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A Deliberação CVM nº 371 e os impactos na contabilização das companhias patrocinadoras de benefícios pós-emprego.

Informações distorcidas aos acionistas?

01/08/2002 às 00:00
Leia nesta página:

Em 13 de dezembro de 2000, o Presidente da Comissão de Valores Mobiliários, ao aprovar o pronunciamento do Ibracon sobre a contabilização de benefícios pós-emprego concedidos a empregados, expediu a Deliberação CVM 371, aprovando e tornando obrigatória às companhias abertas a divulgação, em suas demonstrações contábeis, dos compromissos assumidos em relação a diversos benefícios pós-emprego concedidos, bem como com as entidades de previdência complementar por elas patrocinadas, através do registro contábil de determinados valores a serem apurados por cada Sociedade patrocinadora.

Insta salientar que dentre os benefícios pós-emprego situam aqueles concedidos a título de planos de previdência, assistências médica, odontológica, participação nos lucros e relativos a planos de demissão voluntária, dentre outros.

As previsões contidas no dispositivo societário em comento, devem ser adotadas para o período iniciado em 1º de Janeiro de 2002, sendo que o prazo máximo de reconhecimento de tais ajustes no passivo atuarial é diferido pelo prazo de cinco anos. Ao expedir tal ato normativo, a CVM previu, alternativamente, a possibilidade de lançar integralmente o montante de tal ajuste contra o patrimônio líquido, nas demonstrações contábeis levantadas em 31 de dezembro de 2001, sem que houvesse necessidade de trânsito de tais valores no resultado do exercício corrente.

Caso a patrocinadora não optasse por efetuar tal ajuste contra o patrimônio líquido, deverá obedecer às disposições contidas no diploma legal, relativas ao reconhecimento contábil de tal passivo atuarial contra o resultado do exercício, já que em termos práticos, o disposto na Deliberação significa a necessidade de reconhecimento de passivos atuariais pelas companhias que patrocinem benefícios pós-emprego.

O provisionamento dos déficits atuariais poderá significar uma dificuldade adicional às empresas, na medida que terão que reconhecer, já na data de fechamento de seus respectivos balanços, o valor total dos benefícios a serem concedidos futuramente, mesmo que não haja a necessidade imediata de concessão do benefício aos empregados ou a seus dependentes, como pode ser entendido mediante análise do dispositivo legal abaixo citado, extraído da Deliberação 371:

"3. Este pronunciamento requer que a Entidade empregadora/patrocinadora contabilize:

a)Um passivo, quando o empregado prestou serviços e terá direito a benefícios a serem pagos no futuro; e

b)Uma despesa de benefício aos empregados, na medida em que ela se beneficia dos serviços por eles prestados."

Em virtude da assunção do reconhecimento de tal passivo pelas empresas patrocinadoras, o patrimônio líquido de uma grande quantidade de empresas poderá estar sendo comprometido, assim como a distribuição de dividendos em exercícios subseqüentes.

Adicionalmente, em decorrência da superveniência de tal risco inesperado, algumas companhias patrocinadoras de planos de benefício definido, articulam-se no sentido que seja aumentado o prazo para reconhecimento contábil de tais passivos. A Associação Brasileira das Companhias Abertas – Abrasca – enviou carta à CVM, solicitando que fosse dilatado para 15 anos o prazo para reconhecimento no resultado das obrigações decorrentes dos passivos atuariais. A título ilustrativo, vale transcrever notícia publicada no jornal "Valor Econômico" em 10 de Abril de 2002:

"PASSIVO ATUARIAL DA ELETROPAULO SOMA R$ 2,4 BI:

Dona de um passivo atuarial de R$ 2,4 bilhões, a Eletropaulo negocia com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a ampliação, de cinco para 15 anos, do prazo para reconhecer o valor no seu balanço.

Se cumprir a regra e der baixa desse montante até 2006, a Eletropaulo terá um impacto de R$ 480 milhões por ano em seu resultado – o que poderá colocar em risco a lucratividade da empresa e comprometer a remessa de dividendos à controladora AES (…)."

A contabilização adotada pelos Fundos de Pensão obedece as disposições legais emanadas pela Secretaria de Previdência Complementar - SPC. É previsto pela SPC que a taxa real anual de juros a ser considerada na avaliação atuarial não poderá ser superior a seis por cento ao ano, após a atualização dos rendimentos futuros e descontada a inflação de tal montante. O objetivo da SPC ao prever tal fórmula de avaliação atuarial para fundos de pensão é impedir que sejam consideradas taxas de rentabilidade futura elevada para os valores investidos pelos segurados.

A dúvida surge na medida que o item 49 da Deliberação CVM 371 determina que a taxa de juros a ser utilizada deverá ser estimada com base nas taxas praticadas no mercado, conforme transcrito:

"49. A contabilização, pela Entidade patrocinadora, de um plano de benefício definido, requer os seguintes procedimentos, os quais devem ser cumpridos em conjunto com um atuário:

(…)

e. Determinar, na data do balanço, uma taxa de juros com base em negócios praticados no mercado para papéis de primeira linha (se não houver um mercado ativo para esses papéis, utilizar as taxas dos títulos do governo) e em condições consistentes com as obrigações dos benefícios de aposentadoria. Na ausência desses papéis, a Entidade deverá determinar e justificar a taxa de juros a ser utilizada." (Grifos Nossos).

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Como conseqüência lógica de serem consideradas taxas de juros mais elevadas do aquelas previstas pela SPC, os resultados futuros estimados para os fundos de pensão tenderão a refletir um quadro de maior rentabilidade. Tal fato será passível de confusão para o acionista das sociedades patrocinadoras, na medida que poderá ocorrer a supervalorização dos ativos da patrocinadora. Ademais, não deve ser desconsiderado, ainda, o efeito da Medida Provisória 2.222, de 04 de dezembro de 2001, que determina a incidência do imposto de renda para os planos de benefícios de caráter previdenciário e que poderá comprometer a rentabilidade dos ativos do plano patrocinado.

O normativo editado pela CVM dispõe acerca da necessidade de divulgação de diversos dados pela entidade patrocinadora:

"39. A patrocinadora deve divulgar nas demonstrações contábeis as características do plano, o nome atribuído ao fundo, os pagamentos realizados, a despesa incorrida no período e outras obrigações assumidas, relativas a eventos passados que resultarão em desembolso de caixa e ainda não registradas como exigibilidade."

Contudo, em virtude da eventual existência de efeitos relevantes a serem considerados nas demonstrações contábeis, recomenda-se que além da verificação da adequação no lançamento de tais informações exigidas, o acionista, quando da leitura das informações contábeis disponibilizadas, resguarde-se de eventuais distorções em seu investimento, na medida que exija o fácil reconhecimento da metodologia e das variáveis utilizadas para estimativa dos rendimentos futuros, tais como: taxas de juros adotadas, ajustes a serem aplicados em caso de eventual superveniência de taxas de juros reais diversas das consideradas, efeitos tributários e taxa de inflação estimada.

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Sobre o autor
Luis Wolf Trzcina

advogado e economista no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRZCINA, Luis Wolf. A Deliberação CVM nº 371 e os impactos na contabilização das companhias patrocinadoras de benefícios pós-emprego.: Informações distorcidas aos acionistas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3128. Acesso em: 29 nov. 2024.

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