Introdução
A Constituição Federal de 1988, seguindo uma tendência universal, indicou o meio ambiente ecologicamente equilibrado dentre o rol de direitos fundamentais dos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Tal preceito foi descrito em um capítulo próprio, no artigo 225, e garantiu à atual Carta Magna – a primeira a elevar a matéria ao patamar constitucional, o apelido de “Constituição Verde”.
É certo que até então, a matéria era disciplinada pela denominada Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). Contudo, em que pese a sua importância na década de 80, pode-se dizer que a Constituição de 1988 ampliou o próprio significado de meio ambiente, englobando não só o patrimônio natural, como era de costume, como também, os patrimônios cultural, artificial e do trabalho.
Além disso, outro aspecto que merece destaque é a produção normativa advinda do texto constitucional. Como exemplo, é possível citar a Lei 7.735/89, que criou o IBAMA; a Lei 8.746/93, que criou o Ministério do Meio Ambiente; a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos; a Lei 9.795/99, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental; dentre outras normas federais, estaduais e até municipais.
Foi neste cenário que, em 1998, o Poder Público federal promulgou a Lei 9.605, que inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, um regramento específico sobre os crimes e as infrações relativas ao meio ambiente, unificando as regras esparsas até então existentes e disciplinando parte da redação do §3º do artigo 225, da Constituição Federal. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto 6.514/08.
Desde a década de 80, a Lei 6.938/81já conceituava o poluidor como “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o poluidor passou, então, a responder pelos seus atos, em três esferas de responsabilização: civil, administrativa e penal, conforme disposto no §3º do artigo 225.
Contudo, foi apenas em 1998, com a edição da supramencionada Lei 9.605, que a pessoa jurídica passou a responder, penalmente, pelos danos cometidos ao meio ambiente. Até aquele momento, inexistia na legislação brasileira, qualquer dispositivo que imputasse responsabilidade por crimes a uma pessoa jurídica, fosse ela de direito público ou de direito privado.
Toda essa evolução normativa, que culminou na edição deste regramento específico, será explorada no primeiro capítulo do presente artigo. Merecerá destaque, em um primeiro momento, o panorama internacional de proteção ao meio ambiente, já que este foi o embrião para o que atualmente os juristas chamam de direito ambiental brasileiro. Em seguida, verificar-se-á a responsabilidade penal como um instituto já internalizado.
No segundo capítulo, serão analisadas as normas penais ambientais, contextualizando-se o bem jurídico protegido por estas normas, as regras relativas à tipicidade e as partes que podem figurar como sujeitos passivos e ativos da norma penal. Além disso, serão verificadas as sanções aplicáveis às pessoas jurídicas e às pessoas físicas, bem como quais são os excludentes de ilicitude.
Superada esta base teórica, parte-se, então, para a análise da jurisprudência produzida pelos Tribunais pátrios sobre a possibilidade de imputação de crime às pessoas jurídicas, bem como, sobre o concurso necessário entre a pessoa física e a pessoa jurídica, dando-se ênfase ao atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal lavrado nos autos do Recurso Extraordinário nº. 548181.
1. Evolução normativa sobre a responsabilização criminal das pessoas jurídicas em matéria ambiental
Os contornos do direito ambiental, como conhecidos atualmente, são resultado de um desenvolvimento normativo em âmbito internacional. A primeira das Conferências Internacionais especializadas sobre a matéria, a denominada Conferência de Estocolmo de 1972, pode ser considerada o embrião desta evolução. Foi a partir de então, que o homem passou a se enxergar não só como criador, mas como criatura do meio ambiente[1].
A consagração do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano, de acordo com o Princípio 1, da Declaração de Estocolmo, se trata de uma verdadeira quebra de paradigma, já que até aquela Conferência, os Estados olhavam a questão ambiental apenas sob o prisma econômico, entendendo que protege-la, resultaria, diretamente, em um entrave à produção.
