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A substituição da sujeição passiva tributária e suas consequências jurídico-sociais

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01/04/2015 às 09:15
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3 - Análise Principiológica e Constitucionalidade

Segundo a nova hermenêutica constitucional, misto da evolução da tradição do constitucionalismo com a evolução da própria hermenêutica, ultrapassando mesmo a jurisprudência das valorações, culminando no surgimento de mecanismo constitucionais de sobrevalorização de valores que passaram a ser reconhecidos como norma, valores estes que se tornam princípio que por sua vez passam a ser norma, estando acima da simples regra por que passa a ter status constitucional, sendo que mesmo as novas regras trazidas no bojo da Constituição passam a dever estar de acordo com os princípios normativados.

Apesar de regra e princípio possuírem a mesma natureza jurídica, qual seja, de norma, não se deve confundi-los. A regra prescreve um fato a ser efetivado, como por exemplo a hipótese de incidência, por outro lado, o princípio prescreve um valor a ser efetivado, como a não-cumulatividade ou a vedação o tributo com natureza consfiscatória. Segundo essa nova hermenêutica, levando em consideração a abstração demasiada da aplicação do princípio, incidindo de forma mais geral que a regra comum, e vislumbrando a pirâmide do ordenamento jurídico, o princípio deve prevalecer sobre a regra.

Ademais, na aplicação da regra, no que tange acerca da técnica de aplicação, o que se faz é a simples submissão do fato às disposições normativas. Aplicar o princípio é ponderá-lo axiologicamente, aplicando-o de forma sistemática, sempre conjuminando analogicamente aos demais princípios (Princípio da Proporcionalidade). É nesse momento que surge a idéia da balança jurídica.

É nesse cenário de sobrevalorização do valor enquanto princípio normativado que brotam os questionamentos acerca da constitucionalidade dos novos diplomas legais. Antes mesmo do surgimento, enquanto regra explicita, do fenômeno da substituição tributária, muita crítica já se instalara questionando a prática que abusivamente ofendia princípios como o da segurança jurídica, da legalidade, da anterioridade, e também da não-cumulatividade (este somente empós trazido para discussão).

Em alguns momentos o Pretório Excelso se manifestou no sentido de aceitar a substituição tributária. Em outros momentos, como na ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1851, em 2002, quando o STF declarou constitucional a impossibilidade de restituição do indébito quando do recolhimento a maior por ocasião da presunção do fato gerador, sendo que o fato gerador, quando de sua efetiva ocorrência, se revelou em dimensões inferiores ao fato gerador presumido, laborou com clara ofensa ao princípio vedativo do enriquecimento sem causa.

Em primeiro momento, me parece razoável trazer a lume a crítica necessária no que tange acerca da ofensa ao Princípio da Segurança Jurídica (daqui decorre a não surpresa tributária e a anterioridade tributária). O princípio da segurança jurídica garante ao contribuinte que a imposição de ônus tributário somente se processará após processo legislativo rígido e regularmente instituído. Para a Teoria Geral do Direito, o princípio citado implica na proibição de leis retroativas, na inalterabilidade da coisa julgada e também na intocabilidade do ato jurídico perfeito.

Abordando o princípio de forma sistemática, pois inexiste possibilidade de restituição do indébito quando da presunção majorada, além de haver a prevalência do real (no caso da ocorrência do Fato Imponível não se dar ou for de forma diversa da presumida) frente à presunção do Fato Gerador Presumido. Não há prevalência da realidade fática frente à presunção, uma vez que a CF somente garante restituição quando da inocorrência do fato gerador.

Considerando somente o Princípio da Segurança Jurídica, o art 150, §7º não ofende o art. 60, §4º da CF, pois há a possibilidade de restituição ulterior quando do pagamento indevido. Mas quando do Fato Gerador majorado, somente o respaldo doutrinário oferece suporte à restituição, quando do pagamento realizado a maior.

Machado[61] aduz, em primeiro momento, que:

“O imposto so deve ser cobrado depois de ocorrida, e conhecida, a realidade econômica que lhe serve de suporte. Admitir cobrança antecipada do imposto incidente sobre vendas futuras implica admitir o arbitramento do valor de tais operações, e toda possibilidade de arbitramento deve ser vista com cautela.”

