Nem sempre a inércia do Estado, dita causadora da prescrição, realmente demonstra encontrar-se a ação parada ou com falta de interesse do Estado na sua movimentação.
A lei processual penal em muito colabora para a aparente inércia.
Se o processo conta com significativo número de réus, certamente ocorrerá a demora na sua conclusão, diante do rito processual.
Dificilmente será possível o interrogatório de todos numa mesma audiência, cada um apresentará seu rol de testemunhas, que não necessariamente trará identidade, inclusive com a possibilidade de residirem em cidades/comarcas distintas.
Na justiça estadual, com a existência de varas especializadas, tem-se a possibilidade de uma maior agilização, contudo as varas criminais encontram-se abarrotadas de processos, não havendo condições humanas de sua solução em tempo hábil.
Igualmente os tribunais, podendo ocorrer a prescrição superveniente.
No âmbito da justiça federal, ao menos na 5ª Região (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), não existe especialização, o que concorre para uma maior morosidade, apesar de, proporcionalmente, o menor número em relação aos processos penais no foro estadual.
O juiz analisa não apenas as matérias criminais, como também cíveis, previdenciárias, tributárias, etc. A prática demonstra, em muitos casos, a solução dos processos em tempo aceitável, contudo, havendo recursos, até mesmo devido a inexistência de turmas especializadas, pode-se dizer representativo o número de prescrições decretadas naquela instância.
Significativo, porém, no processamento das ações penais originárias nos tribunais. Maiores os óbices e gravames.
A legislação busca minorá-las, com a possível delegação das funções processantes aos juízes de primeiro grau, cabendo ao tribunal a exclusividade apenas quanto ao julgamento em si (Lei nº 8.038/90).
Aqui, um contra-senso.
Os réus nas ações penais originárias em trâmite nos tribunais detêm foro privilegiado para processamento e julgamento, e não apenas julgamento. Não seria, então, o caso de eliminar o privilégio do foro?
Também colabora o Supremo Tribunal Federal, em momento histórico, ao revogar a sua Súmula nº 394, in verbis:
"Súmula 394/STF – Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".
Tal decisão veio a desafogar os tribunais e, na medida do possível, agilizar aqueles processos.
Outro momento histórico, a Emenda Constitucional nº 35, ao suprimir a imunidade parlamentar para os crimes comuns, alterando a redação do art. 53, CF/88.
Um exemplo, até certo ponto intrigante, a ação penal relativa ao denominado "escândalo da mandioca", com fraude nos dados cadastrais da agência de Floresta/PE do Banco do Brasil, com incorreta aplicação do crédito rural destinado ao plantio de mandioca na região, objeto de fraudulenta indenização pelo PROAGRO – Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Lei nº 5.969/1973), desviando aqueles recursos destinados ao plantio agrícola.
Na principal ação (APn 3-PE), dentre outras quase trinta ações conexas, tem entre os 26 denunciados, à época, um deputado estadual, o que deslocou a competência para o extinto Tribunal Federal de Recursos e, posteriormente, com o advento dos tribunais regionais federais (Constituição Federal de 1988), ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede em Recife/PE.
Sendo necessária licença da Casa Legislativa Estadual, em vista da imunidade parlamentar, seu processamento encontrava-se obstaculizado desde março de 1990.
Tal óbice suspendia a prescrição (art. 53, § 2º, CF/88), é verdade, porém o não andamento do processo também abrangia os demais denunciados, não detentores do privilégio de foro e, pior, não atingidos pela suspensão da prescrição. Alcançava, ainda, os denunciados nas outras mais de vinte ações conexas.
Resultado, não ocorrendo a renovação do mandato eletivo que impedia o prosseguimento da ação, houve, enfim, sua retomada, culminando no seu julgamento.
E o que ocorreu?
Façamos um breve histórico:
"Os fatos delituosos iniciaram-se em julho de 1979, prosseguindo no ano de 1980 até 13 de março de 1981. Por conseguinte, como referidos fatos repetiram-se por mais de mil vezes (1.144 operações), com um liame de similitude no modo de execução e nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, estamos indiscutivelmente diante da figura do crime continuado, capitulada no art. 71 do Estatuto Penal" (APn 3-PE, fls. 21417 – excerto do voto proferido pelo relator, o Des. Federal José Maria Lucena).
Foram objeto de denúncia 26 (vinte e seis) envolvidos no pré-falado esquema fraudulento, sendo que sete em um primeiro momento e os demais em dois aditamentos posteriores.
