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O atual panorama jurisprudencial sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental

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07/01/2015 às 12:31
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3. A responsabilidade da pessoa jurídica por crimes ambientais: uma análise jurisprudencial

Conforme mencionado anteriormente, a responsabilização penal da pessoa jurídica, por conduta lesiva a um bem, foi uma novidade introduzida pela Lei 9.605/98. É certo que a Constituição Federal preceituou duas hipóteses de responsabilização da pessoa jurídica em matéria penal: pelos crimes ambientais (art. 225, §3º) e pelos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular – matéria ainda não regulamentada pelo legislador infraconstitucional.

De acordo com o artigo 3º da Lei 9.605/98, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas na esfera penal, “nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. Em que pese a objetividade da redação, há de se fazer uma análise melhor aprofundada sobre esse preceito.

Primeiramente, destaca-se que o artigo 40 do Código Civil determina que as pessoas jurídicas são aquelas de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Quais serão alcançadas pela norma contida na lei de crimes ambientais? Discussão perpetrada pela doutrina há alguns anos. Há quem entenda que a responsabilidade alcança apenas as pessoas jurídicas de direito privado, já outros advogam pela responsabilização de todas as espécies.

Para os adeptos da primeira corrente, em que se destacam Vladimir Passos de Freitas, Gilberto Passos de Freitas, Solange Teles da Silva, Guilherme José Purvin de Figueiredo e Édis Milaré (2011, p. 1295), para o qual, “eventual punição (da pessoa jurídica de direito público) não teria sentido. Imagina-se um município condenado à pena de multa: ela acabaria recaindo sobre os munícipes que recolhem tributos à pessoa jurídica”.

Já para os adeptos da segunda corrente, para os quais a Constituição Federal não fez qualquer ressalva nesse sentido, tanto “a Administração Pública direta como a Administração indireta podem ser responsabilizadas penalmente” (MACHADO, 2012, p. 831). Para eles, “responsabilizar penalmente todas as pessoas de direito público não é enfraquece-las, mas apoiá-las no cumprimento de suas finalidades” (MACHADO, 2012, p. 832).

Quanto ao principal argumento utilizado pela primeira corrente, Paulo Affonso Leme Machado (2012, p. 831), entende que “o dinheiro pago pelo contribuinte terá uma destinação fixada pelo Poder Judiciário, quando provada no processo penal, a ação ou a omissão criminosa do Poder Público”.

Pela leitura do artigo 3º da Lei 9.605/98, é possível constatar ainda que a pessoa jurídica só poderá ser responsabilizada pelos crimes praticados com dolo. Isso porque, “se o domínio do fato se encontra com as pessoas físicas que detêm capacidade diretiva da empresa, e se não existe tal domínio sem o dolo – aqui entendido como a vontade livre e consciente de praticar atos que compõe o tipo legal” (MILARÉ, 2011, p. 1293) a pessoa jurídica só responde pelos atos dolosos.

Outro elemento do artigo 3º da Lei 9.605/98 que merece uma análise mais aprofundada, diz respeito ao seu parágrafo único, por meio do qual, “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Em uma primeira leitura da norma supramencionada aufere-se que “é impossível conceber a responsabilização do ente moral desvinculada da atuação de uma pessoa física, que atua com elemento subjetivo próprio, seja a titulo de dolo ou de culpa” (MILARÉ, 2011, p. 1208).

De acordo com SILVA (2010, p. 48), trata-se da teoria da dupla imputação, por meio da qual:

Utiliza-se a personalidade e a culpabilidade dos representantes das empresas e os interesses da pessoa jurídica e, somados, preenchem, de modo satisfatório, todos os elementos do delito. Teremos, na apuração e responsabilização penal, concurso necessário entre a pessoa física e a jurídica.

Neste sentido, o concurso necessário entre a pessoa física e a pessoa jurídica passou a ser requisito indispensável de responsabilização da empresa na esfera penal, conforme precedentes prolatados pelos Tribunais brasileiros. O Superior Tribunal de Justiça consagrou esse entendimento, em 2 de junho de 2005, ao analisar o REsp 564.960/SC. Para a 5ª Turma, “a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral”.

Em 9 de fevereiro de 2006, esse entendimento foi repetido pela Sexta Turma, nos autos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16696, de relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido: “excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor”.