O papel fulcral das pessoas jurídicas, que devem agir em cooperação com os cidadãos e a comunidade para se alcançar os objetivos propostos na Declaração de Estocolmo, já estava descrito no preâmbulo deste documento. Em suas palavras:
A consecução deste objetivo ambiental requererá a aceitação de responsabilidade por parte de cidadãos e comunidades, de empresas e instituições, em eqüitativa partilha de esforços comuns. Indivíduos e organizações, somando seus valores e seus atos, darão forma ao ambiente do mundo futuro. Aos governos locais e nacionais caberá o ônus maior pelas políticas e ações ambientais da mais ampla envergadura dentro de suas respectivas jurisdições.
Como resultado desta mudança de paradigmas, após a Estocolmo 72, diversas convenções multilaterais foram adotadas revelando uma nova postura mundial de conservação da natureza, de proteção dos mares e oceanos, bem como de enfrentamento de novos tipos de poluição, como, por exemplo, a Convenção de Londres sobre a Preservação da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos (1972); a Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES – 1973); a Convenção sobre direito do mar (1982); a Convenção de Viena para a proteção da Camada de Ozônio (1985); entre outras.
Vale lembrar, no entanto, conforme ensina Solange Teles (2010, p. 32), que apesar da crescente preocupação com a matéria ambiental, “os progressos nesse período foram insuficientes para alterar a destruição do meio ambiente. De acordo com uma avaliação realizada pelo PNUMA (...), em 1982, os problemas ambientais tinham piorado”.
Além disso, nesse período de 20 anos, que intermediou as duas conferências, ocorreram diversos acidentes de proporções internacionais, que chamaram a atenção da comunidade internacional, para a necessidade de uma reflexão sobre o meio ambiente, principalmente sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas (GRANZIERA, 2011, p. 41).
Dentre eles, pode-se citar a título de exemplo, o acidente industrial provocado por uma empresa Suíça, em Seveso, na Itália, no ano de 1976. Neste acidente, tanques de armazenagem romperam, liberando TCDD[2]na atmosfera e atingindo a população local, no norte da Itália.
No ano de 1978, ocorreu o acidente com o satélite artificial soviético de telecomunicações Cosmos 924, que caiu em território canadense, despejando material radioativo. Neste mesmo ano, vale lembrar o desastre com o superpetroleiro Amoco Cádiz, de procedência do Golfo Pérsico, que despejou, em torno de 227.000 toneladas de óleo cru na costa bretã, França, criando uma maré negra que destruiu praias e vida marinha.
Quase 6 anos depois, foi a vez dos moradores da Vila Socó, em Cubatão, Brasil, sofrerem os efeitos de uma explosão decorrente do vazamento de gasolina em um dos oleodutos da empresa Petrobrás. Nesse mesmo ano, 1984, houve um acidente na cidade de Bhopal, na Índia, em que mais de 2.000 pessoas morreram e quase 200.000 ficaram cegas ou feridas, em razão do vazamento de gás tóxico por parte de uma fábrica de pesticidas.
Por fim, o ano de 1986, ficou marcado pela ocorrência de dois grandes desastres ambientais. O primeiro deles foi o acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em que resultou na dispersão de material radioativo a todo território daquela cidade e, também, aos países vizinhos. Já o segundo foi decorrente do incêndio de uma empresa química, na Suíça, que contaminou gravemente o Rio Reno, ameaçando o abastecimento de água potável da Alemanha e da Holanda.
Assim, frente a todos esses acontecimentos, já em 1983, preocupada com essa piora na qualidade do meio ambiente, a Assembleia-Geral da ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida pela então Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Os objetivos dessa Comissão eram:
1 – Propor estratégias ambientais de longo prazo para obter um desenvolvimento sustentável por volta do ano 2000 e daí em diante; 2 – recomendar linhas de ação para que a preocupação com o meio ambiente se traduza em maior cooperação entre países em desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social e leve á consecução de objetivos comuns ligados e interligados que considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento; 3 – considerar meios e maneiras pelos quais a comunidade internacional possa lidar mais eficientemente com as preocupações de cunho ambiental; e, ajudar a definir as noções comuns relativas a questões ambientais de longo prazo, os esforços necessários para tratar com êxito os problemas da proteção e da melhoria do meio ambiente, uma agenda de longo prazo a ser posta em prática nos próximos decênios e os objetivos a que aspira a comunidade internacional[3].
