possui legitimidade para operações de trânsito em cunho generalizado, como atuar punitivamente com multas contra as infrações de trânsito, realização de blitz, pedir ao condutor do veículo que desembarque do mesmo para averiguação, dentre outros feitos realizados cotidianamente que acabam gerando certas contravenções ou seria mesmo uma questão de inconstitucionalidade?

 2. INTRODUÇÃO

Para agitar o assunto antes de mais nada, se faz necessário o entendimento das funções das legislações utilizadas neste artigo, começando pela Constituição Federal e partindo daí, discorrer pelos demais códigos, leis e jurisprudências envolvendo o tema em debate. Neste prisma, Hans Kelsen criou a teoria da Pirâmide Normativa, que dispõe um escalonamento das normas legais, para Kelsen, a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que eles a reconheçam e na proporção por ela distribuídos.

É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos. Também é nela que se acham as normas fundamentais do Estado e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. Sendo assim a norma jurídica que contrariar as disposições da Constituição Federal não será considerada válida.

Dando segmento à pirâmide hierárquica, as normas gerais ou infraconstitucionais, estão imediatamente colocadas sob a Constituição Federal. Estas normas são criadas pela legislação ou ainda através dos costumes. Hans Kelsen entende que as normas gerais oriundas do processo legislativo, são normas postas - estatuídas. Trata-se de um processo que estabelece normas de acordo com os interesses sociais tendo como fonte os fatos e valores que a sociedade oferece. Desta forma, o ato legislativo é tido como um fato produtor de Direito.1

3. DESENVOLVIMENTO

Começando pelo topo da Pirâmide Normativa, existe uma corrente de entendimento voltada para a Constituição Federal, excepcionalmente no Capítulo III, que dispõe sobre a Segurança Pública Nacional e com fulcro em seu Art. 144, incisos I ao V e signum sectionis 8º, delimitam as atribuições da Guarda Municipal e defendem a inconstitucionalidade de certos atos relacionados a seus modus operandi, como a fiscalização do trânsito por exemplo, equiparando aos mesmos moldes relativizados a Polícia Militar. Vejamos o texto em tela:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I - polícia federal;II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares...

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

E para o devido sustentáculo dessa tese, colacionam Jurisprudências, a que cito uma delas, convalidando eficazmente que a GM possui eficiência relativa ao conteúdo do texto legal supracitado, não cabendo, portanto, o comportamento ao exercício do Poder de Polícia Ostensiva atribuídos a PM.

Sentença reconheceu a ilegalidade do exercício do poder de polícia de fiscalização do trânsito por Guarda Municipal, anulando multas aplicadas e condenando o Município em danos materiais e morais.Ação anulatória de autos de infração de trânsito e reparatória civilIncidente: impugnação de pedido de assistência judiciáriaAutos nº: 033.07.024282-0Autor: DEMIAN CAMPOS LEITERéu: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ(SC)

RELATÓRIODEMIAN CAMPOS LEITE, já devidamente qualificado nos autos, por sua procuradora legalmente habilitada (art.36 do Código de Processo Civil – CPC) ajuizou ação anulatória de autos de infração de trânsito e reparatória civil por danos materiais e morais contra o MUNICÍPIO DE ITAJAÍ, pessoa jurídica de direito público interno, também já qualificada nos autos, buscando anulação dos autos de infração de trânsito nº 54525611B, 54525547B, 54525548B e 54525549B (fls.27-32), que teriam sido lavrados por agentes do Réu sem competência para tanto e com abuso de autoridade lhe ocasionando danos materiais e morais.Entendeu que a guarda municipal não tem competência para fiscalizar o trânsito, mas somente proteger os bens e instalações do Município, muito menos reter CNH de condutores ou apreender seus veículos, de maneira a eivar de ilegalidade as autuações de trânsito lavradas. Lucubrou ainda sobre a inexistência de concurso público para a contratação dos agentes, que seria inconstitucional 2.

Não obstante, há, contudo, outra corrente de entendimento direcionada a aceitabilidade dos atos da GM afora o mero zelo patrimonial sobre cada Município.

E para intervir neste contraponto, contam com o entendimento do renomado doutrinador José Afonso da Silva, que em seu livro Aplicabilidade das Normas Constitucionais, traz para esse universo controverso o assunto, Eficácia das Normas Constitucionais e deixa evidencialmente claro a necessidade de se fazer algumas observações quanto ao texto legal da CF, excepcionalmente em seu art. 144 citado pela corrente inversa.