A denúncia original foi recebida em 12 de novembro de 1981, pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara – PE. Oferecido o aditamento, onde se incluía o então deputado estadual, houve novo recebimento da denúncia e seu aditamento em 17 de junho de 1983. Um segundo aditamento foi ofertado, sendo recebido em 29 de junho de 1984.
Em vista de constar entre os denunciados o deputado estadual, detentor de foro privilegiado, após decisão do Supremo Tribunal Federal, foi deslocada a competência para o extinto Tribunal Federal de Recursos, havendo a ratificação do recebimento da denúncia e seu aditamento, pelo Relator, o Ministro Carlos Thibau, em 24 de abril de 1987.
Com o advento da vigente Constituição Federal, e a criação dos tribunais regionais federais, foram os autos remetidos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde chegaram em 31 de agosto de 1989.
Determinado que se oficiasse à Casa Legislativa Estadual, solicitando-se licença para o processamento do co-réu, em despacho datado de 28 de março de 1990, ao mesmo tempo determinou-se a suspensão do processo principal e dos conexos.
Não havendo deliberação quanto ao pedido de licença, permaneceu a suspensão dos processos até 15 de fevereiro de 1991, quando encerrou o mandato legislativo, pela não reeleição do co-réu.
Retomado o processamento, em despacho do então Juiz Federal convocado, o hoje Des. Federal Geraldo Apoliano, abriu-se vista às partes para manifestação quanto à diligências (art. 499, CPP).
Em setembro e outubro de 1991, o relator originário, Des. Federal Orlando Rebouças, após detalhada análise dos inquéritos conexos, excluindo-se os denunciados que constavam em duplicidade em relação ao processo principal, mais complexo e abrangente, foram recebidas as denúncias ali já ofertadas, dando início ao processamento das novas ações penais.
Em meados em 1992, após a aposentadoria do relator originário, tomou posse no Tribunal o Des. Federal José Maria Lucena, culminando com o julgamento da ação principal em fevereiro de 1999.
Como dito anteriormente, a ação principal tinha, em princípio, vinte e seis réus, havendo no transcurso de seu processamento sido extinta a punibilidade em relação a dois deles, pelo falecimento. No julgamento, outros dois teriam extinta a punibilidade pela prescrição.
Mas, a ação penal do chamado "escândalo da mandioca" não se prendeu apenas à APn 3-PE (processo principal). Outras vinte e sete denúncias foram recebidas entre setembro e outubro de 1991, após longa e acurada análise, iniciando-se o processamento com 39 novos réus.
Decorridos desde o fato-crime mais de onze anos, vê-se presente o inimigo maior do procedimento penal: o tempo, no caso, passado.
Muitos dos réus não mais localizados, os endereços indicados não confirmados. As testemunhas arroladas pela acusação tinham lembrança dos fatos, mas faltava-lhes a convicção para cada caso específico, em decorrência do já longo lapso de tempo.
O tempo conspira, tudo apaga, menos a convicção do Ministério Público na persecução do jus puniendi.
Réus faleceram, outros, apenas após concluída a instrução foram localizados.
Mas, retomemos às considerações sobre a ação principal.
Veja-se que a maior pena, in abstracto, que poderia ser aplicada, relativa ao peculato (art. 312, CP), é de doze anos, sendo, nos termos do art. 109, II, CP, prescritível em dezesseis anos.
Havendo o fato-crime ocorrido (última data, no crime continuado) em 13 de março de 1981, ter-se-ia a data da prescrição em 12 de março de 1997.
O recebimento da denúncia em 17 de junho de 1983, conforme decisão do TRF 5ª Região no julgamento, da lavra do MM. Juiz Federal da 1ª Vara –PE, foi adotado como verdadeira causa interruptiva da prescrição, e não a ratificação pelo Ministro Carlos Thibau, do ex-TFR.
Com a interrupção do prazo prescricional, surgiu nova data para operar-se a prescrição: 16 de junho de 1999; tudo isso sem levar em consideração a suspensão relativa ao ex-deputado estadual, cujo prazo foi alterado em vista do seu mandato eletivo, em 15 de fevereiro de 1991.
Julgada a ação em 24 de fevereiro de 1999, quatro meses antes da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, novo marco de interrupção, sendo a nova data (pela pena in abstracto e não em concreto, como deve ser) em 23 de fevereiro de 2015 para a prescrição.
Contudo, foram fixadas penas, devendo essas serem consideradas para o cômputo da prescrição.