Após anos de discussões e debates, a Comissão, em 1987, entregou à Assembleia-Geral da ONU, um relatório denominado Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland, o qual afirmava a necessidade de entrar em uma nova era de crescimento econômico apoiado em práticas que conservassem e expandissem a base dos recursos ambientais.
Neste relatório, restou consagrada a ideia da sustentabilidade, ou seja, o desafio global de proteção ao meio ambiente não mais podia se dissociar das questões relativas ao desenvolvimento econômico e social. Por meio desse relatório, a expressão desenvolvimento sustentável restou assim conceituada[4]:
Em essencia, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, na direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.
De acordo com Granziera (2011, p. 44), o relatório teve o mérito “de explicar a opinião de pessoas de diversos países, que se manifestaram, em audiências públicas, sobre os mais variados temas relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento”.
Apoiada na ideia da sustentabilidade, em 1992, foi realizada a 2ª grande conferência em matéria ambiental, nos quadros da ONU, a chamada Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou “Cúpula da Terra” ou, também, ECO/92.
Nesta, compareceram 100 chefes de Estado, além de delegados, organizações intergovernamentais e representantes de organizações não governamentais, o que demonstra sua grandeza e importância. Seu objetivo era catalisar a cooperação internacional em prol de ações concretas para conciliar o desenvolvimento econômico, com a proteção ambiental, nos exatos termos do supracitado Relatório Brundtland.
Após calorosos debates, três documentos jurídicos foram aprovados, são eles: a Declaração do Rio, a Agenda 21 e a Declaração sobre Florestas. Além desses, duas convenções foram abertas à assinatura: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica.
A Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, assim como a Declaração de Estocolmo, é um texto que elencou diversos princípios do direito ambiental internacional. Os 27 princípios podem ser divididos em quatro grupos, de acordo com Costa (2010, p. 35):
a) aqueles que se referem às relações existentes entre a proteção ambiental e o meio ambiente, destacando-se a questão do desenvolvimento e do desenvolvimento sustentável; b) aqueles que estabelecem instrumentos ou determinam com maior precisão as medidas a serem adotas pelos Estados; c) aqueles que tratam particularmente de certos grupos sociais e de seu papel na proteção ambiental; d) aqueles que tratam notadamente das relações internacionais e do direito ambiental internacional.
No que tange à responsabilidade por danos ao meio ambiente, importante destacar o princípio descrito no artigo 13, da Convenção. Trata-se da regra do poluidor-pagador, por meio da qual, aquele que poluir deverá arcar com o prejuízo causado ao meio ambiente (MACHADO, 2012, p. 94).
O princípio em apreço possui ainda, um viés econômico, já que, conforme ensina a professora Granziera (2009, p. 64), “seu significado refere-se aos custos sociais externos que acompanham a atividade econômica que devem ser internalizados, isto é, devem ser considerados pelo empreendedor e computados no custo do produto final”.
Já a professora Simone Sebastião (2010, p. 210) lembra que, “malgrado não haja unanimidade (...), para a maioria da doutrina é princípio que envolve, que interliga, o Direito Econômico e o Direito Ambiental”.
Esse viés econômico, portanto, decorre da imposição ao causador do dano ambiental, da obrigação em arcar com os custos necessários à neutralização, diminuição ou até mesmo, a eliminação desse dano. Isso porque, como explica Sebastião (2010, p. 210), “o bem jurídico protegido é o meio ambiente, e o sujeito passivo, sofredor do dano, é toda a coletividade”.
