8. A INFLUÊNCIA DA EXONERAÇÃO FISCAL NO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DO PARÁ NA LEI KANDIR
A concessão de incentivos fiscais e financeiros foi um fator indispensável à consolidação da indústria de mineração na região amazônica, incluindo o Pará. Políticas desencadeadas pelo governo federal como parte da estratégia de desenvolvimento regional, e as direcionadas especificamente ao setor mineral, voltaram-se em grande medida para essa questão.
Os incentivos sempre foram vistos como necessários à redução dos custos de implantação desses empreendimentos em uma região periférica. Sua concessão permitiria (como permitiu) a compatibilização dos interesses do governo brasileiro em fomentar indústrias desse ramo na região com os interesses do capital (muitas vezes estrangeiro) em viabilizar a exploração dos bens minerais existentes em abundância. Isso ganhou mais importância localmente quando os governos dos Estados do Pará e do Maranhão se associaram a essa estratégia, induzidos pela política federal.
Nas décadas de 1970 e 1980, os incentivos concedidos procuraram fomentar e viabilizar a implantação de empreendimentos industriais, buscando dar a eles um tratamento especial, do qual se beneficiaram na sua totalidade os empreendimentos minerais. Incentivos foram concedidos pela SUDAM (isenção/redução de IR, II, IPI; financiamento do FINAM), pelo PGC (isenção de IR, II, IPI; apoio financeiro), pelo BEFIEX (isenção de II e IPI para importação de bens de capital e insumos para exportação, como no caso da Albrás). O governo do Pará também concedeu diferimento no pagamento do ICMS (ex: Alunorte).
No final dessa primeira etapa, o governo paraense criou a Lei Estadual n.º 5.530, de 13 de janeiro de 1989, que disciplinava o ICMS no Estado e isentava de seu pagamento as operações de envio de produtos industrializados ao exterior (excluídos os semielaborados), mantendo a não cumulatividade. Essa iniciativa merece destaque por dois motivos: primeiro, porque não concedia benefício fiscal direto aos empreendimentos minerais focados na exportação de semielaborados, talvez como estratégia (sem sucesso) para pressionar a verticalização produtiva no Estado; segundo, porque sua posterior reformulação nos anos 90, alinhada à Lei Kandir, representou uma mudança na política de incentivos.
Além desses incentivos diretos, merecem destaque outras ações do governo federal (via PGC) que criaram benefícios indiretos para os empreendimentos minerais na região: financiamento de obras de infraestrutura de transporte (Estrada de Ferro Carajás-Ponta da Madeira, portos), de energia (UHE Tucuruí), e implantação de núcleos urbanos e distritos industriais.
A Lei Complementar n.º 87/96 foi aprovada no Congresso Nacional por iniciativa do governo federal, com apoio das unidades federativas. Seu objetivo era constituir-se em instrumento de política econômica para reduzir o “custo Brasil”, desonerando a cobrança do ICMS sobre exportações de primários, semielaborados e serviços, e sobre operações interestaduais de energia e combustíveis destinados à industrialização ou comercialização.
No caso do Pará, argumenta-se que os objetivos da Lei Kandir não foram plenamente alcançados em termos de atração de novos empreendimentos ou expansão significativa da produção causada pela desoneração. A produção de minério de ferro expandiu, mas seguindo uma tendência; a de manganês evoluiu, mas talvez por outros fatores; a de ferro-gusa teve expansão, mas já crescia antes; a de caulim evoluiu significativamente; e a de silício retraiu. Pelo que se percebe, a desoneração do ICMS não foi o fator determinante (ou único) na expansão da produção desses minérios. Os efeitos imediatos parecem ter se concentrado mais na ampliação da lucratividade desses empreendimentos do que na expansão da produção decorrente da redução de custos tributários. Independentemente dessa questão, o Pará ampliou sua contribuição para a geração de saldos na balança comercial brasileira, sendo as importações do Estado largamente superadas pelas exportações.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos objetivos principais na criação da Lei Kandir foi fomentar a economia do Brasil, deixando o valor das exportações (especialmente de commodities) mais competitivo no mercado internacional. O governo federal exonerava o ICMS estadual sobre essas operações, mas se comprometia a compensar essa perda de receita.