Em vista de tal fato, de se elaborar o quadro a seguir, hipotético, é bom lembrar, com as respectivas datas de prescrição, superveniente e retroativa, tomando-se a pena aplicada para o cômputo, excluindo-se, contudo, por não incidir, o aumento da pena do crime continuado (art. 71, CP), na forma da Súmula nº 497/STF, in verbis:
"Súmula 497/STF – Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação".
Tabela I
Réu |
Pena-Base |
Pena¹ |
Prescrição (art. 109) |
Prescrição Superveniente |
Prescrição Retroativa |
|
Fato-crime |
Denúncia |
|||||
Data Base:24.02.199913.03.8117.06.83 Data Final:17.06.8324.02.99 |
||||||
Edmilson Soares Lins |
7 a |
10 a |
16 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.99 |
Jarbas Salviano Duarte |
5a 6m |
5a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Roberto Batuíra F. da Cruz |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Eduardo Wanderley Costa |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Palmério Olímpio Maia |
2 a |
2 a |
4 a |
23.02.2003 |
12.03.85 |
16.06.87 |
Ademar Pereira Brasileiro |
4 a |
4 a |
8 a |
23.02.2007 |
12.03.89 |
16.06.91 |
Ivanilson Batista dos Santos |
2 a |
2 a |
4 a |
23.02.2003 |
12.03.85 |
16.06.87 |
Pedro Bezerra da Silva |
4a 6m |
4a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Isaac Bernardo de Lima |
4a 6m |
4a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Antônio Oliveira da Silva |
7 a |
7 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Adriano Marques de Carvalho |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Ancilon Gomes Filho |
5a 6m |
5a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Audas Diniz de C. Barros |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Benedito Alves da Luz |
4a 6m |
4a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Djair Novaes |
5a 6m |
5a 6m |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Francisco de Assis G. Leal |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Geraldo Cornélio da Silva |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Heronildes Cavalcanti Ribeiro |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
José Ferreira dos Anjos |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95² |
Manoel Edilberto Ferraz |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Weldon Gilberto C. da Silva |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95 |
Vital Cavalcanti Novaes |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
12.03.93 |
16.06.95³ |
1.Acrescida das circunstâncias agravantes e atenuantes (CP, arts. 61, 62 e 65), não se computando o acréscimo por força do art. 71, CP (Súmula 497/STF).
2.Em relação ao co-réu José Ferreira dos Anjos, existe causa suspensiva da prescrição (art. 116, parágrafo único, CP), cujo cômputo pode ser aferido em tópico posterior.
3.Em relação ao co-réu Vital Cavalcanti Novaes, existe causa suspensiva da prescrição (art. 53, § 2º, CF/88), cujo cômputo pode ser aferido a seguir, verificando-se, em tese, a prescrição retroativa como indicado na Tabela II.
Antes de qualquer conclusão apressada, veja-se que a prescrição superveniente (art. 110, § 1º, CP) e a prescrição retroativa (art. 110, § 2º, CP) dependem do trânsito em julgado do acórdão, para a acusação, o que não se verificou até a presente data em vista de recursos pendentes de julgamento, sendo pertinente, mais uma vez, a ressalva do caráter hipotético.
Também, em relação ao ex-deputado estadual, este teve suspenso o prazo prescricional a partir da solicitação de autorização à Assembléia Legislativa (28 de março de 1990) até o dia 15 de fevereiro de 1991, como titular, e no período de 19 de abril a 27 de outubro de 1993 (6 meses e 8 dias), como suplente convocado.
Neste ponto, necessária a transcrição de excerto do voto do Des. Federal José Maria Lucena, nos autos da APn 3-PE (fls. 21420/21421):
"Houve suspensão do andamento do processo, com relação ao réu Vital Cavalcanti Novaes, durante 1 (um) ano e 05 meses em conseqüência da solicitação de licença à Assembléia Legislativa deste Estado para processá-lo e julgá-lo ante a condição de deputado estadual.
Conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, a contagem do prazo de suspensão inicia-se com o despacho judicial que solicita a licença da casa legislativa (Inq 476-6/ES, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ. 02.03.93, p. 2.565/2.566; Inq 457-0/DF, Rel. Min. CARLOS VELOSO, DJ. 16.08.91, p. 10.782). O sobrestamento do feito, portanto, deu-se através de despacho, da lavra do então Juiz Orlando Rebouças, em data de 28 de março de 1990 (fls. 19536, vol. 71). A ausência de deliberação do Poder Legislativo Estadual produziu efeito até a data de 15 de fevereiro de 1991, havendo intervalo entre 16/02/91 e 18/04/93, vez que inexistiu exercício parlamentar, correndo aí o período prescricional. Aquela falta de autorização legislativa voltou a surtir efeito até 27 de outubro de 1993, quando se extinguiu o mandato de Vital Cavalcanti. Aquele tivera cadeira naquela casa como titular no período de 10 (dez) de março de 1967 (mil novecentos e sessenta e sete) e 15 (quinze) de fevereiro de 1991 (mil novecentos e noventa e um), resultando em 23 (vinte e três) anos, 11 (onze) meses e 05 (cinco) dias. E, como suplente convocado, compreendido entre 19 (dezenove) de abril de 1993 (mil novecentos e noventa e três) e 27 (vinte e sete) de outubro de 1993, somando este 06 (seis) meses e 08 (oito) dias (fls. 20548/20549, vol. 74).
Constata-se, ainda, com relação a Vital Novaes, que, de 24.04.87 (recebimento válido da denúncia) até a data deste julgamento, deduzido o interregno de suspensão prescricional acima declinado, transcorreu o período (lapso prescricional) de 10 (dez) anos, 5 (cinco) meses e 1 (um) dia.
Relativamente aos demais réus, não se considera esta dita suspensão. É doutrina pacífica que a imunidade parlamentar é um instituto personalíssimo, não podendo se estender aos co-autores do delito".
Em relação ao texto suso transcrito, a ressaltar que a data entendida pelo Pleno do TRF 5ª Região, no julgamento, como do recebimento da denúncia, é aquela da lavra do MM. Juiz Federal da 1ª Vara – PE, em 17 de junho de 1983.
Para ele, o co-réu Vital Cavalcanti Novaes, observe-se, então, a seguinte tabela:
Tabela II
Réu |
Pena-Base |
Pena¹ |
Prescrição (art. 109) |
Prescrição Superveniente |
Prescrição Retroativa |
Vital Cavalcanti Novaes |
5 a |
5 a |
12 a |
23.02.2011 |
16.11.1996 ² |
1.Acrescida das circunstâncias agravantes e atenuantes (CP, arts. 61, 62 e 65), não se computando o acréscimo por força do art. 71, CP (Súmula 497/STF).
2.Na prescrição retroativa, acrescenta-se, ao período indicado na Tabela I, o prazo de 1 ano e 5 meses de suspensão do prazo prescricional, obtendo-se a data indicada nesta tabela.
Como visto, acaso mantida a decisão, sem qualquer acréscimo às penas fixadas, apenas um dos réus não seria privilegiado pela inércia do Estado, não proposital, cumpre esclarecer, mas decorrente da legislação processual vigente e da sobrecarga forense.
Não se pense que a prescrição coroou, como um prêmio, aqueles que, nos termos do julgamento realizado, cometeram ilícitos.
Aliás, a suspensão do curso do processo, pelo visto, apenas não traria proveito àquele co-réu ao qual foi aplicada a maior pena, por conseguinte entendida da maior gravidade nos autos pelo mesmo praticado: Edmilson Soares Lins, gerente da agência bancária.
A outro co-réu também não traria proveito, José Ferreira dos Anjos, por estar cumprindo pena relativa a condenação diversa. Em outro momento será analisada a questão.
Do magistério de Aníbal Bruno, tem-se:
"Poder-se-ia alegar para justificá-la que nem a razão, nem a humanidade, nem mesmo o interesse social, tornariam admissível deixar pesar sobre o criminoso indefinidamente a ameaça do processo ou da execução da pena. Mas há dois motivos que realmente concorrem para legitimá-la, um de Direito Penal, que é haver desaparecido o interesse do Estado em punir, outro de ordem processual, aplicável à prescrição anterior à sentença condenatória, que é a dificuldade de coligir provas que possibilitem uma justa apreciação do delito cometido.
O tempo que passa vai alterando os fatos e com estes as relações jurídicas que neles se apoiam. E o Direito, com o seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação das coisas.
A indignação pública e o sentimento de insegurança que o crime gerou amortecem com o decorrer dos anos, do mesmo modo que se atenua a revolta e exigência de justiça dos ofendidos. Assim também, com o tempo, vai-se mudando o réu em outro homem, esquece ou deforma a imagem do seu crime, e a pena, quer como instrumento de expiação, quer como instrumento de emenda, já não encontrará o mesmo sujeito, como saiu, com a sua culpa, da prática do delito, para nele aplicar-se com eficácia e justiça. Perde a pena o seu fundamento e os seus fins, e assim se esgotam os motivos que tinha o Estado para a punição. Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens, escasseiam e se tornam incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para a segurança do Direito. Umas e outras razões fazem da prescrição um fato de reconhecimento jurídico legítimo e necessário. Em todo caso, um fato que um motivo de interesse público justifica" (Direito Penal, 1967, t. 3, p. 210/211).
