Consolidadamente, existe um consenso sobre o que seria o Processo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este entendido como um instrumento para, de forma imediata, o pleno exercício da Jurisdição e, de forma mediata, a efetivação da Justiça.
Desde logo, exsurge uma indagação: como meio de se pacificarem as relações sociais, em todos os casos o Processo será suficiente para que se atinja a Justiça em sua plenitude? E mais: os resultados encontrados dentro de um processo são absolutamente inquestionáveis?
Da possibilidade de uma resposta positiva ou negativa a estes dois questionamentos, emergem duas óticas sobre o Processo: que ele é instrumento de plena elucidação da verdade ou que não passa de uma grande convenção jurídica, uma verdadeira ficção utilizada para a busca imediata de uma pacificação social.
Esta última visão, destaque-se, diverge em parcela da visão clássica que se lançava sobre o Processo em si e sobre o próprio Direito. Cite-se classicamente o posicionamento de Ihering em "A luta pelo direito", no qual o autor, partindo de uma premissa clara, entende que a luta é o meio pelo qual o Direito alcança a paz¹. Desta forma, seria admissível a compreensão do Direito e, por consequência, do próprio Processo como intimamente próximos à verdade, principalmente quando se considera que as razões jurídicas que motivam alguém a questionar seu direito dentro do Poder Judiciário transcenderiam questões patrimoniais, tratando-se de uma questão de honra, de se defender a própria existência².
Apesar do ideal posicionamento do aludido autor, esta compreensão sobre o que seria o Processo vem sendo fortemente combatida tanto em instrumentos normativos como na prática jurídica, posto que o Poder Judiciário, visto como o mecanismo último para a resolução de conflitos, vem sendo bastante acionado nos últimos tempos, quer para resolver pendências eminentemente jurídicas, quer para resolver imbróglios facilmente dirimíveis em seara administrativa ou até social, mas que, por questões pessoais às partes, são a si levados.
Nesta conjectura, o Poder Judiciário, afastado de um contexto ideal de atuação jurisdicional, é pressionado, passando a trabalhar com metas numerárias estabelecidas. Visando ao alcance destas, faz uso de meios normativos já positivados e que "aceleram" o potencialmente demorado Processo.
Um destes meios já positivados, cite-se, são as audiências preliminares, previstas no artigo 331 da Lei 5.869/73 (Código de Processo Civil brasileiro), momento em que as partes litigantes em um Processo judicial são chamadas a juízo para discutirem a demanda em questão, destaque-se, com plenos poderes para transigir.
Neste exemplo, as partes, por vezes desgastadas pela morosidade do Processo, realizam concessões recíprocas para porem fim à lide em questão. É de se concluir que não houve de fato uma atuação jurisdicional, posto que não foi o Direito (na figura do Juiz) que produziu plenamente a solução, mas sim ocorreu uma chancela jurídica de um acordo firmado em juízo pelas partes litigantes.
Desta forma, é impossível admitir o Processo como sendo estabelecedor de uma verdade universal, visto que o próprio Direito possui elementos normativos que permitem às partes litigantes decidir o que, dentro daquele litígio, será entendido juridicamente como verdade, algo que, por vezes, elas fazem apenas para encerrar o dissídio.
Esta admitida "verdade" não é, em muitos casos, um reflexo plenamente justo da dita verdade dos fatos. Entretanto, é revestida pelo manto da coisa julgada material, visto que foi alcançada em juízo e que, por questões que envolvem a celeridade e economicidade processual, a necessidade de serem cumpridas metas quantitativas e a própria segurança jurídica, formará matéria a não ser novamente discutida no âmbito do Poder Judiciário.
Destarte, seria quase ufânico entender o Processo como intimamente ligado à verdade real considerando o contexto jurídico e social em que este instrumento está inserido. Logo, a visão clássica referenciada, apesar de constituir um verdadeiro norte do Direito, não se adéqua plenamente às atuais exigências da sociedade.
Assim, para a plena compreensão sobre o que seria o Processo, é necessário desprender-se deste como o reflexo da mais pura verdade e aceitá-lo como ligado à segurança jurídica e à pacificação social, tomando-o como instrumento para que o Direito formule uma "verdade" própria e encerre o conflito. Afinal, se o próprio Direito possui dispositivos processuais que transferem o poder de decidir às partes litigantes, o Estado deixa de solucionar os conflitos postos a julgamento e passa apenas a chancelar e confirmar as soluções que a si são apresentadas. Conceitualmente, apesar de ser uma conclusão drástica, deixa de exercer a Jurisdição.
Assim, é possível concluir que o resultado do Processo não é uma verdade universal, mas sim é uma verdade admitida para o fim específico de pacificação social e segurança jurídica. E uma verdade admitida para um fim específico nada mais é do que uma ficção.
REFERÊNCIAS
IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
NOTAS
[1] IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 35, 2013.
[2] Ibidem, p. 56.