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Das isenções do IPVA da lei paulista:

um cotejo com isenções de leis de outros Estados

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03/09/2014 às 15:15
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Por implicar renúncia à receita de determinado tributo, a isenção é exceção à regra da universalidade da tributação, decorrência do princípio da igualdade. Só não haverá afronta à Constituição se a regra de isenção for posta para preservar o "mínimo vital" ou para realizar valor constitucional que se sobrepõe à isonomia tributária.

Resumo: Embora o Código Tributário Nacional classifique isenção como hipótese de exclusão do crédito tributário, hoje é pacífico na doutrina que isenção é caso de não-incidência da regra-matriz do tributo, o que significa que o crédito tributário não deve ser constituído. De acordo com lição de Paulo de Barros Carvalho, a norma de isenção, que é de estrutura, subtrai parte de critério do antecedente ou do consequente da regra-matriz tributária, de sorte que o agente credenciado pelo sistema do direito positivo não tem como fazer incidir essa regra-matriz sobre evento que seria normalmente tributado na ausência da norma de isenção. Veremos que regra de isenção do IPVA da lei paulista pode ser classificada em: fiscal ou técnica, quando destinada a excluir da tributação o "mínimo vital"; política ou extrafiscal, quando visa implementar outro objetivo constitucional; criada para que seja observada regra de isenção de convenção internacional de que a República Federativa do Brasil é parte; resultante de pressão de classe profissional exercida sobre o legislador ordinário. Sempre que adequado, regra de isenção da lei paulista será comparada com regras de leis de outros Estados. Por fim, analisaremos a denominada “dispensa de pagamento” do IPVA, exoneração tributária não mencionada na doutrina, mas que pode ser entendida como não-incidência da regra-matriz do IPVA: pura e simples ou decorrente de regra (de isenção) prevista em lei ordinária.

Palavras-chave: IPVA; isenção: condições e requisitos para sua concessão; isenção: fiscal, extrafiscal; capacidade contributiva; mínimo vital; isenções: objetivas, subjetivas, mistas; isenção: baixa, anulação; dispensa de pagamento do imposto por: furto, roubo, outra causa; descaracterização: do domínio, da posse.


1.    Das isenções

Dispõem o inc. VI do art. 97, o inc. I do art. 175, o caput do art. 176 e o caput do art. 179, todos do Código Tributário Nacional (CTN):

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

( . . . )

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

 . . . ”.

“Art. 175. Excluem o crédito tributário:

I – a isenção;

 . . . “.

“Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

 . . . ”.

“Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.

 . . . ” (grifamos).

De acordo com o inc. I do art. 175 do CTN, isenção exclui o crédito tributário. Era o entendimento prevalecente na época em que o Código foi editado. Por excluir o crédito tributário, isenção é matéria de lei, segundo a regra do inc. VI do art. 97 do CTN. A assertiva é confirmada pela norma do caput do art. 176 do CTN.

O § 6º do art. 150 da Constituição Federal (CF)[1] dispõe que isenção relativa a impostos, taxas ou contribuições só poderá ser concedida mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente a isenção ou o correspondente tributo ou contribuição. Da mesma forma que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (inc. I do art. 150 da CF), não podem essas pessoas políticas de direito público interno conceder isenção sem lei específica, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF.[2] Por tais razões é que, com muita propriedade, ensina José Souto Maior Borges (1980, p. 2):

“Assim como existem limitações constitucionais ao poder de tributar, há limites que não podem ser transpostos pelo poder de isentar, porquanto ambos não passam de verso e reverso da mesma medalha."

Como a lei não contém palavras inúteis, conclui-se que, no caput do art. 176, o legislador não usou “condições” e “requisitos” como sinônimas. O texto do caput do art. 179 do CTN reforça o fato de referidas palavras não terem o mesmo sentido, ao se referir à prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei. No entanto, ao comentar os artigos 176 e 179 do CTN, os autores não distinguem uma palavra da outra.

Entendemos “condições” como situações de fato ou de direito, previstas na lei de isenção, que devem estar materializadas (preenchidas) antes de ocorrer o evento que seria tributado na ausência da norma de isenção, enquanto “requisitos” como exigências de interesse da Administração, que o sujeito passivo deve cumprir para obter isenção não concedida em caráter geral.

Exemplo de situação de fato é o requerente ser portador de deficiência física apto a dirigir veículo a ele adequado (condição prevista no inc. III do art. 13 da Lei 13.296/2008).[3] Exemplo de situação de direito é o motorista profissional autônomo ser proprietário de um único veículo utilizado no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi) (condição prevista no inc. IV do art. 13 da lei).

O interessado cumpre “requisito” quando:

a)    apresenta documento que comprova o preenchimento de “condição”; p. ex., o deficiente físico comprova sua condição mediante cópia do laudo de perícia médica fornecido exclusivamente pelo DETRAN, com especificação do tipo de defeito físico e do tipo de veículo que ele pode conduzir (alínea “a” do inc. VII do art. 3º da Portaria CAT 56/1996);[4]

b)    pratica ato que preenche ou perfaz “condição”, como o deficiente físico que, ao requerer isenção do IPVA de veículo novo por ele adquirido, ou após esse requerimento, apresenta cópia da nota fiscal referente às adaptações realizadas no veículo por empresa especializada, quando tais adaptações não forem efetuadas pelo próprio fabricante do veículo (alínea “c” do inc. VII do art. 3º da Portaria CAT 56/1996);

c)    se abstém de praticar ato que vai de encontro à finalidade da isenção, como o taxista que adquiriu veículo novo com isenção do ICMS (nos termos do disposto no art. 88 do Anexo I – Isenções – do RICMS/2000) aliená-lo antes do transcurso dos primeiros dois anos, sem autorização do fisco (conforme se depreende do disposto na alínea “b” do item 1 do § 2º do art. 88 do Anexo I);

d)    requer a isenção do tributo no prazo previsto em lei, ou seja, antes de iniciado o prazo para o agente credenciado pelo sistema por no ordenamento jurídico norma individual e concreta de lançamento do tributo.