Igualmente, Magalhães Noronha:
"O tempo, que tudo apaga, não pode deixar de influir no terreno repressivo. O decurso de dias e anos sem punição do culpado gera a convicção da sua desnecessidade, pela conduta reta que ele manteve durante esse tempo. Por outro lado, ainda que se subtraindo à ação da justiça, pode aquilatar-se de sua intranqüilidade, dos sobressaltos e terrores por que passou, influindo esse estado psicológico em sua emenda ou regeneração.
Se não se trata de prescrição da sentença condenatória, é inegável que o decurso do tempo enfraquece ou faz mesmo as provas desaparecerem, de modo que a sentença que viria a ser proferida não mais consultaria aos interesses da Justiça, por não corresponder à verdade do fato criminoso.
Pense-se também que o clamor público, a indignação, o sentimento de insegurança, etc, que o crime em regra provoca, diluem-se, arrefecem-se e mesmo desaparecem pela ação do tempo.
Outros argumentos e teorias fundamentam o instituto. Estabelecem alguns, p. ex., correlação entre ele e a prescrição aquisitiva do Direito Civil: o criminoso adquire o direito de não ser punido, pela inércia dos órgãos estatais, incumbidos da punição. Outros invocam a eqüidade como razão. E diversos fundamentos podem ser apontados ainda.
Nem todos são procedentes, porém, alguns se impõem, e fato é que as legislações têm aceitado, sem vacilação, o instituto, que realmente se justifica.
Com efeito, não se pode admitir que alguém fique eternamente sob a ameaça da ação penal ou sujeito indefinidamente aos seus efeitos, antes de ser proferida sentença, ou seja reconhecida sua culpa (em sentido amplo). Seria o vexame sem fim, a situação interminável de suspeita contra o imputado, acarretando-lhe males e prejuízos, quando, entretanto, a Justiça ainda não se pronunciou em definitivo, acrescentando-se, como já se falou, que o pronunciamento tardio longe estará, em regra, de corresponder à verdade do fato e ao ideal de justiça.
Em se tratando de condenação, força é convir que o longo lapso de tempo, decorrido após a sentença transitada em julgado, sem que o réu haja praticado outro delito, está a indicar que por si mesmo ele foi capaz de alcançar o fim que a pena tem em vista, que é o de sua readaptação ou reajustamento.
E quando assim não fosse, é indisfarçável que, ao menos aparentemente – e, portanto, com reflexos sociais nocivos – a pena tão tardiamente aplicada surgiria sem finalidade, e antes como vingança. Como escreve MANZINI: ‘A implacável vontade de punir, se se pode conceber como um ato de psicologia individual inferior, não é compreensível qual fato de psicologia coletiva, em relação a ações individuais, como o delito, em povos civilizados, e quando o tempo alterou as condições em que normalmente é exercido o poder público punitivo" (Direito Penal, 1968, v. 1, p. 391/392).
Alguns daqueles denunciados podem ter-se beneficiado dos ilícitos que lhes são imputados até a data de hoje, não havendo incidido sobre eles a readaptação ou o reajustamento.
Em uns, operou-se. Contudo, é possível que em outros tenha incidido outras penas não previstas na legislação, de ordem moral, psicológica e até financeira.
Daí porque, sem qualquer juízo de defesa aos denunciados, mas aderindo à doutrina, não poder macular o Estado pela sua aparente inércia, da qual veio a resultar (ainda pendente de recurso, é bom lembrar, no caso do "escândalo da mandioca"), ou poderá resultar, em prescrição da condenação.
Além da prescrição, pelo decurso do tempo, réus vieram a falecer (10), por causas naturais ou não.
Outros, provavelmente laranjas, nunca foram localizados, desconhecendo-se seu paradeiro ou até mesmo a sua existência.
No tocante à prescrição da pretensão executória, é de se observar as causas suspensivas previstas no art. 116, CP.
No seu parágrafo único, dispõe que depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
É o caso específico do co-réu José Ferreira dos Anjos, por exemplo, que se encontra cumprindo pena em relação à outra condenação.
