4 A OMISSÃO DO ESTADO
O sistema acolhe a tese de que o direito da Criança e do Adolescente assenta-se no enunciado, proteção integral, o qual garante os direitos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A garantia que lhes dá a condição de sujeitos de direitos, que devem ser suportados pela família, sociedade e Estado, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar.
O fato é que os direitos conferidos à criança e ao adolescente, raramente têm sido garantidos, de acordo com a previsão legal. O que constantemente verifica-se é a violação desses direitos, principalmente no tocante à aplicação de medidas socioeducativas, haja vista que a aplicação se dá, muitas vezes, de forma incorreta, de maneira descontextualizada do ambiente social, político e econômico em que está envolvido o infrator, de forma desproporcional, além de ser momentânea e provisória, não atingindo, portanto, o fim pretendido pelo próprio Estado e aos anseios coletivos que buscam coibir o ato infracional.
Tais constatações apresentada por Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p.138) em que descreve a precariedade da tutela socioeducativa, assim:
A precariedade caracteriza a tutela socioeducativa de vez que o seu objeto-medida socioeducativa- sempre é realizada a título provisório, decorrência natural da instrumentalidade da tutela, de modo que cumpridas suas finalidades desaparece a justificativa, podendo, em consequência, ser revogada a qualquer tempo.
A aplicação da medida socioeducativa exige o cuidado de examinar, minuciosamente, o caso concreto, a fim de aplicar, de forma coerente, a medida condizente ao caso concreto. Garantindo, a eficácia da norma e a própria condição ao desenvolvimento de sua capacidade autônoma e de discernimento atendendo assim a função precípua da sanção. Neste contexto, podemos citar Antônio Carlos Gomes da Costa (2009, p. 449) que dispõe sobre qual deve a finalidade da medida socioeducativa:
A natureza essencial da ação socioeducativa é a preparação do jovem para o convívio social. A escolarização formal, a educação profissional, as atividades artístico-culturais, a abordagem social e psicológica de cada caso, as práticas esportivas, a assistência religiosa e todas as demais atividades dirigidas ao sócio educando devem estar subordinadas a um propósito superior e comum: desenvolver seu potencial para ser e conviver, isto é, prepará-lo para relacionar-se consigo mesmo e com os outros, sem quebrar as normas de convívio social tipificadas na Lei Penal como crime ou contravenção.
Corroborando com o entendimento acima, Raimundo Luiz Queiroga de Oliveira (2003) esclarece:
As medidas socioeducativas aplicadas como reprimenda aos atos infracionais praticados por menores servem para alertar o infrator à conduta antissocial praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade. Se o jovem deixa de ser causador de uma realidade alarmante para ser agente transformador dela, porque esteve em contato com situações que lhe proporcionaram cidadania, a finalidade da medida estará cumprida. Estão aqui, pois, rompidos os liames com a família e a sociedade. As possibilidades de restauração despencam e os jovens, sem projetos, sem oportunidades, expostos à verdadeiras "faculdades" do crime, não se recuperam. A volta para o seio da sociedade mostra-nos um cidadão muito pior, ainda mais violento e antissocial. Daí a excepcionalidade da medida, que, não obstante, tem sido muito aplicada dada a periculosidade dos infratores.
A grande falácia do sistema encontra-se forjada na própria sociedade e na família que mesmo tendo conhecimento de que o Estado não cumpre com o seu papel, de forma efetiva, no sentido de dar condições para que as crianças e os adolescentes tenham seus direitos assegurados, tanto com referência à lhe dar proteção integral, quanto à forma de aplicar medidas protetivas ou socioeducativas, cruzam os braços e não lutam para que os direitos sejam garantidos.
Consoante a sistemática adotada nesta obra, a exposição casuística do posicionamento de Laryssa Borges (2008):
O ECA não pode ser modificado para "se adaptar" à realidade brasileira, e sim a sociedade é quem deve seguir as normas previstas na legislação. "Muitos defendem a modificação de uma lei que sequer tentam aplicar. Não podemos aceitar o argumento de que o ECA precisa mudar porque é moderno demais, [...]. O próprio Estado é o maior infrator contra os direitos das crianças, porque os entes federativos não garantem condições mínimas e seguras para que elas possam brincar livremente nas ruas, frequentar escolas de qualidade, ter boa alimentação e moradia decente. (BORGES, 2008).
Sobre a ineficácia da Lei temos o seguinte posicionamento de Martha de Toledo Machado que afirma:
Todas as classes de direitos fundamentais situam-se na problemática da eficácia das normas constitucionais da mesma maneira, ou na mesma posição, independentemente do grau de aplicabilidade que uma norma constitucional específica, ligada a um direito fundamental específico, possa ter, em face da conformação concreta que aquele direito recebeu no texto constitucional, ditada pela sua “fase” de desenvolvimento histórico. [...], o processo, ou o fenômeno, de subjetivação e de positivação de cada direito fundamental, sob a ótica lógico-estrutural, é idêntico para qualquer direito fundamental; o grau de tutela concreta que cada um deles alcançou em dado ordenamento é que pode ser distinto. (MACHADO, 2003, p. 374).
