Lei de contravenção penal x Estatuto da Criança e do Adolescente.

Lacuna jurídica: a problemática do artigo 243 do ECA.

27/08/2014 às 14:23
Leia nesta página:

Trata-se de breves considerações acerca da lacuna existente no ECA quanto àqueles que oferecem bebidas alcoólicas para crianças ou adolescente. É menos grave por bebida alcoólica na mamadeira de uma criança de 2 anos do que dar cigarro para um adolescente.

Por uma questão de proporcionalidade, o legislador tomou cuidado para fixar as penas em abstrato de um crime de acordo com sua reprovabilidade social e o valor do bem jurídico protegido, crimes mais graves e mais reprováveis socialmente possuem penas logicamente maiores.

             A conduta de vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida (art. 243, ECA) é punida com pena de detenção de 2 à 4 anos.

            Pode-se imaginar que nesse artigo incorreria o agente que entrega ou vende bebida alcoólica e/ou cigarro para criança ou adolescente, afinal, ambas são substâncias que causam dependência.

            Todavia, o Direito Penal rege-se, dentre outros, pelos princípios da especialidade e taxatividade, proibindo qualquer tipo de analogia ''in malam partem''. Ou seja, além do tipo penal dever ser claro, explicito, direto, com a descrição minuciosa da conduta dando a menor margem possível de interpretação, as leis penais mais específicas preponderam frente às menos específicas.

             Com isso, é importante salientar a existência da contravenção penal constante no artigo 63 da lei de contravenções penais que estabelece pena de prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa para àquele que serve bebidas alcoólicas para menores de 18 anos. Ou seja, tendo uma contravenção tão clara e específica punindo a conduta de servir bebida alcoólica, aqui se enquadraria a pessoa que põe bebida alcoólica na mamadeira de um bebê para ele ficar mais calmo. Quanto a pessoa que vendeu ou entregou cigarro para adolescente, não tendo outra norma ou contravenção específica para o tipo de produto que ele entregou, ele incorreria no crime do artigo 243 do ECA com pena consideravelmente maior.

Esse é o entendimento dos Tribunais, vejamos:

PENAL. HABEAS CORPUS. FORNECIMENTO DE BEBIDA ALCOÓLICA A MENORES.     TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTRAVENÇÃO PENAL. ART. 63 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/41. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. OCORRÊNCIA. CONCESSÃO EX OFFICIO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS.
1. Consoante entendimento sedimentado nesta Corte Superior, o fornecimento de bebida alcoólica a menor é conduta típica que, apesar de não se amoldar ao tipo penal previsto no art. 243 da Lei n.º 8.069/90, encontra previsão no art. 63 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Precedentes: REsp n.º 942.288/RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 31/03/2008; e HC n.º 113.896/PR, Rel. Min. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe de 16/11/2010)

Essa visível discrepância das consequências de condutas igualmente reprováveis destoa da nossa concepção inicial de que crimes mais reprováveis são punidos mais severamente.

Acredito que a existência dessa dicotomia se deve, logicamente, por "vacilo" do legislador que deixou de revogar a contravenção penal do artigo 63, mas também devido ao inchaço legislativo próprio da legislação pátria, vivemos em um país onde quase tudo é tipificado, é tanta conduta cuja consequência é a aplicação de pena que até mesmo o legislador passa despercebido e acaba permitindo desproporcionalidades com esta.

Espero que na elaboração do novo Código Penal se atentem para esse problema, ou que pelo menos acabem com essa lacuna legislativa existente no ordenamento revogando o artigo 63 da Lei de Contravenção Penal ou criando novo artigo falando especificamente de bebida alcoólica no ECA.

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Sobre o autor
Vinicius Rodrigues Arouck

Advogado Sócio do escritório Porciúncula Advocacia e Consultoria Jurídica.Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília - UniCEUB.Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.Advogado membro da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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