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A redução da maioridade penal sob a ótica constitucional

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11/02/2015 às 14:27
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3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

Insofismável os entendimentos que a aludida proposta de redução à maioridade penal apena fere preceitos constitucionais. A dialética não se reduz apenas a preceitos constitucionais, mas a tratados internacionais aos quais o Brasil se tornou signatário.

Para o deputado Luiz Couto as propostas de Emenda Constitucional para redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, contraria artigo da Constituição que não pode ser alterado por ser cláusula pétrea, além de desrespeitar o Pacto de São Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, contrariando diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, ao autorizarem o julgamento de adolescentes como adulto. Cita-se, por oportuno, suas palavras ao afirmar que:

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) os adolescentes vivem uma fase especial do desenvolvimento humano e por isso o Estado tem o dever de lhes assegurar proteção integral. Para ele, reduzir a maioridade penal seria o mesmo que jogar os jovens em conflito com a lei no deteriorado sistema prisional brasileiro, considerado por muitos com uma “universidade do crime.

Aqueles que consideram exorbitante o posicionamento de Couto, logrado de que tal entendimento se norteia pelo fato de ser a República Federativa do Brasil signatária da Convenção sobre o Direito das Crianças, a qual traz em seu preâmbulo que:

Convencidos de que a família, unidade fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias para que possa assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade;

Não nos parece demasiadamente exagerado darmos continuidade e salientar que tal instituto ainda nos revela:

Considerando que cabe preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas e, em particular, em um espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Assim, podemos colher os ensinamento de Fernando Capez (2011; p.24) ao apontar o Estado Democrático de Direito de atender aos anseios de uma sociedade livre, justa e solidária e firma que:

Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela proclamação formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposição de metas e deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º, I a IV); pelo pluralismo político e liberdade de expressão das ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana.

E nas sábias palavras de Maria Berenice (2007, p.25), ao explicitar que:

Ainda que tenha o Estado o dever de regular as relações das pessoas, não pode deixar de respeitar o direito a liberdade e garantir o direito à vida, não só vida como mero substantivo, mas vida de forma adjetivada: vida digna, vida feliz.

Em destaque a valoração real da dignidade humana, como base principiológica e fundamento na interpretação do Ordenamento Jurídico da República Brasileira, coexistindo de maneira constante na luta para sua total aplicação e nas formas de sua garantia.

Compartilhando o pensamento, Celso Antônio de Melo (2000, p.747) define que princípio como núcleo de um sistema jurídico positivo, com as seguinte palavras:

É, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para uma extra compensação e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhes confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.  É o conhecimento dos princípios que preside a intenção de diferentes partes componentes de todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. 

Reforçando tais entendimentos ainda podemos mencionar J.J. Gomes Canotilho, verbis:

O direito do Estado de Direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um direito de princípios.

Ainda, neste mesmo sentido José Afonso da Silva (2001, p.96) nos traz uma primorosa definição:

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais.

Ao definir princípio jurídico, Roque Antônio Carrazza (2002, p.33), reputa-se igualmente ao municiar uma definição pontual e excepcional a aplicabilidade dos princípios:

Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.

Não obstante, a esta contextualização, podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2012, p.21) que salienta em sua obra o primado da Constituição a supremacia do Direito, in verbis:

A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Esta, como na lei das leis, documento escrito de organização e limitação do Poder, é uma criação do século das luzes. Por meio dela busca-se instituir o governo não arbitrário, organizado segundo as normas que não pode alterar, limitando pelo respeito devido aos Direitos do Homem.

Todos esses aspectos intangíveis aos direitos fundamentais são de suma importância para o desenvolvimento social, surgindo daí a necessidade perene de resguarda-los e preserva-los.  O que necessariamente não afasta a possibilidade de uma discussão acerca da semântica ontológica do princípio da isonomia na Constituição Federal em que reza o art. 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

É mister fomentar a discussão envolvendo a expressão “sem distinção de qualquer natureza”, sob os auspícios das lições de José Afonso da Silva (2005, p.215):

O princípio não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual – esclarece Petzold – não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os "iguais" podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador. Este julga, assim, como "essenciais" ou "relevantes", certos aspectos ou características das pessoas, das circunstâncias ou das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos "essências" previstos por essas normas são consideradas encontrar-se nas "situações idênticas", ainda que possam diferir por outros aspectos ignorados ou julgados irrelevantes pelo legislador; vale dizer que as pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos.