Inobstante as ofensas trazidas, a adoção do regime de substituição tributária na sujeição passiva se dá de forma ampla, abrangendo, cada vez mais, um número maior de atividades que estão sob a égide da substituição.

A análise em sentido contrário, principalmente por parte dos contenciosos fiscais, sobrevalorizando o Princípio da Supremacia do Interesse Público, deve ser levado em conta quando da análise da ofensa ao principio da segurança e certeza jurídica. Invoca-se, neste momento, o binômio Garantia de proteção ao patrimônio, cláusula pétrea que é prevista expressamente pelo art. 5º da CF, contra a tentativa de Melhoria na Arrecadação. Deve-se frisar que a substituição não representa a sobrepujança do interesse público sobre o privado, o que há é preservação da legalidade num Estado de Direito.

Em outra análise, considerando que não há conflito aparente de normas constitucionais, até porque o dispositivo que veicula possibilidade de substituição é trazido por emenda constitucional, o que poderia haver é uma inconstitucionalidade da referida emenda. Todavia, uma parcela doutrinária aduz que, ainda assim, não passa de aparência, isto porque não há nenhuma ofensa a qualquer direito ou garantia fundamental elencado pela CF. O STF já fixou entendimento de que o conflito de normas com status constitucional se revela apenas de forma aparentemente. Para José Eduardo Soares Melo[62] há claro confisco na tributação do fato gerador presumido.

É notória a incidência do regime de substituição tributária principalmente sobre os tributos reais, que carecem de qualidade pessoal, ocasião em que o princípio da capacidade contributiva não deve ser aplicado diretamente, pois o contribuinte que suporta o ônus fiscal em primeiro momento como substituto não vai ter suas características jurídicas levadas em conta para fins de adoção de regime jurídico disciplinador.

A incidência de tais tributos se dá, no geral, de forma plurifásica, isto é, o fato jurídico se dá de forma composta, não se devendo traçar qualquer paralelo com o fato gerador pendente, sendo este ficção jurídica onde diversos atos constituem o fato gerador da obrigação. Há um ciclo formado por diversas etapas, cada uma tributada de acordo com a legislação competente, sendo que para etapa posterior tem-se uma base de cálculo avultada decorrente da margem agregada pelo substituto para etapa posterior, sempre festejando o princípio da não-cumulatividade e surgindo a possibilidade do contribuinte posterior creditar-se do valor recolhido na etapa anterior. Todavia, justamente para coibir a possibilidade de efeito cascata, incidindo tributação sobre tributação, de forma que a base de cálculo do tributo da etapa posterior seja formada também pelo preço e valor agregado da etapa anterior, é que o ordenamento jurídico adota como princípio secundário e trazido como limitação não constitucional ao poder de tributar, o Princípio da Não Cumulatividade. Assim, segundo a lição de Baleeiro[63], é aplicada a regra do valor acrescido.

“Em cada operação nova, o imposto atinge apenas a diferença entre o seu valor e o da operação anterior. Este último constitui um ‘crédito’, que o contribuinte deduz do valor da operação atual, seja nas operações de industrial, abatendo as matérias-primas ou produtos semi-acabados, seja do retalhista, pagando um ou outro o tributo descontado do custo da mercadoria na venda que lhe fez o atacadista ou fabricante”

Logo, o regime da não-cumulatividade funciona com o substrato do crédito criado perante o fisco decorrente da operação anterior já ter sido tributada. A transferência do ônus anterior, dando-se sob a forma de substituição tributária, possibilita ao substituto o crédito posterior do valor recolhido a titulo de tributação substituída, sendo que o caso de obrigação secundária, como ocorre na responsabilidade por transferência, resta a possibilidade do agente da etapa posterior se creditar com o valor já pago pelo contribuinte anterior que já inseriu no valor total do negócio uma margem agregada representante do tributo recolhido.