Dr. Afonso explica que as normas constitucionais possuem níveis, categorias de eficácia e que a eficácia da norma jurídica tem como consequência automática o seu poder de gerar efeito jurídico, com maior ou menor grau, ou de maneira absoluta, ou plena, ou limitada, determinando um agir ou não agir, uma conduta positiva ou uma omissão, e neste caso com uma força paralisante da que é conflitante com o comando determinado3. Vejamos as categorias:

Eficácia plena:São aquelas que produzem seus efeitos jurídicos desde a entrada em vigor da Constituição, incidem imediatamente e dispensam legislação complementar. A título de exemplo podemos apontar as normas referentes às competências dos órgãos (CF, art.48 e 49).

Eficácia contida ou restringível:(Passíveis de restrições), são aquelas que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restrita de competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados, devem ser complementadas pelo legislador ordinário e produzem imediatamente efeitos, mas prevêem meios normativos que as integram e limitam. Temos como exemplo o art. 5°, XIII da CF, que diz ser livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Observando este artigo veremos que se não houver uma lei regulamentado as profissões, qualquer pessoa poderá exercer qualquer tipo de atividade..

Eficácia limitada:São aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor da Constituição, todos os seus efeitos, porque o legislador constituinte, por qualquer razão ou motivo, não estabeleceu sobre a matéria normatividade suficiente, deixando tal tarefa ao legislador ordinário (dependem de lei orgânica ou complementar, leis infraconstitucionais, para a aplicação do seu princípio com eficácia abrangente).

Assim, é nesta última característica explicada pelo Dr. Afonso, que os apoiadores da legitimidade dos atos da Guarda Municipal apoiam sua tese de que o art. 144 da CF possui sim efeitos Constitucionais, contudo deixa evidente a necessidade de complementação quando encerra seu artigo com a seguinte frase: ...conforme dispuser a lei. Ou seja, se o tema em debate são as atribuições da GM, o Constituinte, através de seu texto normativo, autoriza o Legislador Ordinário a desenvolver uma Lei que deverá conter todos os detalhes dos atos da GM.

Seus fundamentos também encontram respaldo nas premissas de Kelsen, e é coadunando com o Dr. Afonso que concretizam seu entendimento a respeito das normas infraconstitucionais oriundas da própria Lei Mátria, uma vez que a CF já possui em seu bojo legislativo, um analítico conteúdo FORMAL e que por si só não pormenorizará acerca de atribuições cabíveis nos vários aspectos sociais do país, por isso, como foi visto a respeito da Eficácia Limitada das Normas Constitucionais, se faz necessário a intervenção do legislador ordinário para dar enfoque e diretrizes ao assunto em pauta.

Como já visto, o texto legal da CF disposto em seu art. 144 e § 8º discorre que: Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Neste trecho, a CF outorga sua especificidade a Leis Próprias com objetivos específicos e neste caso determina a matéria de direito, facultando a cada Município constituírem ou não uma Guarda Municipal balizando suas funções e atribuições, quem especificará suas diretrizes e base são as Leis Municipais, entendendo, é claro, que tais Leis não podem contrariar a CF. Logo, uma determinada Lei Municipal de Olinda por exemplo, não pode ser utilizada para regrar os atos da GM de Recife, isto posto, uma vez que cada Município tem a faculdade de criar sua GM, utilizaremos como exemplo já citado para ilustrar essa possibilidade, em um caso positivo, o município de Recife-PE, que optou pela criação de uma Guarda Municipal, adotando uma Lei Ordinária própria (que será vista mais adiante) para estabelecer as atribuições de seus servidores, dentre elas a de fiscalização de trânsito, obedecendo à hierarquia da pirâmide de Kelsen e coadunando com o Código de Trânsito Brasileiro.

Para tanto, analisemos as normas utilizadas para sustentabilidade da previsão legal de certos atos específicos da GM começando pela CF e deslizando pelas normas infraconstitucionais vigentes que legislam sobre o tema.

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? CF, art. 34 caput, inciso VII e alínea c);

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

c) autonomia municipal;

? CF, art. 144 caput, §7º e §8º;

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

? CTB, art. 7 caput, inciso III;

  Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:        III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

? CTB, art. 23 caput, inciso III;

 Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

        III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;

? CTB, art. 24 caput, incisos I, V – VIII e XIV;

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

 V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;

VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;

 VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;XIV - implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;? CTB, art. 25 caput;

Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

? LO nº 12.279/2006, Ementa, Anexo I caput, alíneas “b” e “c”.