Condições para a concessão de isenção do IPVA de veículo automotor estão descritas nos oito incisos do art. 13 da Lei 13.296/2008. Antes da edição dessa lei, as condições constavam dos dez incisos do art. 9º da Lei 6.606/1989.[5] Durante a vigência desta lei, “condições” e “requisitos” estavam prescritos nos incisos I a VII do artigo 3º da Portaria CAT 56/1996. Atualmente, o Decreto 59.953, de 13/12/2013,[6] regulamenta a isenção do IPVA. No entanto, além de não regular toda a matéria, o decreto refere-se a casos em que a isenção poderá ser concedida com base nos dados constantes do Cadastro de Contribuintes do IPVA. Como esse Cadastro ainda não foi implantado, pode-se aplicar regra da citada portaria que não seja incompatível com norma da Lei 13.296/2008 ou do decreto.


2.    Da natureza tributária da isenção

De acordo com lição de Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 523-525), norma de isenção é de estrutura, assim entendida a que regula a produção de outras normas, a expulsão de norma do sistema e a modificação de regras existentes no sistema. De acordo com o emérito Autor, ao investir contra um ou mais critérios do antecedente ou do consequente da norma jurídica tributária (que é norma de comportamento), a norma de isenção mutila-os parcialmente, de modo que a autoridade administrativa não tem como fazer incidir a regra-matriz sobre evento que seria tributado na ausência da norma de isenção. Isso porque o antecedente da norma de isenção é o fato da existência da regra-matriz de incidência do tributo no ordenamento em vigor, enquanto o consequente é o comando para que, do critério do antecedente ou do consequente da regra-matriz, seja subtraída parte que corresponde à situação contemplada pela norma de isenção.

Se essa situação:

a)    desqualificar o verbo do critério material, ele sofrerá mutação semântica, para não caracterizar o suposto da norma de incidência, de modo que, do conjunto de fatos passíveis de inclusão naquele critério, será subtraído o subconjunto de eventos relatados por aquele verbo e por seu complemento;

b)    referir-se a subclasse de complementos do verbo do critério material, do conjunto de fatos passíveis de inclusão no critério será subtraído o subconjunto de eventos relatados pelo verbo e por complemento daquela subclasse;

c)    referir-se a eventos que ocorrerem em determinada área, esta será a parcela de território subtraída do critério espacial;

d)    referir-se a eventos que ocorrerem em determinadas condições no exato momento que a lei prevê como critério temporal, o subconjunto dos relatos desses eventos será a parcela subtraída do conjunto de fatos que poderiam ser subsumidos ao fato previsto na hipótese da regra-matriz de incidência;[7]

e)    referir-se a sujeitos com determinadas características, o subconjunto por eles formado será a parcela subtraída do critério pessoal do consequente, no tópico sujeito passivo;

f)     fixar a base de cálculo ou a alíquota igual a zero para determinados fatos, haverá a supressão do objeto (prestação pecuniária) para o subconjunto daqueles fatos.

Não pode haver supressão total do critério, pois, nesse caso, a regra-matriz não mais poderia ser incidida e assim produzir efeitos jurídicos. O que a regra de isenção faz “é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente” (CARVALHO, 2008, p. 525).


3.    Das isenções fiscais em face do princípio da isonomia

Dispõe o inc. II do art. 150 da CF, que, "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos". É o princípio da isonomia tributária, que veda a tributação desigual de contribuintes que estejam em situação equivalente. É a face negativa da isonomia, que veda o arbítrio (WEICHERT, 2000, p. 247).

No entanto, não basta a isonomia formal ou a vedação do arbítrio: é preciso que atue a face positiva da isonomia, que "exige que se desiguale situações distintas, mediante critérios razoáveis e proporcionais, como meio de alcançar a igualdade real” (WEICHERT, 2000, p. 247). Dispõe o § 1º do art. 145 da CF: "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte". É o princípio da capacidade contributiva. Somente com a conjugação dos dois preceitos é que se alcança a isonomia real.

Segundo Weichert (2000, p. 248), os impostos pessoais[8] sempre permitem a graduação segundo a capacidade econômica. É o caso apenas do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer Natureza, pois o IPI, o ICMS, o ISSQN e os impostos sobre a propriedade (IPTU, ITR e IPVA) são impostos reais.[9] No entanto, quando o bem tributado for forte indicador de riqueza (como o veículo automotor), o imposto real permite a graduação segundo a capacidade econômica.

Ante o exposto:

“o legislador não é livre para desigualar contribuintes com capacidades econômicas equivalentes ou igualar contribuintes com capacidades distintas, exceto quando a própria natureza do tributo não o permita (hipótese em que opera plenamente apenas a isonomia-vedação do arbítrio, mas não a isonomia-capacidade contributiva)”.

"Ora, é justamente nesse contexto que são recebidas as isenções tributárias. A isenção, como se sabe – e indiferentemente da natureza jurídica que se lhe atribua –, implica renúncia pelo Estado à receita de determinado tributo. Trata-se, pois, de uma exceção à regra da universalidade da tributação, corolário da igualdade" (WEICHERT, 2000, p. 250).

[...]

"Sempre que se concede a uma pessoa ou a um grupo de pessoas benefício fiscal, o ônus do tributo não pago é assumido pelo restante da sociedade. Todos os demais contribuintes deverão, pois, pagar tributos mais elevados para compensar o que deixou de ser arrecadado em função de isenção concedida".

"E, se o benefício não encontrar sólido fundamento, que justifique adequadamente essa desigualação, o Estado estará discriminando todos os demais cidadãos".

"A regra, portanto, é que a concessão de isenção atenta contra a igualdade e, com isso, afronta a Constituição. No entanto, se ela for fruto da ponderação de outros valores constitucionais, será admitida, sobrepondo-se à isonomia tributária fundamentada na divisão dos encargos do Estado conforme a capacidade econômica" (WEICHERT, 2000, p. 251).

Conforme se vê, Weichert está entre os que asseveram ser a extrafiscalidade[10] uma exceção ao princípio da capacidade contributiva. Esse é também o entendimento de Tipke e Yamashita (2002, p. 39):

"Em todos os lugares do mundo certamente encontram-se normas extrafiscais (intervencionistas, dirigistas, regulatórias, instrumentais) em leis tributárias. Elas violam o princípio da capacidade contributiva, especialmente por motivos de política econômica, cultural, sanitária, ambiental. A maioria dessas normas beneficia grupos específicos de contribuintes; por isso são chamadas de incentivos fiscais ou subvenções fiscais".