Nos primeiros anos da Lei Kandir, a desoneração e a compensação pareciam formar um arranjo funcional, e o estímulo à economia exportadora ocorreu. Mas, com o passar dos anos, essa relação desgastou-se. A compensação foi sendo atrasada, reduzida ou calculada por critérios contestados, e, consequentemente, a Lei Kandir deixou de ser cumprida em seu espírito original (compensação integral).
Pelo que se percebe, a elaboração da Lei não levou em consideração profunda a opinião e os impactos sobre os Estados exportadores de produtos primários e semielaborados, os maiores afetados pela desoneração. O Pará exporta anualmente milhões de toneladas de bauxita (sendo um dos maiores produtores mundiais), além de outros minérios e produtos primários.
Sendo um dos maiores exportadores de minério do Brasil e tendo o ICMS como uma de suas maiores fontes de receita própria, a desoneração fiscal impactou diretamente a capacidade financeira e o desenvolvimento do Estado. Essa situação afetou também o equilíbrio do Pacto Federativo, que tem como objetivo manter a estabilidade socioeconômica e financeira entre os Estados da Federação, diminuindo as desigualdades regionais.
O não cumprimento integral da compensação prevista na Lei Kandir causou ao Estado do Pará uma perda estimada superior a R$ 21,5 bilhões, valor esse que poderia estar sendo investido em educação, saúde, infraestrutura e na implementação de políticas públicas para a aceleração do desenvolvimento do estado, dentre outros.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. DIREITO TRIBUTÁRIO ESQUEMATIZADO. 4. Ed. Rio de Janeiro. Forense. São Paulo. Método. 2010.
BALEEIRO, Aliomar. DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. 11ª ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro. Forense. 2007.
KUME, Honório & PIANI, Guida. O ICMS sobre as exportações brasileiras: uma estimativa da perda fiscal e do impacto sobre as vendas externas. Rio de Janeiro: IPEA, 1997. (Texto para Discussão, n. 465).
MEDEIROS NETTO, João da Silva. Ressarcimento da Lei Kandir e a Medida Provisória nº 1816/99. Estudo técnico. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Mimeo. Brasília, 1999.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo, Malheiros, 2012.
PELLEGRINI, Josué Alfredo. Dez Anos da Compensação Prevista na Lei Kandir: conflito insolúvel entre os entes federados? Brasília: ESAF, 2006.
SOUZA, Marcos Tadeu Napoleão de. A Lei Complementar nº 87 e a isenção de ICMS. Estudo técnico. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Mimeo. Brasília, 1997.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pa> Acesso em: 01/06/2013
PORTAL PLANALTO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 16/06/2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Disponível em: <https://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/download/82/349>. Acesso em: 17/06/2013
AC 24 HORAS. Disponível em: <https://www.ac24horas.com/2013/03/12/jorge-viana-debate-pacto-federativo/> Acesso em: 17/06/2013
BRASIL ESCOLA. Disponível em: <https://www.brasilescola.com/brasil/principais-minerios-brasileiros.htm> Acesso em: 19/06/2013
Abstract: Drawing on an analysis of news reports and official data regarding the losses resulting from the taxation system established by the Kandir Law (Complementary Law 87/96), this article aims to clarify how the ICMS (State VAT) exemption on exports influenced the development of the State of Pará. The data used derive from research conducted by the State Court of Accounts of Pará (TCE-PA) and are correlated with information from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The analyzed figures provide insight into the financial challenges faced by the country's second-largest state as a consequence of this legislation.
Keywords: Kandir Law; ICMS; Compensation; Regional Development; Pará; Fiscal Federalism.