Frise-se, ainda, que as medidas socioeducativas aplicadas na atualidade são de caráter emergencial inexistindo eficiência para ressocializar o adolescente infrator, oferecendo-lhe chances reiteradas de persistir na ilicitude, tornando-os cada vez mais marginalizados e fazendo com sua personalidade, que se encontra em processo de formação, se deforme ainda mais, face ao modo incoerente com que são aplicadas, sem transparência de propostas recuperativas, aguçando a tendência para o mundo do crime. Cita-se, por oportuno, um trecho do livro de Ney Moura Telles que coaduna ao apresentado neste trabalho:
Querer modificar a maioridade penal para encarcerar adolescentes, é infelizmente, querer transforma-los mais cedo e mais eficazmente, em verdadeiros delinquentes, perigosos, pois encaminha-los aos presídios, ao convívio com delinquentes formados, experimentados, é abdicar de qualquer possibilidade de educa-los para uma vida digna. Soa, por fim, como piada a proposta, uma vez que o Estado Brasileiro não tem sido capaz de construir estabelecimentos prisionais para atender às necessidades atuais de vagas a condenados a penas privativa de liberdade. Se a capacidade penal alcançar os adolescentes, como se propõe, então a falência do sistema penitenciário será ainda mais estrondosa (TELES, 2006, p 254).
Por força desse pensamento desenvolvido por TELLES, comungado por tantos outros juristas, e em consonância a ideia de proteção integral da criança difundido no próprio texto da Carta Magna de 1988, que objetivaram juntos os juristas e alguns legisladores à tese contrária a redução da maioridade penal no Ordenamento Jurídico Pátrio.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ponto, considerando o contexto sociocultural entorpecido pela violência que vive a sociedade atual podemos concluir que efetivamente não seria possível a alteração imediata dos preceitos constitucionais garantidores à proteção integral do menor.
Constata-se, ainda, que são diversas as barreiras e dificuldades a serem enfrentadas pelo Estado, principalmente no que tange a criminalidade envolvendo a criança e o adolescente, além dos anseios sociais exigindo a redução da maioridade penal o que representa uma afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana e principalmente das cláusulas pétreas e sua inalterabilidade.
Em se tratando da criminalidade envolvendo o menor infrator verifica-se a incompetência do Estado em realizar políticas públicas necessárias para se cumprir o que está previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente um problema que assola o Brasil. O que não será resolvido apenas com a redução da maioridade penal, por representar um direito fundamental, não podendo ser objeto de Emenda Constitucional.
Nessa perspectiva, a celeuma está longe de ser solucionada, limitando-nos a registrar que a legislação aplicada ao menor vigente no país é muito efetiva, desde que cumprida pelo Poder Público, possuindo princípios próprios que asseguram a integral proteção do menor.
Tal alicerce normativo encontra-se pautado em dispostos legais impostos ao menor infrator que sofre medidas socioeducativas, a serem cumpridas pelo Poder Público nos moldes previstos na legislação infraconstitucional, o que solucionaria a questão suscitada de contenção da criminalidade afastando medidas extremistas aclamadas pela sociedade para reduzir a maioridade penal levando os infratores a cumprirem sanções que de nada ajudaria na sua ressocialização.
Como desdobramento do exposto, podemos afirmar que o Estado necessita fazer maiores investimentos em políticas públicas na área de educação, cultura, saúde e lazer, pode ser a solução para manter os jovens no convívio social assegurando os dizeres constitucionais e cumprindo a função de Estado Democrático de Direito.
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ABSTRACT:The present study has the footstool in the Brazilian legal system which gives the legal age to 18 years earning the protection of an individual right and therefore entrenchment clause, which prevents its repeal. However, before the clamor of much of the Brazilian society by reducing the age of criminal has emerged among legislators and jurist a stir around the subject and the questioning of the possibility of change in the infra standard. Driven by social movements and issues involving mainly the increase in the incidence of crime in Brazil practiced by children and adolescents incessantly aired in the media, fueled panic and a backdrop of uncertainty, the Brazilian population was divided in supporting the reduction of majority criminal and those who have contrary opinion. Raising heated debates in all spheres of power and the possibility of promoting the reduction of criminal responsibility against the principles, rights and Constitutional guarantees. Such questioning widely discussed among lawyers, legislators and the population itself comes up against the guarantors principles of the Federal Constitution and the International Convention on the Rights of the Child to which Brazil is a signatory. Supraconstitucionais guarantees the democratic state itself leading to analyze the problem as relevant today, due to the alarming rise in crime among young people.
Keywords: Majority reduction. Criminal. Unconstitutional. Principles. Entrenchment clauses.