Costa (2012, p. 76), porém, filia-se aos que entendem ser possível conciliar a atuação extrafiscal com a observância ao princípio da capacidade contributiva. No entanto, a Autora reconhece que a incidência do princípio da capacidade contributiva na tributação extrafiscal é atenuada pela perseguição de outros objetivos.

Isenção do "mínimo vital" (ou "mínimo existencial") e princípio da capacidade contributiva são conceitos jurídicos que se relacionam ou pode aquela isenção prescindir da existência deste princípio? Vejamos alguns entendimentos:

"A isenção do 'mínimo vital' é inseparável do princípio da capacidade contributiva" (Sainz de Bujanda, in "Hacienda Y Derecho, v. III, p. 197, apud Costa (2012, p. 71). "Isto porque a capacidade contributiva só pode reputar-se existente quando se aferir alguma riqueza acima do 'mínimo vital'. Este deve ser, pois, intocável" (COSTA, 2012, p. 71).

"O princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da dignidade humana e do princípio do Estado Social" (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 34).

"A proteção ao mínimo existencial, que, apesar de também ser alcançada por meio do princípio da capacidade contributiva, antecede qualquer consideração sobre a existência dessa capacidade. É corolário de um dos fundamentos do Estado brasileiro: a dignidade da pessoa humana (artigos 1°, III e 3°, III", da CF)[11] (WEICHERT, 2000, p. 252).

Todos os autores concordam quanto à primeira proposição. No que concerne à segunda, o primeiro autor (Sainz de Bujanda) não se refere à dignidade humana.

De acordo com Ricardo Lobo Torres ("Os direitos humanos e a tributação - imunidades e isonomia". Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 276), apud Weichert (2000, p. 251):

"O Estado ofende a liberdade relativa do cidadão e o princípio da isonomia quando cria, na via legislativa, administrativa ou judicial, desigualdades fiscais infundadas, através dos privilégios odiosos ou das discriminações".

Ante o exposto, Weichert (2000, p. 251) fixa os seguintes critérios para a identificação da juridicidade da isenção: a) ter fundamento na proteção de um valor econômico ou social consagrado constitucionalmente; b) haver pertinência lógica entre a isenção concedida e o fundamento da concessão; c) haver proporcionalidade entre a isenção e o bem jurídico que ela visa garantir.


4.    Das isenções previstas na lei do IPVA

Foi adequada a redação do caput do art. 13 da Lei do IPVA ao dispor que “é isenta do IPVA a propriedade” dos veículos descritos em cada um de seus 8 (oito) incisos. Com efeito, o que é isenta do IPVA é a relação de propriedade e não o veículo de que se é proprietário. Por exemplo, veículo de propriedade de Embaixada perderá a isenção do IPVA se for alienado a pessoa natural ou jurídica não contemplada por norma de isenção do imposto.

4.1.    Máquinas utilizadas essencialmente para fins agrícolas

O inc. I do art. 13 dispõe ser isenta do IPVA a propriedade de “máquinas utilizadas essencialmente para fins agrícolas”.

Máquinas utilizadas na agricultura são veículos terrestres que se locomovem por meios próprios. Algumas podem até circular em vias públicas ou em estradas de rodagem. É o que ocorre quando operador de trator agrícola o conduz de uma propriedade rural para outra próxima. Na maioria das vezes, porém, essas máquinas são transportadas por caminhões ou por carretas por estes rebocadas.

Conforme observa Mamede (2002, p.125):

... possuem na autolocomoção apenas um elemento acessório de sua principal razão de ser; não são propriamente veículos motorizados com a finalidade de locomoção e/ou transporte, mas máquinas utilitárias que dispõem de mecanismos de autolocomoção como forma de otimizar os resultados de sua atuação, [...], pretender incluí-las no conceito de veículo automotor é valorizar um elemento acidental e desprezar seu elemento essencial.

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Do conjunto de fatos típicos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA (“ser proprietário de veículo automotor”, assim entendido o veículo terrestre que se locomove por força própria), a regra de isenção subtrai o subconjunto de fatos “ser proprietário de máquinas utilizadas essencialmente para fins agrícolas”, pois essas máquinas não se destinam ao transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para esse transporte. A expressão “veículo automotor” sofre, portanto, restrição semântica, que equivale à mutilação do complemento do verbo do critério material.

O Anexo I (Dos Conceitos e Definições) do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23/09/1997) apresenta a seguinte definição:

“VEÍCULO AUTOMOTOR – todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).”

Trata-se de isenção objetiva, porquanto concedida a veículo que, apesar de ter mecanismo de propulsão própria, não se enquadra na definição de “veiculo automotor” dada pelo Código de Trânsito Brasileiro.

4.2.    Veículo ferroviário

“É isenta do IPVA a propriedade de veículo ferroviário” (inc. II do art. 13).

Por veículo ferroviário, o legislador está se referindo à locomotiva, que possui mecanismo de autopropulsão. Por serem rebocados pela locomotiva, os vagões da composição ferroviária não estão no campo de incidência do IPVA.

A finalidade da isenção é reduzir o custo dos serviços de transporte de passageiros ou de cargas. Não se pode dizer que empresa ferroviária não tem capacidade de contribuir. Cuida-se, portanto, de isenção política ou extrafiscal, cujo fim é proteger o consumidor. De fato, com a isenção, o legislador visou reduzir o preço da passagem de trem ou do frete ferroviário. Aumento no custo do frete implicaria elevação no preço de mercadorias ou bens transportados, onerando o consumidor. A defesa do consumidor é princípio a ser observado na defesa da ordem econômica, conforme dispõe o inciso V do art. 170 da CF, transcrito a seguir:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

( . . . )

V - defesa do consumidor;

 . . . ”.

Ao criar condição para que sejam reduzidos os preços da passagem ou do frete de mercadorias ou bens transportados por ferrovia, a isenção colabora para que o salário mínimo fixado em lei atenda a necessidades vitais básicas de trabalhadores urbanos e rurais e às de sua família, previstas no inc. IV do art. 7º da CF, abaixo transcrito:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

( . . . )

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

 . . . ” (grifamos).