Para enfrentar esse espírito econômico, é importante, por fim, explicar o que seria uma externalidade para a economia. De acordo com Sebastião (2010, p. 214):
Enquanto efeitos externos de uma dada atividade econômica, as externalidades verificam-se quando o preço de mercado de determinados bens não corresponde efetivamente aos reis custos de produção ou consumo, ou seja, quando não se consideram os custos sociais para tanto. Esses custos sociais, que nada mais são do que ‘efeitos sociais secundários’, tanto podem ser positivos, quanto negativos, conforme sejam favoráveis ou desfavoráveis para terceiros.
Assim, externalidade será negativa, no caso de gerar custos para os demais agentes, como por exemplo, quando uma fábrica polui o ar, afetando uma comunidade próxima. Pode ser positiva, quando os demais agentes, involuntariamente, se beneficiam, a exemplo dos investimentos governamentais em infraestrutura e equipamentos públicos.
Conforme restou demonstrado no exemplo acima, as externalidades ambientais acabam por resultar em externalidades negativas. Com a regra do poluidor – pagador, deverá haver a internalização das externalidades ambientais, ou seja, o causador da poluição é quem deve arcar com as despesas necessárias á diminuição, eliminação ou neutralização do dano ambiental.
O princípio do poluidor-pagador foi internalizado ao ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Constituição Federal de 1988, conforme disposto em seu artigo 225, §3º: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
A Lei 9.605/98 decorre deste preceito constitucional, regulamentando a responsabilidade penal das pessoas físicas e jurídicas pelos danos perpetrados em face do meio ambiente. A responsabilidade penal das empresas - uma novidade, até então, no ordenamento jurídico pátrio, foi disciplinada no artigo 4º desta lei e preceitua que poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica, sempre que esta personalidade constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
2. A responsabilidade penal ambiental
Com a internalização do princípio do poluidor-pagador, no §3º do artigo 225 da Constituição Federal, era necessária a regulamentação da responsabilidade penal em matéria ambiental, com vistas a determinar, taxativamente, as condutas consideradas lesivas ao meio ambiente e as sanções a serem aplicadas, haja vista a inexistência dessas previsões nas leis penais anteriores.
Assim, no ano de 1998, foi publicada a Lei 9.605, que dentre seus 82 artigos, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Apesar de haver previsão expressa sobre a responsabilização do poluidor nas esferas civil e administrativa, o âmbito penal, considerado a ultima ratio, também foi aprofundado para que a tutela do meio ambiente fosse ainda mais efetiva.
Nesses termos, conforme ensina Édis Milaré (2011, p. 1274), é certo que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, e, por este motivo, justifica-se a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema ratio.
De acordo com o supracitado autor, a responsabilidade criminal sobre o meio ambiente foi introduzida tardiamente – apenas em 1998, pois o panorama constitucional pós-88 permitia essa configuração. O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é objeto que justifica a preocupação do direito penal.
Ora, preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamente alterados. E as consequências desse processo são imprevisíveis (...). Por isso, arranhada estaria a dignidade do Direito Penal caso não acudisse a esse verdadeiro clamor social pela criminalização das condutas antiecológicas (MILARÈ, 2012, p. 1275).
Em resumo, percebe-se que o bem jurídico tutelado pelas normas penais, é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental descrito no caput do artigo 225 da Constituição Federal. Essa proteção é feita na concepção ampla sobre o meio ambiente, englobando desde a sadia qualidade do meio ambiente natural, até o meio ambiente cultural e artificial, conforme é possível verificar das condutas descritas como criminosas na redação da Lei 9.605/98.
Considerando que essa visão ampla sobre o meio ambiente denota particulares que precisam ser analisadas no caso a caso, verificando não só questões legais, como também questões técnicas, multidisciplinares, para tutelar de forma irrestrita os patrimônios ambientais e garantir a efetividade na proteção da qualidade ambiental, a Lei 9.605/98 se caracteriza pela presença de normas penais em branco, ou seja, utiliza-se de um preceito lacunoso, que necessitará de complementação de outros dispositivos legais.