Em tributação de impostos reais, como por exemplo, a representação do caso clássico do ICMS, considerando que a incidência tributária plurifásica gera várias etapas de tributação, e considerando ainda que quem vai suportar o ônus total da exação será o consumidor final, admitir, em um país cuja carga tributária beira os 40% da produção, a cumulatividade significaria ojeriza ainda mais acentuada que em relação à tributação atual. Quem sofrerá a repercussão jurídica do tributo é justamente consumidor final, pois a ele não sobejará a possibilidade de creditar-se do valor recolhido. Exatamente por esta razão, inobstante alguns doutrinadores optarem por negar a possibilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva incidindo sobre a tributação não-pessoal, restringindo à essencialidade a consideração da viabilização da capacidade contributiva nos impostos reais, é que terá a tributação se voltado para a capacidade contributiva do consumidor final contribuinte de direito, pois é ele quem arca com o ônus econômico do produto.

Neste momento, a discussão acerca da seletividade como instrumento viabilizador da capacidade contributiva se mostra quase que inexorável, valendo-se destacar que, considerando que finalmente é o consumidor final quem será considerado na adaptação do regime jurídico, e vislumbrando a figura do consumismo como agente fundamentador da seletividade, mister destacar que quando o negócio, se voltando para os impostos sobre o consumo, apresenta alto grau de prescindibilidade, culminando no ponto de ser considerado como supérfluo, baseado no sistema de alíquotas diferenciais, terá tributação diferenciada e, conseqüentemente, majorada. Baleeiro[64] considera que a mensuração da seletividade far-se-á segundo a utilidade marginal do bem, o que, por certo, é de máxima inteligência concluir. Inclusive, em ocasião anterior, instado o STF a se manifestar, proferiu entendimento no sentido de que entendia como inconstitucional a tributação sobre mercadorias essenciais diferente de alíquota zero justamente por caracterizar tributação consfiscatória, haja vista que se a grande maioria da população consome o produto, tributação, ainda que não excessiva, demandaria em gasto geral que poderia não ser suportada por grande maioria da população que vive abaixo da linha de pobreza.

Por fim, mister uma rápida abordagem acerca do Princípio da Praticabilidade na Arrecadação trazido por Sacha Calmon Navarro[65], na tentativa de justificar a constitucionalidade. Ele traça parâmetros de semelhança com o princípio da economia processual, portanto, regime de substituição seria constitucional, até por que atinge a efetividade, princípio tão festejado no ordenamento jurídico nacional.

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Praticabilidade da arrecadação é algo que não condiz com a substituição tributária. Pode até viabilizar uma exação mais rigorosa, todavia, torna-se fadado ao fracasso tal princípio. Não existirá aplicação sua, e sua efetividade, analisando pelo lado da substituição tributária, é zero.


4 - Restituição do Indébito quando da Presunção Majorada

Apesar da imprecisão de termos e equívocos redacionais do legislador, a Lei Complementar nº 87/96, sem embargo da inexistência de vínculo obrigacional, jurisdicizou a relação Estado e “substituído”, conferindo-lhe legitimidade “ad causam” para postular a repetição do indébito tributário no regime da substituição.

“Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

§ 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo.

§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.”

O referido dispositivo preencheu uma lacuna que há muito viciava a substituição tributária lhe inquinando de vício de constitucionalidade. A carência de vínculo jurídico entre os aspectos subjetivos ativo e passivo obrigado me parece sanada, ao menos em abordagem legal. Na eventualidade de perdimento da mercadoria sujeita à substituição tributária, como no caso de inutilização, sinistro, perda, roubo ou furto, antes restando os substitutos desamparados por não terem legitimidade ad causam para propor a repetição do indébito, carentes de titularidade legal para pleitear a restituição do imposto recolhido, não mais ocorrerá a sanção assinalada sem possibilidade de defesa e direito à restituição, com o advento do citado texto legal.

Hugo de Brito Machado Segundo[66] destaca a possibilidade de o substituído discutir a forma de tributação por substituição quando o fenômeno implicar em transferência de tributo indevido ou maior que o devido. A partir desta proposição e toda preparação desenvolvida, é permitido adentrar na polêmica mais acirrada da pesquisa em tela, qual sendo, a possibilidade de restituição do indébito recolhido previamente quando da presunção do fato gerador.   

O Código Tributário Nacional, Lei 5.172/66, garante, em seu art. 165, abaixo transcrito, que o sujeito passivo tem direito à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, inclusive em imprecisão no cálculo do montante devido.

“Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4 do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

O legislador constituinte distinguiu a restituição em caso de não ocorrência do fato gerador presumido da restituição em caso de ocorrência de fato gerador minorado em relação à presunção, esta pelas vias normais, na forma do art. 165 do CTN, aquela imediata e preferencial, na forma do art. 10 da LC 87/96, já citados.

No caso da restituição tributária ordinária, fará jus somente quem demonstre ter suportado o encargo financeiro, ou seja, como há inviabilidade do substituído pleitear restituição, somente poderá pleiteá-la o substituto desde que não tenha tido advento a próxima etapa da substituição, ocasião em que o substituto posterior rogar-se-á de todos os direitos do substituto anterior. A ciência da Súmula 546 do STF descamba neste sentido:

“Súmula 546. Cabe restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”

Quanto à restituição imediata e preferencial de que fala a Constituição Federal, a Lei Complementar 87/96 a fixa num prazo de até 90 (noventa) dias (art. 10, §1º). Ora, no prazo de 90 dias pode sobrevir alguma situação que cause qualquer mudança no crédito tributário, como um benefício fiscal ou mesmo uma penalidade tributária (ex. perdimento). Por certo, restituição essa vagarosa somente compromete e inviabiliza o cumprimento da exegese constitucional.

Com o decorrer do tempo, os Estados passaram a encontrar enormes dificuldades no atendimento aos pedidos de restituição feitos pelos contribuintes substitutos, que alegavam presunção majorada em relação à efetividade do fato gerador. A celeuma tomou vigor decorrente da impossibilidade de controle, pelo, Fisco,  sobre os valores que compunham, de fato, o fato imponível efetivo. Cumpre considerar, além disso, que os indébitos reclamados se avultaram, até acrescentados pela obrigação de pagamento de juros decorrente das cobranças dos indébitos, sendo que ps Estados já não tinham mais possibilidades de devolver os valores sob pena de grave comprometimento de seus orçamentos. Foi neste clima que o STF editou a Súmula nº 71:

 “Súmula 71: Embora pago indevidamente, não cabe restituição do tributo indireto.”

Buscando arrimo na Súmula sobreposta, o CONFAZ, Conselho com força normativa que reúne os secretários estaduais de fazenda, editou o Convênio ICMS nº 13/97, que, em sua cláusula segunda, interpretou a parte final do §7º do artigo 150 da Constituição Federal:

“Cláusula segunda. Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996”.

Inobstante a flagrante ofensa à regra matriz de incidência de Paulo de Barros Carvalho, no sentido de que foi separada a hipótese da conseqüência hipotética, a aplicação do Convênio passou a ser absoluta, servindo como lastro para vedação à referida repetição do indébito em todos os regulamentos de ICMS dos Estados conveniados. Somente São Paulo e Pernambuco não se tornaram signatários do referido convênio.

A Confederação Nacional do Comércio, em 2002, interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn contra a cláusula segunda do referido diploma. O Pleno do STF, julgando a Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade, deferiu a suspensão cautelar da eficácia da respectiva cláusula, conforme excerto do voto do relator da Adin, Ministro Ilmar Galvão:

“Salta aos olhos que o CONFAZ conferiu interpretação literal ao texto da norma do §7º do art. 150 da CF, ao prever a restituição do imposto pago tão-somente na hipótese de inocorrência da operação subseqüente, ou quando for esta realizada sob regime de isenção, dispensando-a nas hipóteses, supostamente mais freqüentes, de operações posteriores por valores abaixo ou acima do valor da base de cálculo presumida. Ao fazê-lo, é fora de dúvida que desnaturou, por completo, a norma do referido parágrafo 7º, que tem por essência assegurar a pronta restituição do tributo recolhido por antecipação e que, eventualmente, venha a mostrar-se indevido, o que, obviamente, ocorre não apenas na hipótese da cláusula primeira, mas também na da cláusula segunda que, por isso, não pode subsistir.”