Do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de locomotivas. A mutilação, portanto, é no complemento do verbo do critério material.

Trata-se de isenção objetiva, visto que concedida em função da natureza do objeto de que o sujeito é proprietário. Com efeito, de acordo com o texto legal, a relação de propriedade será isenta, mesmo que a locomotiva não esteja sendo utilizada no transporte de passageiros ou cargas.

4.3.    Veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física

O inc. III do art. 13 da lei prevê isenção do IPVA na propriedade de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física. A regra não exige que a propriedade do veículo automotor seja da pessoa com deficiência física, mas sim que esta possa conduzir veículo a ela adequado.[12]

A regra de isenção não foi posta para atender ao princípio da capacidade contributiva. De fato, a capacidade contributiva de pessoa com deficiência física não é necessariamente menor do que a de pessoa sem deficiência ou a correspondente ao “mínimo vital”. A regra de isenção visa dar eficácia a normas constitucionais programáticas,[13] destinadas à proteção e à inclusão social da pessoa com deficiência física. Trata-se, portanto, de isenção política ou extrafiscal.

Essas normas constitucionais estão nos artigos: 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 40, § 4º, I; 201, § 1º; 203, IV e V; 208, III; 227, § 1º, II e § 2º; e 244.

Dentre essas normas, destacamos a do inc. XIV do art. 24 da CF, que dispõe competir “à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”.

A condição de a isenção ser para 1 (um) único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física tem por fim assegurar a proporcionalidade entre a isenção e o bem jurídico por ela alcançado. Se fosse concedida para mais de um veículo, a isenção transformar-se-ia em benefício exagerado ou privilégio, o que não se pode admitir. No entanto, como adverte Leal (2013, p. 10), diferentemente da isenção do ICMS na aquisição de veículo novo, cujo preço não pode ser superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais),[14] não há valor máximo fixado para a isenção do IPVA. Por isso, não é raro constatar deficiente físico com isenção de IPVA de veículo importado, de elevado valor de mercado, em flagrante desrespeito ao princípio da capacidade contributiva. Para que haja pertinência lógica entre a isenção concedida e o fundamento que lhe dá causa, não pode a regra beneficiar economicamente deficiente físico (critério subjetivo) possuidor de veículo que faz presumir ter ele significativa capacidade contributiva.

Do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de veículos adequados para serem conduzidos por pessoas com deficiência física. A mutilação é no complemento do verbo do critério material.

Entendemos ser mista a isenção ora analisada, visto que concedida em função do evento tributário (relação de propriedade de veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física) e de o beneficiário da isenção (condutor do veículo) ser pessoa com deficiência física.

Tal como ocorre com a isenção do IPVA, a do ICMS era na saída interna ou interestadual de veículo automotor novo com características específicas para ser dirigido por motorista portador de deficiência física, desde que a respectiva operação fosse amparada por isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI (art. 19 do Anexo I do RICMS/2000, na redação dada ao artigo pelo Decreto 51.639, de 12/03/2007 - Convênio ICMS-3/2007). No entanto, com a edição do Convênio ICMS-38/2012, a isenção do ICMS passou a ser na "saída interna e interestadual de veículo automotor novo adquirido, diretamente ou por meio de representante legal, por pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista" (art. 19 do Anexo I do RICMS/2000, na redação dada ao artigo pelo Decreto 58.897, de 20/02/2013).

Conforme se vê, a lei do IPVA do Estado de São Paulo beneficia apenas a pessoa com deficiência física em condições de conduzir veículo a ela adequado. Não exigem que a pessoa com deficiência física possa conduzir o veículo nem que este seja especialmente adaptado para uso dessa pessoa os Estados de Santa Catarina,[15] Paraná,[16] Tocantins,[17] Espírito Santo,[18] Pernambuco,[19] Paraíba[20] e Ceará,[21] e o Distrito Federal.[22] No entanto, em razão da isenção do ICMS na aquisição de veículo novo para uso de pessoa com deficiência física sem condições de dirigir, é bem provável que a lei do IPVA paulista venha a conceder isenção de IPVA de veículo para ser usado por pessoa com deficiência física, mesmo que ela não possa dirigir o veículo.

No Estado de São Paulo, foram julgados procedentes vários mandados de segurança impetrados em face de Chefes de Postos Fiscais, em que se pleiteou isenção do IPVA de veículo utilizado por pessoa portadora de deficiência física sem condições de dirigir o veículo. Exame da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo[23] mostra equilíbrio entre julgados em que a regra de isenção foi aplicada apenas a veículo adequado para ser dirigido por pessoa com deficiência física e julgados em que a regra foi estendida a veículo para uso de deficiente físico sem condições de dirigi-lo.

Na Apelação 990.10.027666-2, relativa a mandado de segurança impetrado contra ato de Chefe de Posto Fiscal que indeferiu pedido de concessão de isenção do ICMS na aquisição de veículo novo para ser utilizado por pessoa natural portadora de deficiência mental severa, foi dado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, mediante interpretação especificadora (o sentido da norma cabe na letra do seu enunciado) à regra de isenção. Na decisão entendeu-se que:

a)     não obstante a existência de isenção do IPI na aquisição de automóvel de passageiros de fabricação nacional por pessoa com deficiência física, condutora ou não, é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (inc. III do art. 151 da CF);

b)     a condição para isenção do IPVA (de o veículo ser conduzido por pessoa com deficiência física) é a mesma para a isenção do ICMS na aquisição de veículo novo, mas, neste caso, somente a lei complementar poderá regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (al. “g” do inc. XII do § 2º do art. 155 da CF);

c)     o inc. II do art. 111 do CTN prevê deva ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção;

d)     a ampliação do benefício geraria fraudes, pois seria inviável ao fisco verificar se veículo sem adaptação especial, conduzido por pessoa capaz, está sendo usado exclusiva ou predominantemente para transportar o deficiente físico.

