Análise da tutela da evidência no novo CPC à luz dos princípios do Estado Democrático de Direito

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4. Confrontação da tutela da evidência com os princípios do Estado Democrático de Direito em vista do anteprojeto do CPC

A Tutela da evidência tem no anteprojeto do Código de Processo Civil uma seção própria. Passou a ser um instrumento para conferir maior efetividade à prestação jurisdicional, segundo o entendimento de Luiz Fux:

Empreendendo função de tamanha relevância social, exprime-se como um postulado natural à exigência de uma prestação de justiça em prazo razoável que não sacrifique os interesses das partes. A justiça tardia não é justiça, é de negação de função soberana insubstituível e monopolizada, o que revela grave infração aos ditames constitucionais. O acesso à justiça significa não só a disposição de o Estado intervir como também a presteza e a segurança dessa intervenção. Ora, se o particular, caso autorizado, faria justiça incontinenti, o seu substitutivo constitucionalizado deve fazer o mesmo. Há casos em que a incerteza é evidente e há casos em que o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata como consectário do devido e “adequado processo legal”. É indevido o processo moroso diante da situação jurídica da evidência. Ademais, imaginar o “devido processo legal” com fases estanques é observá-lo com as vistas voltadas somente para os interesses do demandado, olvidando a posição do autor, que, em regra, motivado por flagrante necessidade de acesso à jurisdição reclama por justiça tão imediata quanto aquela que ele empreenderia não fosse à vedação a autotutela. (FUX, Luiz. 2000, p.43).

Segundo Camilo Zufelato a concessão da tutela é uma técnica processual que visa, primordialmente, evitar que em razão do decurso do tempo de tramitação processual ocorra dano irreparável ou de difícil reparação ao titular do direito material. No anteprojeto ela encontra-se no artigo 285:

Será dispensada a demonstração de riso de dano irreparável ou de difícil reparação quando:

I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório de requerido;

II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou

IV – a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.

Parágrafo único: Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

A manutenção da tutela reputa a uma atividade unilateral do juiz, que em análise aos requisitos essenciais elucidados no artigo 285 do anteprojeto, no qual antecipa o mérito a favor de uma das partes que constroem o processo.

É preciso encontrar diversas situações que o direito se mostra tão preciso ao julgador, que sujeita a todos os trâmites necessários no decorrer do processo seria ao menos injusto para o pleiteante, violando assim o princípio constitucional da efetividade processual além do acesso à justiça e da duração razoável do processo. Com essa finalidade foi que se estabeleceu o instituto da tutela da evidência aliada a noção que nesse caso o risco de uma demora na solução acarretaria em uma injustiça ainda maior para a parte que pleiteou, o nome assim do instituto demonstra o tamanho da importância e do risco de uma possível injustiça causada pela demora na prestação jurisdicional. (FILHO PAULINO, Ronaldo José de Sousa Paulino. Âmbito Jurídico, 2013, p. 21).

Porém, a tutela e sua concessão violam a situação processual que obedece aos princípios do Estado Democrático de Direito, elucidados, principalmente na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido é o entendimento de Luiz Fux, em seu artigo Tutela dos Direitos Evidentes, quando demonstra a questão do devido processo legal, um princípio evidente que busca um processo igualitário e construído pelas partes.

A previsão na Carta Maior revela a eminência desse poder-dever de judicar nos limites do imperioso. Satisfazer tardiamente o interesse da parte em face da evidência significa violar o direito maior ao acesso à justiça e, consectariamente, ao devido processo instrumental à jurisdição requerida. A tutela imediata dos direitos evidentes, antes de infirmar imediata dos direitos evidentes, antes de infirmar o dogma do due processo of law, confirma-o, por não postergar a satisfação daquele que demonstra em juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz. (FUX, Luiz. 2000, p. 23).

Além daquele princípio, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia também são violados, pois o julgador ao conceder a tutela jurisdicional ao autor quando sua pretensão se qualificar como pleito que autoriza procedência, antecipa o mérito da causa. E para garantir o processo adequado, célere e efetivo, não se pode ofender o contraditório, a isonomia e a ampla defesa.

Há grande controvérsia jurisprudencial a respeito da tutela antecipada, mas as discussões, em sua maioria, reputam a favor do instituto por acreditarem ser uma das soluções para a economia processual.

Seja como for o fato é que a nova figura não infringe qualquer princípio constitucional porque, apesar da supressão de quase todo o procedimento de primeira instância (permanecem somente a petição inicial e a sentença): a) ao autor é assegurado o contraditório via apelação e ao réu via resposta ao recurso; b) a garantia da ampla defesa também não é violada porque, afinal, só cabe tal julgamento quando a matéria ventilada “for unicamente de direito”, c) o princípio do duplo grau de jurisdição permanece identicamente intocado, porquanto duas decisões de mérito via de regra se produzirão no processo. (MACHADO, 2010, p.329).