O debate se estendeu até que o STF, em maio do mesmo ano, no julgamento da referida ADIN 1851, considerou constitucional aquela norma. Entendeu o Egrégio Tribunal que mais importante que a discussão técnica acerca da estrutura da hipótese normativa seriam os efeitos negativos decorrentes de eventual declaração de inconstitucionalidade do Convênio. Neste momento é quase imprescindível trazer à baila o excerto decisivo do voto do mesmo relator, Ilmar Galvão:

“não havia interesse jurídico em verificar posteriormente o tributo pago a maior ou a menor porque a finalidade do instituto da substituição tributária, por meio da presunção de valores, é justamente tornar viável o sistema de arrecadação do ICMS... Seria uma dificuldade enorme calcular o valor de cada operação realizada pelos inúmeros contribuintes”

Os Estados de São Paulo e Pernambuco, considerando a constitucionalidade declarada, resolveram posteriormente também instar o STF, mas, desta vez, com o intuito de que fossem declaradas inconstitucionais suas próprias normas internas, que prevêem a devolução de ICMS recolhido por substituição tributária para frente no caso de presunção majorada em relação à efetivação do fato gerador.

Tornou-se muito fácil tributar o sujeito passivo indireto de forma máxima, inviabilizando o negócio jurídico que deveria seguir, sendo que na próxima etapa se mostra inviável o negócio se viabilizar tendo o valor agregado representado incidência tributária muito majorada, por certo não suportável pela força produtora, comercial e consumidora do país. Realizando-se o negócio de maneira inferior à prevista na presunção, prejudicado restará o contribuinte que não terá como se ressarcir do indébito, e indene restará o fisco, pois laborou em impor tributação impagável que implicou na falência do sistema, sendo que já restava salvaguardado por este malsinado dispositivo jurídico já ratificado pelo STF conforme fora exposto acima.

Em caso de ocorrência do fato gerador em quantificação menor que a presumida, a comprovação depende de levantamentos contábeis-fiscais, envolvendo as entradas de mercadorias, a base sobre a qual foi efetuada a antecipação do imposto e também o valor relativo à sua efetiva venda, sendo por este motivo que esta restituição dá-se pelas vias normais, e não pela imediata e preferencial estabelecida no art. 150, §7º, da Constituição Federal, visto não ser de instantânea apuração e constatação.

A Constituição Federal, inclusive, não primou pela efetividade ao prescindir, em seu texto, da possibilidade de restituição quando do recolhimento a maior por conta da presunção ter-se operado de forma majorada em relação ao efetivamente ocorrido quando da consumação do fato gerador. Tal posição, sobrevalorizando somente a interpretação literal, tem, entre seus seguidores, Arnaldo Gomes de Matos[67]. A crítica é no sentido de que interpretação literal prevista no art. 111 do CTN não deve ser aplicada, sendo que a hipótese em deslinde não é consagrada pelo rol previsto neste dispositivo, assim, não seria caso de interpretação meramente literal. Há jurisprudência, inclusive, no sentido de que, na ocasião de restituição, cabe correção monetária, porém, esta ainda tem se revelado de forma tímida.   

A Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, conforme sua ementa, “dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias”, tendo sido celebrado o convênio mencionado em conformidade com o estabelecido nesta Lei Complementar.

Conseqüentemente, quando os Estados acordaram em não efetuar cobrança complementar quando a operação presumida ocorrer com valor superior ao presumido, concederam, dentro de sua competência, uma renúncia-benefício fiscal.

Essa renúncia fiscal não se apresenta representativa para os Estados, haja vista que os valores para fins de substituição tributária são fixados pelos próprios entes tributantes, sendo portanto perfeitamente possível fixar a pauta de tais valores em patamares similares aos efetivamente praticados no mercado.

Todavia, o fato de os Estados dispensarem a cobrança de eventuais diferenças a maior, provenientes de divergências entre valor presumido e efetivamente ocorrido na substituição tributária, não lhes permite apropriarem-se da eventual diferença a menor, quando o fato efetivamente ocorrido se dá em valor inferior ao presumido.

É exatamente esse o procedimento adotado por parte dos Estados, que não reconhecem o direito à restituição de ICMS caso o fato gerador ocorra com valor inferior ao presumido sob a alegação de que a renúncia concedida, em situações nas quais o fato gerador presumido ocorreu com valor superior ao presumido, lhe daria o direito a esta compensação.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Victor Hugo Reis. A substituição da sujeição passiva tributária e suas consequências jurídico-sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4291, 1 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31517. Acesso em: 25 abr. 2024.

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