Na Apelação 990.10.237791-1, relativa a mandado de segurança impetrado contra ato do Chefe do Núcleo de Informações de Posto Fiscal que indeferiu pedido de concessão de isenção do IPVA na aquisição de veículo para ser utilizado por menor, portadora de deficiência física e mental, de caráter grave e definitivo, foi dado provimento ao recurso da impetrante, mediante interpretação extensiva (amplia o sentido da norma para além do contido na sua letra) à regra de isenção. Na decisão entendeu-se que:

a)     o objetivo da isenção é a inclusão da pessoa com deficiência, garantindo-lhe dignidade, cidadania e liberdade de ir e vir;

b)     a isenção do imposto não visa compensar eventual ônus na adaptação do veículo adquirido;

c)     regra de isenção não pode ser interpretada de forma literal conforme dispõe o inc. II do art. 111 do CTN, mas sim de maneira lógico-sistemática, em razão dos princípios constitucionais tributários;

d)     o princípio da igualdade das pessoas com deficiência deve ocorrer não somente perante a lei, mas na própria lei.

Em muitos laudos médicos, o veículo especificado para o deficiente é com câmbio automático e direção hidráulica, também adquirido e dirigido por pessoas sem deficiência. Assim, verificado posteriormente que veículo com isenção do IPVA não foi conduzido pelo deficiente (ou seja, não foi preenchida condição para a mantença da isenção), deverá a autoridade fiscal notificar o proprietário a recolher, no prazo de 30 (trinta) dias, os valores de IPVA devidos, com os respectivos acréscimos legais (art. 18 combinado com o art. 16, ambos da Lei 13.296/2008).

4.4.    Veículo de propriedade de motorista profissional autônomo, utilizado como táxi

O inc. IV do art. 13 prevê isenção do IPVA “de um único veículo utilizado no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi), de propriedade de motorista profissional autônomo, por ele utilizado em sua atividade profissional”.

Não são alcançados pela isenção táxis utilizados por empresa de frota, pois esses veículos não são de propriedade de profissionais autônomos. Para se ter uma ideia da quantidade de táxis com o benefício em todo o Estado, só na cidade de São Paulo (que agrega o maior número de táxis do Brasil) a quantidade de táxis é de aproximadamente 33 (trinta e três) mil, dos quais cerca de 4 (quatro) mil são táxis de frotas.[24] Há isenção de IPVA para táxis de frota apenas nos Estados de Santa Catarina[25] e do Rio Grande do Sul.[26] Há isenção para táxis de cooperativa de motoristas no Distrito Federal[27] e nos Estados da Paraíba,[28] Rio Grande do Norte[29] e Maranhão.[30] Há isenção para mototáxis nos Estados de Minas Gerais,[31]  Goiás,[32] Tocantins,[33] Paraíba,[34] Piauí,[35] Pará[36] e Amapá.[37]

Não se pode afirmar que se trata propriamente de isenção política ou extrafiscal, já que a redução de preço que ela proporciona a esse tipo de transporte público de passageiros não beneficia pessoas de classes sociais de menor nível de renda. Também não se pode dizer que a isenção não atenda, ainda que parcialmente, ao princípio da capacidade contributiva, visto que concedida a um único veículo de propriedade de motorista profissional autônomo, por ele utilizado em sua atividade profissional. Embora motorista profissional autônomo tenha capacidade contributiva menor do que a de empresa de frota de táxis, não se pode assegurar que ela seja menor do que a que corresponde ao “mínimo vital” e a de outro profissional autônomo que também utiliza veículo em sua atividade laboral, mas cujo veículo não tem isenção do IPVA (como o representante comercial).

Na realidade, essa isenção é concedida por quase todos os Estados e pelo Distrito Federal. Apenas no Estado do Acre o veículo utilizado como táxi é tributado, mas por alíquota de 1% (um por cento).[38] Isso se deve ao trabalho de sindicatos de taxistas para convencer deputados, talvez com o argumento de a isenção ser a contrapartida pelo risco de o taxista ter de fazer corridas a lugares mais afastados, não alcançados pelo transporte coletivo. Para se ter uma ideia do trabalho dos sindicatos, basta dizer que há isenção de IPVA para táxis no Estados:

a)    de Minas Gerais,[39] Alagoas[40] e Pará,[41] mas para ônibus e micro-ônibus a alíquota do IPVA é de 1% (um por cento);[42]

b)    do Rio de Janeiro,[43] mas para ônibus e micro-ônibus a alíquota do IPVA é de 2% (dois por cento);[44]

c)    de Pernambuco,[45] mas ônibus de empresa concessionária, permissionária ou autorizatária de serviços públicos de transporte coletivo tem apenas redução de base de cálculo em 50% (cinquenta por cento);[46]

d)    da Paraíba,[47] mas ônibus de empresa concessionária, permissionária ou autorizada de serviço público de transporte coletivo, empregado exclusivamente no transporte urbano e metropolitano, tem base de cálculo igual a 20% (vinte por cento) do valor venal do veículo;[48]

e)    do Piauí,[49] mas para ônibus a alíquota do IPVA é de 1% (um por cento);[50]

f)     do Amazonas[51] e Roraima,[52] mas para veículo de transporte coletivo a alíquota do IPVA é de 2% (dois por cento);[53]

g)    de Rondônia,[54] mas para ônibus e micro-ônibus a alíquota do IPVA é de 1% (um por cento).[55]

A regra de isenção investe simultaneamente contra os critérios material e pessoal da regra-matriz: no complemento do verbo daquele critério; no sujeito passivo deste. Com efeito, do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de veículos utilizados no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi), de propriedade de motoristas profissionais autônomos, e por estes utilizados em sua atividade profissional.

Trata-se de isenção mista, visto que concedida tanto em função de a relação de propriedade ser de um único veículo utilizado no transporte público de passageiros na categoria aluguel (táxi), quanto pelo fato de o beneficiário da isenção (o sujeito passivo da relação jurídica tributária, caso inexistisse a regra de isenção) utilizar apenas aquele veículo em sua atividade profissional.

A condição de a isenção ser para 1 (um) único veículo de propriedade de motorista profissional autônomo tem por fim assegurar a proporcionalidade entre a isenção e o bem jurídico por ela alcançado, pois, se fosse concedida para dois ou mais veículos, a isenção transformar-se-ia em benefício exagerado ou privilégio.