A teoria da dupla imputação ganhou adeptos na doutrina também. Nesse sentido, necessário transcrever entendimento de Sérgio Salmão Schecaira citado por Édis Milaré (2011, p. 1292):

Se considerar que só haverá a persecução penal contra a pessoa jurídica, se o ato for praticado em benefício da empresa por pessoa natural estreitamente ligada a pessoa jurídica, e com a ajuda do poderia desta última, não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas. Sem desconsideração de situações mais complexas, a existência de dois autores haverá, portanto, coautoria necessária. Para haver punição de uma empresa, obrigatoriamente devemos considera-la como autora mediata. Ela sempre agirá por meio de alguém, seu coautor imediato.

Tais entendimentos decorrem da discussão perpetrada pela doutrina no sentido de que a pessoa jurídica não seria dotada de imputabilidade penal, devendo submeter-se apenas às infrações administrativas. Até alcançar a teoria da dupla imputação, a doutrina divergia quanto às denominadas teorias da ficção e da realidade.

Criada por Savigny, a teoria da ficção “afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio lícito da autoridade soberana -sendo, portanto, incapazes de delinquir (carecem de vontade e de ação)” (PRADO, 2011, p. 125). Já para a teoria da realidade criada por Otto Gierke, “a pessoa moral não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem (...) é sujeito de direitos e deveres; em consequência, é capaz da dupla responsabilidade: civil e penal” (PRADO, 2011, p. 126).

A lei de crimes ambientais, assumidamente, em seu artigo 3º, adotou a teoria da realidade, já que permitiu a responsabilização do ente jurídico pelas condutas lesivas ao meio ambiente. Porém, será que a aplicação realmente dependeria da dupla imputação?

Em que pese o entendimento consolidado no STJ desde 2005 e os posicionamentos doutrinários favoráveis, importante analisar alguns elementos que demonstram a não obrigatoriedade da aplicação da dupla imputação aos crimes praticados pelas pessoas jurídicas.

Primeiramente, destaca-se que a Constituição Federal, em seu artigo 225, §3º, permitiu a responsabilização da pessoa jurídica em âmbito penal, sem estipular qualquer condição específica para tanto. Além disso, o artigo 3º da Lei 9.605/98 indica a possibilidade de coautoria ou participação entre as pessoas físicas e jurídicas, não estipulando o concurso de forma obrigatória. Por fim, verifica-se que, conforme determina a teoria da realidade, a pessoa jurídica é ente real, capaz de tomar decisões, independente dos indivíduos que a compõem.

Ao se deparar com o tema, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a frágil teoria da dupla imputação, entendendo pela constitucionalidade da responsabilização individual da pessoa jurídica, haja vista expressa previsão nesse sentido.

Após quase oito anos de aparente tranquilidade jurisprudencial, a Primeira Turma Corte Suprema derrubou o entendimento do STJ, em 6 de agosto de 2013, nos autos do RE 548181. Para o STF, a ação penal deveria tramitar normalmente, mesmo sem a presença das pessoas físicas no polo passivo. Tal precedente repetiu entendimento já prolatado nos autos do RE 628582, em 6 de setembro de 2011, consolidando o entendimento deste Tribunal sobre a matéria.


Conclusão

 Em 1998, foi promulgada a Lei 9.605/98, que regulamentou preceito constitucional descrito no artigo 225, §3º e inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro, os crimes contra o meio ambiente. Como principal inovação, a lei permitiu a responsabilização das pessoas jurídicas por crimes cometidos em face do meio ambiente. A partir de então, muito se discutiu sobre a constitucionalidade ou não desse preceito e de que forma deveria ser aplicado.

Verificadas as teses da ficção e da realidade, prevaleceu o entendimento de Otto Gierke, por meio do qual, “a pessoa moral não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem (...) é sujeito de direitos e deveres; em consequência, é capaz da duplia responsabilidade: civil e penal” (PRADO, 2011, p. 126).

O Poder Judiciário foi chamado a se pronunciar sobre o assunto e, em 2005, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a responsabilidade penal da pessoa jurídica dependeria de uma condicionante: que a pessoa física, que tenha agido no interesse ou benefício da entidade, constasse obrigatoriamente no polo passivo da ação penal, ou seja, para o tribunal, “a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral” (REsp 564.960/SC). Tratava-se da teoria da dupla imputação.