Porém, estudos deixam claro, que a decisão advinda de concessão de tutela de um direito evidente viola sistematicamente as garantias processuais constitucionais, pois ela impede uma construção justa do processo, que segundo a teoria neo-institucionalista do processo, os princípios do Estado Democrático de Direito devem ser respeitados para ter uma dialética na construção das decisões judiciais e participação efetiva, ampla e paritária das partes.

Para tanto, cabe à utilização de maneira moderada desse instituto, pois a prioridade é uma construção processual a partir das partes, conforme leciona Roberto Pereira Leal:

A legitimidade da decisão só ocorre em fundamentos procedimentais processualizados, porque o PROCESSO como direito de primeira geração (instituição jurídica constituinte e constituída de produção de direitos subsequentes) é direito fundamental de eficiência autodeterminativa da comunidade jurídica que se fiscaliza, renova-se e se confirma, pelos princípios processuais discursivos da isonomia, ampla defesa e contraditório. (LEAL, Roberto Pereira. 2002, p. 124).

 Apesar da importante função social atribuída á concessão da Tutela, o fato dela não constituir um processo baseado nos princípios do Estado Democrático de Direito, faz com que a sua concessão seja considerada ilegítima, pois apesar de ter uma previsão legal, a decisão é monocrática, sem construção das partes.

O processo civil em seu procedimento atual busca uma adequação aos princípios do Estado Democrático, pois nele o mérito é construído com a participação efetiva das partes, fazendo com que a justiça para as partes sejam alcançadas ou fique algo bem próximo. E a concessão da tutela é caracterizada por um ato unilateral do juiz, sem que as partes tenham direito ao contraditório, ampla defesa e à isonomia.

Ao comparar o instituto com o anteprojeto do CPC, nota-se que o mesmo está longe dos princípios defendidos no anteprojeto; e, portanto, deve ser utilizado com bastante cautela pelo órgão jurisdicional.

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5. Considerações Finais

     A tutela da evidência é um instituto muito utilizado no âmbito processual, porém não é capaz de garantir os direitos fundamentais ligados ao processo, elucidados, principalmente, no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

     A estrutura jurídica do processo atual, busca a construção de um processo democrático, construído pelas partes, dotado de garantias processuais constitucionais como isonomia, ampla defesa, contraditório, acesso à justiça e efetividade das decisões judiciais. Algo diferente da decisão unilateral do juiz proferida na concessão da tutela.

     Portanto, vale ressaltar a ilegitimidade deste procedimento, que não atende aos princípios básicos do Estado democrático de direito. Mesmo que esse procedimento busca atender à celeridade processual e a duração razoável do processo, tendo previsão legal, é preciso buscar os princípios constitucionais para a construção de um processo mais justo e que tenha a pretensão de justiça alcançada.       


REFERÊNCIAS:

ANJOS FILHO, Robério Nunes dos; RODRIGUES, Geisa de Assis. Estado Democrático de Direito: conceito, história e contemporaneidade. In: Sérgio Gonini Benício. (Org.).Temas de Dissertação nos Concursos da Magistratura Federal. 1ed.São Paulo: Editora Federal, 2006, v.1, p. 97-113.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BRASIL. Senado. Comissão de Juristas Responsáveis pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 26/08/2013 às 16h30min.

LEAL, Rosemiro Pereira Leal. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 6. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2006. 

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

MOREIRA, Luiz. A fundamentação do direito em Habermas. 3. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, prefácio da 2. ed.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.

FILHO PAULINO, Ronaldo José de Sousa Paulino. A Tutela de evidência como instrumento de acesso a um justo processo. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 108, jan 2013. Disponível em: http:// www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura£artigo_id=12650, acessado em 26/08/2013 às 16h 25 min.

FUX, Luiz. A reforma do processo civil. Niterói: Impetus, 2006.

GOLÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 3 ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 12 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.

ZUFELATO, Camilo. Tutela da evidência e o Projeto de Novo CPC. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/tutela-da-evidencia-e-o-projeto-de-novo-cpc/9769, acessado em 26/08/2013 às 16h40min.

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Sobre os autores
Yago Abreu Barbosa dos Santos

Estudante de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

Ana Luiza Araújo Antunes

Estudante de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Leticia de Melo Oliveira

Estudante de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado sob orientação da Profª. Cynara Silde Mesquita Veloso - Docente do curso de Direito da UNIMONTES e coordenadora e professora do curso de Direito das FIPMoc.

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