4.5.    Veículo de propriedade de Embaixada, de Representação Consular, de Embaixador, de Representante Consular, de funcionário de carreira diplomática ou de serviço consular

O inc. V do art. 13 da Lei prevê ser isenta do IPVA a propriedade de veículo pertencente a Embaixada,[56] a Representação Consular,[57] a Embaixador[58] e a Representante Consular,[59] bem como a funcionário de carreira diplomática[60] ou de serviço consular,[61] quando façam jus a tratamento diplomático, e desde que o respectivo país de origem conceda reciprocidade de tratamento.

Ao ligar sintaticamente o texto do caput do art. 13 da lei do IPVA ao texto do inciso V, obtém-se: “É isenta do IPVA a propriedade: de veículo de propriedade de Embaixada, Representação Consular, ... ”. A deselegante repetição de "propriedade" poderia ter sido evitada se fosse dada ao inciso V a seguinte redação: “de veículo pertencente a Embaixada, a Representação Consular, ...”.

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (assinada em 18 de abril de 1961, aprovada pelo Decreto Legislativo 103, de 1964, e que entrou em vigor para o Brasil em 24/04/1965), no § 1° de seu art. 23, dispõe apenas sobre isenção de impostos e taxas sobre os locais da Missão[62] de que sejam proprietários ou inquilinos o Estado acreditante e o Chefe da Missão. Porque a regra do § 2° do art. 23 é especial em relação à do seu § 1º, a isenção de impostos e taxas não se estende ao imóvel locado em que funciona a Missão ou em que reside o Chefe da Missão.[63]

Embora a Convenção não se refira expressamente a isenção de impostos e taxas sobre bem móvel de propriedade do Estado acreditante (Embaixada), essa isenção deve ser incluída nos privilégios e imunidades diplomáticos.[64] Afinal, segundo a doutrina quase que unânime (“teoria do interesse da função”, esboçada por Vattel), “a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas, sim, garantir o eficaz desempenho das funções das Missões Diplomáticas em seu caráter de representantes dos Estados” (MELLO, 1994, p. 1103-1104). Por tal razão, o inc. V do art. 13 da lei prevê isenção do IPVA de veículo de propriedade da Embaixada.

O inc. V do art. 13 da Lei do IPVA dispõe que “funcionário de carreira diplomática” tem direito à isenção do imposto. O art. 34 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas[65] dispõe que o agente diplomático (denominação que inclui o Chefe da Missão[66] ou Embaixador) gozará de isenção de todos os impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com exceção dos relacionados nas alíneas “a” a “f” do referido artigo. A isenção aplica-se ao IPVA, já que é imposto real que não está compreendido em qualquer das exceções. Como o art. 34 refere-se apenas ao “agente diplomático”, não têm direito à isenção do IPVA os veículos de propriedade de “membro do pessoal administrativo e técnico”, de “membro do pessoal de serviço” e de “criado particular”, funcionários com qualificação e atribuições definidas nas alíneas “f”, “g” e “h” do art. 1º da Convenção.

Em seu art. 32, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (assinada em 24 de abril de 1963, aprovada pelo Decreto Legislativo 6, de 1967, e que entrou em vigor para o Brasil em 10/06/1967) dispõe apenas sobre isenção de impostos e taxas sobre os locais consulares[67] (Representação Consular) e a residência do chefe da repartição consular de carreira (Representante Consular)[68] de que for proprietário o Estado que envia ou pessoa que atue em seu nome. Logo, a isenção de impostos e taxas não se estende ao imóvel locado em que funciona a repartição consular ou em que reside o chefe da repartição consular.

Embora a Convenção não cuide de isenção de impostos e taxas sobre bem móvel de propriedade do Estado que envia seus nacionais para formar a repartição consular (Representação Consular), essa isenção deve ser incluída nos privilégios e imunidades diplomáticos, por razões já expendidas neste subitem. Por tal razão, o inc. V do art. 13 da lei prevê isenção do IPVA de veículo de propriedade da Representação Consular.

O inc. V do art. 13 da lei do IPVA dispõe que “funcionário de serviço consular” tem direito à isenção do imposto. O § 1º do art. 49 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares[69] dispõe que funcionários e empregados consulares, assim como os membros de suas famílias que com eles vivam, estarão isentos de quaisquer impostos e taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com exceção dos relacionados nas alíneas “a” a “f” do referido parágrafo. A isenção aplica-se ao IPVA, já que é imposto real que não está compreendido em qualquer das exceções. Como o § 1° do art. 49 não se refere a “membros do pessoal de serviço” (pessoas empregadas no serviço doméstico de uma repartição consular, cf. al. “f” do § 1º do art. 1º da Convenção), não têm eles direito à isenção do IPVA.

A norma de isenção investe contra o critério pessoal do consequente da regra-matriz, excluindo do polo passivo da relação jurídica tributária os seguintes proprietários de veículos:

a)     Embaixada ou Representação Consular;

b)     Embaixador, Representante Consular ou funcionário de carreira diplomática ou de serviço consular.

Trata-se de isenção subjetiva, visto que concedida em função da pessoa natural ou jurídica que seria o sujeito passivo da obrigação tributária, caso inexistisse a regra de isenção (MACHADO, 1999, p. 173).

O inc. III do art. 151 da CF dispõe ser "vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios". De acordo com Cunha (2006, p. 45), porém, a interpretação do inciso deve ser feita:

a)     em conjunto com os princípios da cooperação entre os povos (previsto no inc. IX do art. 4° da CF) e da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina (previsto no parágrafo único do art. 4° da CF);

b)     sem excluir direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§ 2º do art. 5° da CF).

Da interpretação sistemática dos dispositivos supracitados, conclui-se que, ao conceder isenção de tributo de competência de Estados ou Municípios prevista em tratado ou convenção internacional, a União não age como pessoa jurídica de direito público interno, mas sim como pessoa jurídica de direito internacional público que representa o Estado brasileiro, dotado de soberania. Normas do tratado ou da convenção internacional são incorporadas ao direito interno por meio de decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional, que tem força de lei ordinária.