A patente discussão doutrinária sobre a possibilidade de se utilizar de normas penais em branco. Se por um lado alguns autores, como os irmãos Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, coadunam com o entendimento de que a matéria ambiental depende de regulamentação casuística para abarcar o maior número de violações ao meio ambiente, por outro, tem-se o entendimento de outros, como Luís Paulo Sirvinskas, que entende que os crimes ambientais devem estar expressamente previstos, em respeito à regra da tipicidade.
Há exemplos ainda, de tipos penais abertos, na Lei 9.605/98. É o caso, por exemplo, do artigo 54, caput, que disciplina o crime de poluição. Esses tipos são descritos de forma genérica, já que, de acordo com FREITAS (2012, p. 38), “as condutas lesivas ao meio ambiente não permitem, na maioria das vezes, uma descrição direta e objetiva. Não é possível querer no crime ambiental, a simplicidade existente nos delitos comuns”.
Essas características das questões ambientais, que necessitaram de adequações nas normas criminais, trouxeram outra particularidade aos tipos penais. Trata-se da especificação de situações em que o agente é punido não pela lesividade ao bem jurídico ambiental, mas sim pela atuação sem portar a devida licença para tanto ou ter agido em descordo com sua redação. “Vale dizer que o agente é punido não por ter praticado o fato ou exercido tal ou qual atividade considerada danosa ao meio ambiente, mas sim por não ter obtido a autorização ou licença para tanto” (MILARÉ, 2012, p. 1283).
Por fim, destaca-se, também, que a lei de crimes ambientais utiliza-se dos chamados crimes de perigo, buscando proteger o meio ambiente de forma preventiva. Nesses casos, não se pune a conduta praticada e sim a mera probabilidade de dano, como, por exemplo, a previsão contida no artigo 54, §3º da Lei 9.605/98, por meio do qual, “incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível”.
Em que pese a plausibilidade dos argumentos favoráveis aos tipos penais em branco e aos tipos penais abertos, cuja existência permite tutelar de forma ampla o meio ambiente, é necessário destacar, neste ponto, que a previsão de tipos de perigo denotam um rigor penal não condizente com a sua natureza de ultima ratio. Isso porque, a prevenção e a precaução – princípios ambientais, já estão sendo resguardadas nos âmbitos administrativo e civil, de modo que ambos podem, em conjunto com as normas tributárias[5], incentivar a preservação do meio ambiente, desnecessitando de respostas criminas.
Ainda no que tange ao bem jurídico tutelado, é verifica-se que a lei de crimes ambientais capitulou os seguintes tipos penais: crimes contra a fauna (arts. 29 a 37), crimes contra a flora (arts. 38 a 53), crime de poluição (art. 54), crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65) e crimes contra a administração ambiental (arts. 66 a 69-A). Outras condutas ganharam tratamento específico, são elas: atividades mineradoras exercidas em desconformidade com os requerimentos ambientais (art. 55), a importação, exportação, produção, processamento, embalagem, armazenamento, comercialização, transporte, uso e descarte indevido de produtos ou substâncias tóxicas (art. 56), a construção, reforma, ampliação, instalação e funcionamento de estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem as devidas licenças ou autorizações dos órgãos ambientais (art. 60) e a disseminação de doença ou prazo ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas (art. 61).
As sanções penais aplicáveis às pessoas físicas, compreendem penas privativas de liberdade, penas restritivas de direito e penas de multa. Já para as pessoas jurídicas aplicam-se apenas as penas de multa e restritivas de direito. Na dosimetria dessas sanções penais, a Lei 9.605/98 preceitua determinadas circunstâncias atenuantes (art. 14) e determinadas circunstâncias agravantes (art. 15). Há, ainda, as causas de aumento de pena, descritas no artigo 58 do diploma legal.