 Indubitável a condição peculiar dos adolescentes no que diz respeito da formação do caráter para que possa assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade. Coadunando com o entendimento de Pedro Lenza (2013, p.1046) sobre o estabelecimento de “medidas de compensação” buscando oportunidade de igualdades a indivíduos que sofrem as mesmas espécies de restrições.

A citada medida de compensação mencionada por Pedro Lenza consubstancia com o art. 227, §3º, inciso V, positiva a proteção integral da criança e do adolescente com a seguinte redação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

Não poderíamos deixar de salientar a expressão condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, no entendimento do ilustre pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos principais colaboradores e defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao elucidar o preceito nos revela: 

A condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Esta expressão significa que a criança e o adolescente têm todos os direitos, de que são detentores os adultos, desde que sejam aplicáveis à sua idade, ao grau de desenvolvimento físico ou mental e à sua capacidade de autonomia e discernimento. (COSTA, 2011)

Assim, à criança e ao adolescente é assegurado o direito à liberdade adequando-se aos ditames Constitucionais manifestada no art. 228, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

 Os direitos da criança e do adolescente são deveres da família, da sociedade e do Estado, esta articulação direito-dever perpassa os interesses do próprio Estado, pois se trata da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos. O reconhecimento da peculiaridade dessa condição vem somar-se à condição jurídica de sujeito de direitos e à condição política de absoluta prioridade, para constituir-se em parte do tripé que configura a concepção de criança e adolescente do Estatuto da Criança e do Adolescente, pedra angular do novo direito da infância e da juventude no Brasil.

De todo modo, a esta realidade o princípio da proteção integral incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro configurando-se uma opção política e jurídica que resultou na concretização direito firmado na concepção de democracia. O Direito da Criança e do Adolescente emerge como um sistema orientado pelo princípio do interesse superior da criança, previsto no art. 3º, 1, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, determinando que:

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Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente o maior interesse da criança.

Não restam anfibologias de que é um princípio decorrente do reconhecimento da condição peculiar da criança como pessoa em processo de desenvolvimento.

Nesta ceara principiológica devemos ficar atentos ao princípio da legalidade, que limita o Poder do Estado em interferir nas liberdade individuais de seus cidadãos, bem como a assegurar a inviolabilidade ao princípio da Segurança Jurídica invocamos a proteção ao princípio da proteção integral que trata as crianças e os adolescentes o nosso sistema jurídico, mas especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 1º, em que reza que “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” não é nova, mas, ao contrário, é apresentada para tentar como que resgatar algo já vivido no passado, onde a família, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado andavam juntos, trabalhando e lutando para o fortalecimento da família e, com isso, dos menores.

De igual sorte elucida Bruñol (2001; p. 101) no que tange a aplicação dos princípios do direito:

Os princípios, no marco de um sistema jurídico baseado no reconhecimento de direitos, pode-se dizer que são direitos que permitem exercer outros direitos e resolver conflitos entre direitos igualmente reconhecidos.

Entendendo deste modo a ideia de ‘princípios’, a teoria supõe que eles se impõem às autoridades, isto é, são obrigatórios especialmente para as autoridades públicas e vão dirigidos precisamente para (ou contra) eles.

Para garantir a efetividade das normas constitucionais podemos destacar a decisão proferida pelo STF, no RE 393175/RS, que teve por relator o Ministro Celso de Mello, na qual afirmar que:

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Em outro trecho da mesma decisão fica clara a força normativa da Constituição e dos princípios constitucionais, mesmo aqueles, que, a princípio, não têm eficácia plena:

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Assim, Thiago de Oliveira Andrade (2010) afirma que deve ser levado em consideração o entendimento jurisprudencial, vez que temos que reconhecer a vinculação constitucional do legislador, da administração pública e do particular aos ditames constitucionais, sobretudo aqueles que prescrevem direitos individuais e sociais. Mais do que isso, é preciso que se estabeleçam garantias efetivas de aplicabilidade a fim de que tais direitos se materializem.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TUYAMA, Erika. A redução da maioridade penal sob a ótica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4242, 11 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31481. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado como requisito para conclusão de curso na pós-graduação em Direito Penal da Universidade Anhanguera-UNIDERP. Pela discente Mestre em Direito pela UCB, com ênfase em Direito Econômico, Financeiro e Tributário Internacional. Professora do Curso de direito da Faculdade Atenas em Paracatu/MG.

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