Em vista de particularidades, como haver-se encontrado foragido por longo lapso de tempo, sendo posteriormente recapturado, não se pode, sem o conhecimento do processo de execução daquela condenação, aplicar, em tese, a prescrição relativa à condenação que lhe foi imposta na APn 3-PE (escândalo da mandioca), relativa ao desvio de recursos do Banco do Brasil, contudo, em tese, poderia não ser a pena aplicada em relação ao co-réu atingida pela prescrição executória.
O tempo que tudo apaga, conspirando contra o Estado julgador (jus puniendi), também se volta contra a própria propositura da ação.
Na corrida contra o relógio e para atender a implacável vontade de punir, inclusive diante da repercussão do caso, inúmeros contratempos surgiram, havendo renovação de denúncia, acarretando a possibilidade de um daqueles denunciados/réus vir a ser julgado mais de uma vez pelo mesmo ato ilícito, incorrendo no bis in idem.
Também, a incerteza sobre a veracidade dos fatos e a existência daquelas pessoas indicadas nos cadastros da agência bancária.
Aqui, o lado inverso, quando o Estado se preocupa em não ser tachado de inerte, terminando por atropelar fatos que talvez, no desenrolar do processo, venham a conturbar o andamento, retardando o seu final, ensejando, possivelmente, na ocorrência da prescrição, não se efetivando a punição pela prática dos atos ilícitos antes verificados.
A opinião pública cobrando a pronta ação do Estado, a preocupação no cumprimento dos prazos e na melhor formulação da denúncia, a legislação processual, as firulas jurídicas dos advogados, o volume de processos a serem apreciados no Poder Judiciário e, o fantasma da prescrição: tudo isso termina por favorecer, ou melhor, não condenar o réu, aparentando a inércia do Poder Público.
A ação penal demanda tempo, e ele é seu inimigo mortal.
A inércia do Estado, como poderia pensar o leigo e o próprio profissional do Direito, não é a prateleira da estante, mas contingências processuais.
Melhorar a legislação processual, diminuindo óbices. Melhor aparelhamento do Estado (Ministério Público e Poder Judiciário, em destaque), evitaria a inércia observada em inúmeros casos.
Alguns avanços têm-se notado, a exemplo a Lei nº 9.271/96, ao alterar a redação do art. 366, caput, CPP, suspendendo a prescrição em relação aos réus citados por edital (foragidos ou não localizados), não premiando esses com a prescrição, mas apenas quanto àqueles que pesou a demora na solução do procedimento judicial.
"Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312".
Por fim, a enfatizar que o instituto da prescrição não decorre da inércia do Estado, mas, pode-se dizer, da desnecessidade da punição pelo Estado, o julgamento de um ex-Primeiro Ministro e de ex-Ministros da Comunicação e da Saúde franceses, no caso da contaminação de centenas de milhares de pessoas com o vírus da AIDS em transfusão de sangue pela não aplicação de testes sorológicos específicos naquele país.
Ao final do julgamento, o ex-Primeiro Ministro francês e o ex-Ministro das Comunicações foram absolvidos, restando condenado o ex-Ministro da Saúde, por erro de diagnóstico, à pena de quatro anos, a qual o tribunal retirou por entender que maior pena já havia ele cumprido (sofrido), diante da própria opinião pública, nos quatorze anos em que decorreu o processo, sendo maior o castigo do que o a ele imposto se encarcerado fosse.
Adaptando ao ordenamento pátrio, à pena aplicada de quatro anos operar-se-ia a prescrição em oito anos, ou seja, a prescrição, de maneira análoga, apenas substitui a pena ditada pelo Estatuto Penal, a ser cumprida nos cárceres, pela pena moral e psicológica (e até mesmo material) que o réu já possa ter sofrido no decorrer do processo, como foi o entendimento acima exposto.
Longe de imaginar a ineficiência do Estado, é possível entender a consecução do jus puniendi pela sociedade que o Estado representa, verdadeira manifestação da justiça pública, muitas vezes até mais severa.
Fontes de consulta
BRASIL, Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).
BRASIL. TRF 5ª Região. Ação Penal nº 3-PE (89.05.06333-0). Rel. Des. Federal José Maria Lucena, Pl., j. 24.02.1999.
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral (tomo 3º), 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1967.
FÜHRER, Maximilianus C. A. Resumo de Direito Penal, 3ª ed., São Paulo: RT, 1991 (Coleção Resumos: 5).
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, parte geral (vol. 1), 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, parte geral (vol. 1), 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1968.