Lei Ordinária 17.279/063 que dispõe em seu preâmbulo e posteriormente dispositivo legal as diretrizes e base da Guarda Municipal de Recife, ANEXO I, linha “b” e “c”.in verbis:

Ementa: Cria cargos e modifica dispositivos referentes à carreira do Grupo Ocupacional Segurança Municipal e altera sua remuneração.

O povo da Cidade do Recife, por seus representantes, decreta e eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:

Recife, 22 de dezembro de 2006JOÃO PAULO LIMA E SILVAPrefeitoANEXO I

b) Apoiar as tarefas da prefeitura que envolva o exercício do poder de policia administrativa;

c) Fiscalizar o trânsito e os transportes, cumprindo e fazendo cumprir a legislação e normas correlatas a estas matérias, bem como autuar as infrações cometidas;

Outro sim, colacionam jurisprudência4 para consolidar sua tese sobre a legalidade dos atos da Guarda Municipal através de recurso transitado pelo STF:

Repercussão Geral nº 637539 de STF. Supremo Tribunal Federal, 20 de Outubro de 2011

Magistrado Responsável: Min. Marco Aurélio Actor: Danielle Martins Ferreira RezendeDemandado: Município do Rio de JaneiroResumo

PODER DE POLÍCIA ? IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO ? GUARDA MUNICIPAL ? REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.

Possui repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação de multa de trânsito por guarda municipal, tendo em vista o disposto no artigo 144, § 8º, da Constituição da República, cujo rol especifica as funções às quais se destinam tais servidores públicos.

4. CONCLUSÃO

Considera-se então as correntes divergentes, ambas com suas teses baseadas no ordenamento jurídico e com foco jurisprudencial do STJ. Contudo, o posicionamento das duas correntes deve-se manter engessados até o posicionamento do STF, para então, nortear todas as decisões concernentes ao tema em debate, uma vez que o tema contém matéria Constitucional e tem gerado grande repercussão em meio a sociedade.

Conclui-se que, o mais sensato a se fazer, é o posicionamento do cidadão no sentido de manter seus direitos incólumes e que para tanto se faz necessário um procedimento probo, sem dolo, andando com sua obrigações de cidadania em dias, para não ser necessário a vexatória de o ter que submeter-se a procedimentos confusos de certos atos realizados pelo Estado e ficar se indagando se o ato praticado era ou não legal, possuía ou não legitimidade.

5. REFERÊNCIAS

1 Fonte de pesquisa disponibilizada no site (http://www.arcos.org.br/artigos/teoria-pura-do-direito-a-hierarquizacao-das-normas/#_ftn3) visitada dia 2/10/2012 as 9:00;

2 Fonte de pesquisa disponibilizada no site (http://jus.com.br/revista/texto/16806/guarda-municipal-nao-pode-exercer-policia-de-transito#ixzz289XulBx0) visitada dia 2/10/2012 as 11:00;

3 Fonte de pesquisa disponibilizada no site (http://www.profbruno.com.br/) visitada dia 3/10/2012 as 8:00;

4 Fonte de pesquisa disponibilizada no site (http://www.guardamunicipal.com.br/transito.htm) visitada dia 3/10/2012 as 10:00;

5 Fonte de pesquisa disponibilizada nos textos legislativos, Constituição Federal, Código de Trânsito Brasileiro, Conselho Nacional de Trânsito e Lei Ordinária do Município de Recife – PE supra citados;

CF, art. 34 caput, inciso VII e alínea c);? CF, art. 144 caput, §7º e §8º;? CTB, art. 7 caput, inciso III;? CTB, art. 23 caput, inciso III;? CTB, art. 24 caput, incisos I, V – VIII, XIV;? CTB, art. 25 caput;? LO nº 12.279/2006, Ementa, Anexo I caput, alínea c).

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Sobre o autor
Roberto de Andrade

Acadêmico de Direito pela FMGR (Faculdade Metropolitana da Grande <br>Recife), atualmente dedicado integralmente aos estudos para o exame<br>da OAB e para o concurso público do cargo de Delegado de Carreira,<br>apaixonado pelas várias nuances das ciências penais/criminais e também<br>aspirante a profissão de professor de Direito Penal e Processo Penal.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O intuito do presente artigo foi para elidir contradições existentes sobre o descabimento dos agentes de trânsito e a ilegalidades de seus atos como fiscais.

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