São circunstâncias que atenuam a pena, de acordo com o artigo 14 da Lei 9.605/98, 1) baixo grau de instrução ou escolaridade do agente; 2) arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada; 3) comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental e 4) colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
São circunstâncias que agravam a pena, de acordo com o artigo 15 da Lei 9.605/98, 1) reincidência nos crimes de natureza ambiental; 2) ter o agente cometido a infração: a) para obter vantagem pecuniária; b) coagindo outrem para a execução material da infração; c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente; d) concorrendo para danos à propriedade alheia; e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime especial de uso; f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos; g) em período de defeso à fauna; h) em domingos ou feriados; i) à noite; j) em épocas de seca ou inundações; l) no interior do espaço territorial especialmente protegido; m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais; n) mediante fraude ou abuso de confiança; o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental; p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por incentivos fiscais; q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades competentes; r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.
Por fim, são causas de aumento de pena, de acordo com o artigo 58 da Lei 9.605/98, 1) de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; 2) de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem; 3) até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Antes de ingressar especificamente na responsabilidade das pessoas jurídicas, mister ressaltar a discussão jurisprudencial sobre a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais. De acordo com Frederico Amado (2013, p. 583), a regra da insignificância ou também chamada de bagatela, tem o condão “de excluir a tipicidade material da conduta formalmente descrita como infração penal, em razão da inexpressiva lesão a bem juridicamente tutelado por norma penal”.
O Superior Tribunal de Justiça tem aceitado a aplicação do princípio da bagatela nos crimes ambientais, principalmente nas situações em que a pequena quantidade de espécies animais envolvidos não justifica um risco efetivo ao ecossistema daquela localidade. Bons exemplos podem ser encontrados no HC 112.840 e no HC 72.234.
Por outro lado, o STJ já afastou a sua aplicação em outras situações, como no caso do HC 192.696, em que se entendeu pela manutenção da pena, em razão de pesca realizada com petrechos não permitidos, em época de pesca proibida (época de reprodução das espécies).
Deste último julgamento, é possível auferir ainda quais são os requisitos necessários para a incidência do princípio da insignificância, são eles: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como a inexpressividade da lesão jurídica causada.
Sobre o assunto, importante destacar a opinião de Milaré (2011, p. 1304):
No campo do Direito Penal Ambiental, obviamente, tal princípio deve ser aplicado com parcimônia, uma vez que não basta a análise isolada do comportamento do agente, como medida para se avaliar a extensão da lesão produzida; é preciso levar em consideração os efeitos das agressões infligidas ao ambiente que, por suas propriedades cumulativas e sinérgicas, podem interferir negativamente no tênue equilíbrio ecológico.
Por último, quanto ao elemento subjetivo da responsabilidade penal, importante destacar que a culpabilidade do agente é que caracteriza a sua responsabilidade, podendo, os crimes ambientais, serem auferidos por dolo ou culpa do agente.
Conforme descrito nos artigos 2º e 3º da Lei 9.605/98, o sujeito ativo (infrator) dos crimes ambientais podem ser tanto as pessoas físicas, quanto as pessoas jurídicas envolvidas na conduta lesiva aos bens ambientais. O artigo 4º, por sua vez, traz hipótese de redirecionamento da ação penal, pela desconsideração da pessoa jurídica, em face das pessoas físicas, quando a personalidade da empresa constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
O sujeito passivo, por sua vez, se materializa na figura do detentor do bem jurídico que a conduta delituosa lesou ou ameaçou. Ao analisar o artigo 225 da Constituição Federal, é possível constatar que a coletividade sempre será o titular do meio ambiente. Como explica FREITAS (2012, p. 48), “uma vez que o bem jurídico-ambiental, regra geral, não pertence a uma pessoa ou a pessoas determinadas, sujeito passivo é toda a coletividade, que se vê prejudicada pela degradação ambiental”.