Após anos de aparente tranquilidade, a tese foi superada pelo Supremo Tribunal Federal, em 6 de agosto de 2013, nos autos do RE 548181, que permitiu que a ação penal tramitasse normalmente, mesmo sem a presença das pessoas físicas no polo passivo.

Utilizando-se de todo referencial teórico apresentado nos primeiros capítulos, buscou-se demonstrar que o atual posicionamento do STF coaduna com o preceito constitucional descrito no §3º de seu artigo 225. Isso porque, a Carta Magna permitiu a responsabilização individual da pessoa jurídica em âmbito penal, o artigo 3º da Lei 9.605/98 indica a possibilidade e não obrigatoriedade de coautoria ou participação entre as pessoas físicas e jurídicas e, conforme determina a teoria da realidade, a pessoa jurídica é ente real, capaz de tomar decisões, independente dos indivíduos que a compõem.


Referências bibliográficas

AMADO, Frederico Augusto di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 4ªed. São Paulo: Método, 2013.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; CONTE, Christiany Pegorari. Crimes ambientais. São Paulo: Saraiva, 2012.

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 9ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 20ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 7ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 3ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. Curitiba: Juruá, 2010.

SILVA, Ivan Luís Marques. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas: 21 anos de previsão legal: um balanço necessário. In: NUCCI, Guilherme de Souza; FRANCO, Alberto Silva (org.). Doutrinas essenciais de direito penal; leis penais especiais II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.


Notas

[1]Preâmbulo da Declaração De Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano de 1972.

[2]2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina, também conhecida como TCDD ou (popularmente) como dioxina de Seveso, é considerada um poluente organoclorado altamente tóxico.  A TCDD é apenas produzida para pesquisas laboratoriais, contudo pode ser gerada na produção de pesticidas, no branqueamento do papel, cloração, fundição do cobre, etc. Além disso, pode ainda ser gerada em incêndios, incinerações, fumaça do tabaco ou vulcões.  Indivíduos que vivam ou trabalhem perto de fontes de emissão de dioxinas e outros grupos de risco devem adoptar medidas preventivas, em especial as grávidas, visto que este composto pode passar através da placenta, acumular-se no leite materno e provocar danos no feto, principalmente no sistema nervoso, afetando seu desenvolvimento mental e físico. Devido às características físico-químicas da TCDD, dentre os alimentos mais associados à sua contaminação, destacam-se a carne de vaca, o leite e seus derivados, carne de porco e os peixes de maiores dimensões. (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/TCDD - acesso em 08/08/2013).

[3]COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. 2ªed. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. IX).

[4]COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ªed. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. 49.

[5]Para maiores informações sobre as aplicação das normas tributárias como medidas para a preservação ambiental, ver MATTHES, Rafael Antonietti. Extrafiscalidade como instrumento de proteção ambiental no Brasil. Revista Veredas do Direito. V. 08. Nº. 16. Belo Horizonte: Dom Helder Câmara, 2011, pp. 47-62.

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Sobre o autor
Rafael Matthes

Advogado e consultor na área de Direito Ambiental. Doutorando em Direito Ambiental pela PUC/SP e mestre bolsista CAPES em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito Tributário pela Rede de Ensino LFG e em Direito Internacional pela PUC/SP, graduando em Tecnologia em Gestão Ambiental pela Universidade Metodista. Atualmente é professor convidado nos cursos de Especialização em Direito Ambiental na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC e nas Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. É professor em Direito Ambiental e em Direito Tributário na Universidade Anhanguera e professor em Direito Ambiental e em Direito Tributário no curso preparatório para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil na Rede de Ensino LFG. Foi consultor voluntário em Sustentabilidade na RIO+20 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Foi monitor da cadeira de Direitos Difusos e Coletivos da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC e atuou como professor-organizador do grupo de iniciação científica sobre Direito Ambiental Internacional. Na Universidade Católica de Santos, realizou estágio docente na cadeira de Direito Internacional. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental, Internacional e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTHES, Rafael. O atual panorama jurisprudencial sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4207, 7 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31429. Acesso em: 24 nov. 2024.

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