Como a regra da lei paulista prevê a concessão de isenção do IPVA para veículo de propriedade de Embaixada, de Representação Consular, de Embaixador, de Representante Consular, de funcionário de carreira diplomática ou de serviço consular, ela harmoniza-se com regras dos citados decretos legislativos que preveem isenções de impostos reais.

Leis de alguns Estados (Mato Grosso,[70] Goiás,[71] Tocantins[72] e Rondônia[73]), ao lado de isenções por elas relacionadas, colocam a exoneração fiscal de veículos de propriedade de Embaixadas e Consulados estrangeiros como hipótese de não-incidência do IPVA. Não procede a distinção, pois, conforme vimos, isenção é também caso de não-incidência da regra-matriz. Além disso, no mesmo artigo da lei estão a exoneração (que é isenção) e casos de imunidade, o que não é juridicamente correto, pois isenção decorre de lei ordinária, conforme dispõe o CTN, enquanto imunidade decorre da Constituição.

O inc. III do art. 5º do Decreto 59.953/2013, dispõe que isenção do IPVA poderá ser concedida de ofício com base nos dados do Cadastro de Contribuintes do IPVA, para “veículo de Organização Internacional e suas Representações, quando façam jus a tratamento diplomático, nos termos das convenções e acordos de que o Brasil faz parte”.[74] De acordo com regras do CTN, essa isenção deveria estar prevista em lei (em vez de em decreto), conforme está nas leis dos Estados do Paraná,[75] Rio de Janeiro,[76] Alagoas,[77] Amazonas[78] e Roraima,[79] e do Distrito Federal.[80]

4.6.    Ônibus ou micro-ônibus empregados exclusivamente no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano

O inc. VI do art. 13 da Lei prevê a isenção do IPVA na relação de propriedade “de ônibus ou micro-ônibus empregados exclusivamente no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano, devidamente autorizados pelos órgãos competentes”. Transporte metropolitano é o que ocorre nos limites do território de região metropolitana.[81] Do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de ônibus ou micro-ônibus empregados no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano. A mutilação, portanto, é no complemento do verbo do critério material. Trata-se de isenção objetiva, visto que concedida em função da natureza do objeto de que o sujeito é proprietário.

O § 3º do artigo dispõe que, se o proprietário for pessoa física, a isenção ficará limitada a 1 (um) único veículo, de propriedade de motorista autônomo regularmente registrado no órgão competente e habilitado para condução de referido veículo. A regra de isenção investe simultaneamente contra os critérios material e pessoal da regra-matriz: no complemento do verbo daquele critério; no sujeito passivo deste. Com efeito, do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de 1 (um) único veículo utilizado no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano, de propriedade de motorista autônomo registrado no órgão competente e habilitado para conduzir o veículo. Cuida-se de isenção mista, visto que concedida tanto em função do evento tributário objetivamente considerado quanto em função das condições pessoais daquele que seria o sujeito passivo da relação jurídica tributária na ausência da norma de isenção.

Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, é competência dos Municípios (inc. V do art. 30 da CF). A isenção do IPVA é política ou extrafiscal, pois, ao permitir a redução do custo do transporte público de passageiros e, portanto, do preço da passagem, contribui para:

a)     a defesa do consumidor, princípio previsto no inc. V do art. 170 da CF;

b)     o salário mínimo, fixado em lei, poder atender às necessidades de trabalhadores urbanos e de suas famílias, com transporte (inc. IV do art. 7° da CF).

A condição de a isenção ser para um único ônibus ou micro-ônibus de propriedade de motorista autônomo tem por fim assegurar a proporcionalidade entre a isenção e o bem jurídico por ela alcançado. Permitida para mais de um veículo, a isenção transformar-se-ia em benefício exagerado ou privilégio.

A alínea "a" do item 2 do parágrafo único do art. 4º do Decreto 59.953/2013, dispõe que a isenção prevista para ônibus ou micro-ônibus empregados exclusivamente no transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano, deve ser aplicada “ao transporte escolar e ao transporte coletivo rodoviário de passageiros, sob a modalidade de fretamento contínuo.”

O inc. VI do art. 13 da lei refere-se a transporte público de passageiros, urbano ou metropolitano, mas a regra de isenção do decreto cuida de transporte escolar e de transporte coletivo rodoviário de passageiros, sob a modalidade de fretamento contínuo. Fretamento contínuo é transporte público? A resposta é dada no item 6 da Decisão Normativa CAT-7, de 07/05/2009, com o seguinte texto: “... a expressão ‘transporte público’ se refere à natureza do serviço prestado, qual seja, serviço de interesse público, que não deve ser confundido com ‘serviço aberto ao público’. O fato de ser prestado por empresa privada, contratado entre particulares e não estar ‘aberto ao público’ não desnatura o caráter público do serviço de transporte por fretamento, que é necessariamente autorizado e regulado por órgãos estatais, havendo clara ingerência do Poder Público.”

Mais corretamente, concederam por lei a isenção do IPVA de veículo empregado no transporte escolar os Estados do Rio Grande do Sul,[82] Paraná,[83] Minas Gerais,[84] Goiás,[85] Tocantins,[86] Pernambuco,[87] Paraíba[88] e Rio Grande do Norte,[89] e o Distrito Federal.[90]

De acordo com o disposto no art. 7º do Decreto estadual 29.912/1989, fretamento contínuo é "o serviço de transporte de passageiros prestado a pessoa jurídica, mediante contrato escrito, para um determinado número de viagens, destinado ao transporte de usuários definidos, que se qualificam por manterem vínculo específico com a contratante para desempenho de sua atividade". É o caso da pessoa jurídica que proporciona serviço de transporte a seus funcionários, mediante contrato firmado entre ela e empresa de transporte. Conforme dispõe o § 1º do art. 7º, “poderá contratar fretamento contínuo instituição de ensino ou agremiação estudantil legalmente constituída, para transporte de seus alunos ou associados”. Exemplo dessa situação é a escola que, mediante remuneração, oferece serviço de transporte escolar a seus alunos, que é prestado por empresa de transportes por ela (escola) contratada.

4.7.    Máquinas utilizadas na construção civil ou por estabelecimentos industriais ou comerciais, para monte e desmonte de cargas

O inc. VII do art. 13 da Lei prevê isenção do IPVA para a relação de propriedade “de máquina de terraplanagem, empilhadeira, guindaste e demais máquinas utilizadas na construção civil ou por estabelecimentos industriais ou comerciais, para monte e desmonte de cargas”.

Empilhadeiras não são normalmente utilizadas na construção civil, mas podem ser utilizadas para colocar em depósito, dele retirar ou transportar (de depósito para caminhão ou vice-versa) materiais que serão utilizados na construção civil. Empilhadeiras são utilizadas por estabelecimentos de empresas industriais ou comerciais, para monte e desmonte de cargas. Atacadista e armazém geral são exemplos de empresa comercial. Depósito fechado é exemplo de estabelecimento tanto de empresa comercial quanto industrial.

A regra de isenção não exige que a máquina seja de propriedade da empresa de construção civil ou da empresa industrial ou comercial.

Do conjunto de fatos típicos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA (“ser proprietário de veículo automotor”, assim entendido o veículo terrestre que se locomove por força própria), a regra de isenção subtrai o subconjunto de fatos “ser proprietário de máquina de terraplanagem, empilhadeira, guindaste e demais máquinas utilizadas na construção civil ou por estabelecimentos industriais ou comerciais, para monte e desmonte de cargas”. Essas máquinas não se destinam ao transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para esse transporte. A elas se aplicam as considerações expendidas por Mamede (2002, p. 125), que reproduzimos ao examinar as isenções de máquinas utilizadas essencialmente para fins agrícolas. A expressão “veículo automotor” sofre, portanto, restrição semântica, que equivale à mutilação do complemento do verbo do critério material.

Trata-se de isenção objetiva, porque é concedida a veículo que, apesar de ter mecanismo de propulsão própria, não se enquadra na definição de “veículo automotor” dada pelo Código de Trânsito Brasileiro.

4.8.    Veículo com mais de vinte anos de fabricação

O inc. VIII do art. 13 da Lei prevê isenção do IPVA para a relação de propriedade de veículo com mais de 20 (vinte) anos de fabricação. Embora a lei paulista não disponha, o número de anos é contado do primeiro dia do exercício seguinte ao de aquisição do veículo novo. Por exemplo, se o veículo novo foi adquirido em 1996, completará 20 (vinte) anos de fabricação em 2016, de modo que somente a partir de 2017 é que a relação de propriedade terá isenção do IPVA. Leis do IPVA dos Estados do Rio Grande do Norte[91] e do Ceará[92] dispõem que o número de anos de fabricação será contado a partir do primeiro mês do exercício seguinte ao do registro em órgão de trânsito no território nacional. Lei do Estado do Amazonas refere-se a número de “anos de uso”, contados do ano do primeiro licenciamento do veículo.[93]

Quase todos os Estados concedem isenção do IPVA a partir de certo número de anos fabricação ou de uso. Além do Estado de São Paulo, adotam como termo inicial da isenção o 21° (vigésimo primeiro) ano de fabricação os Estados do Rio Grande do Sul,[94] Paraná[95] e Acre.[96] Adotam como termo inicial o 16° (décimo sexto) ano de fabricação ou de uso os Estados do Rio de Janeiro,[97] Mato Grosso do Sul,[98] Espírito Santo,[99] Bahia,[100] Sergipe,[101] Paraíba,[102] Ceará,[103] Piauí,[104] Maranhão,[105] Pará[106] e Amazonas.[107] Adotam como termo inicial o 15° (décimo quinto) ano de uso ou de fabricação os Estados do Tocantins,[108] Alagoas[109] e Rondônia.[110] Adota como termo inicial da "isenção" o 11° (décimo primeiro) ano de fabricação o Estado do Rio Grande do Norte.[111] Adotam como termo inicial da "não-exigência do imposto" o 11° (décimo primeiro) ano de fabricação os Estados do Amapá[112] e Roraima.[113] Adota como termo inicial da isenção o 10° (décimo) ano de uso do veículo o Estado de Goiás.[114]

Lei do IPVA do Estado de Santa Catarina dispõe sobre a "não-exigência do imposto" do veículo fabricado até 31/12/1984.[115] Para veículo com mais de 15 (quinze) anos de fabricação, lei do IPVA do Estado de Pernambuco dispõe que a base de cálculo será valor que multiplicado pela alíquota resulte em imposto equivalente a: 15 UFIRs, para motos e similares; 25 UFIRs para os demais veículos.[116] Leis do IPVA dos Estados de Minas Gerais e Mato Grosso não preveem isenção do imposto para veículos usados a partir de certo número de anos de fabricação.

Do conjunto de fatos que poderiam ser incluídos no critério material da hipótese da regra-matriz do IPVA, a regra de isenção subtrai o subconjunto das relações de propriedade de veículos com mais de 20 (vinte) anos de fabricação. A mutilação, portanto, é no complemento do verbo do critério material.

Trata-se de isenção objetiva, visto que concedida em função do evento tributário objetivamente considerado.

Provável causa para a isenção é o veículo com mais de 20 (vinte) anos de fabricação ser considerado como parte do "mínimo existencial" de seu proprietário.

Ao comentar isenção semelhante à da lei paulista, constante do inc. XI do art. 4° da lei do IPVA da Bahia (Lei 6.348, de 17/12/1991), Gama (2001, p. 61) pondera que a propriedade de veículo com mais de 20 (vinte) anos de fabricação nem sempre é sinal de reduzida capacidade econômica. Cita os colecionadores de veículos antigos, que geralmente têm elevada capacidade econômica.

Poderia o dispositivo legal exigir que a isenção fosse para apenas 1 (um) veículo por proprietário. No entanto, com exceção dos colecionadores de veículos antigos, a condição seria desnecessária. De fato, como o custo de manutenção de veículo usado cresce mais do que proporcionalmente com o número de anos de fabricação, na esmagadora maioria dos casos o proprietário prefere ter um veículo novo ou seminovo a ter dois ou mais veículos com mais de 20 (vinte) anos de fabricação.

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Das isenções do IPVA da lei paulista:: um cotejo com isenções de leis de outros Estados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4081, 3 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31479. Acesso em: 18 nov. 2024.

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