RESUMO: Este trabalho apresenta, em matéria processual penal, o problema que envolve a formalização do inquérito policial via portaria ou auto de prisão em flagrante delito, com as seguintes indagações: Será feito em que local? Contra quem? Por quem? Como? Nesse contexto, destaca como questionamento – a competência ratione loci e o local da prisão em flagrante delito: validade jurídica à regra ou à exceção? Para tanto, vislumbra a competência ratione loci, como regra em relação a investigação criminal com subsequente ação penal e processo, e, ainda ressalta uma das exceções, o local da prisão em flagrante delito realizado em municípios ou comarcas diversas, dentro dos critérios legais e seguindo orientação doutrinária e jurisprudencial.
Palavras chaves: Procedimento investigatório. Autoridade Policial. Lugar da infração penal. Local da prisão em flagrante delito.
Sumário: 1.Introdução. 2. Procedimento Investigatório. 2.1. Inquérito Policial. 2.2. Auto de Prisão em Flagrante Delito. 2.3. Competência da Autoridade Policial. 3. Competência ratione loci. 4. Local da Prisão em Flagrante Delito.
1 INTRODUÇÃO
Este singelo artigo não tem o condão de se aprofundar sobre procedimento investigatório, competência e prisão em flagrante delito e suas hipóteses legais, mas servir de alerta nos trabalhos desenvolvidos em torno do tema, quanto a aplicação da legislação pertinente.
Uma vez que haja infringência da norma penal incriminadora com a ocorrência da conduta proibida por parte do(s) infrator(es), compete aos órgãos estatais constituídos, em cada ato jurisdicional, proceder a persecução penal, tendo em vista a reprimenda social e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido, sem discutir as teorias em torno da infração penal, quer seja crime ou contravenção penal, a doutrina dominante vislumbra ser o delito uma conduta típica, ilícita e culpável.
Como ultima ratio, o Direito Penal ao ter como foco de estudo a infração penal e sua respectiva autoria, sob os argumentos da trilogia criminal se depreende que o delito, nada mais é que, uma ação ou omissão humana adequada ao modelo legal como norma proibitiva, contrária ao direito e com juízo de reprovabilidade social incidente sobre o fato e o autor (NUCCI, 2009, p. 161).
Ocorrendo o delito, indaga-se: onde deve ser apurado? Por quem? Contra quem? E como?
Por envolverem questões de relevância social e jurídica, serão tratadas no decorrer do tema proposto.
Convém salientar que o Direito Penal nesse mister se socorre do Direito Processual Penal que compreende, em linhas gerais, o estudo do procedimento e do processo penal.
Assim, uma vez tentada ou consumada a conduta delitiva, o Estado, geralmente é chamado, para coibir tal conduta, com o objetivo de manter a ordem e a paz social. É o direito de punir do Estado – jus puniendi – que faz valer o seu direito através do processo, dirigindo-se ao Estado-juiz e a reclamar deste a sanctio juris (sanção penal).
Com o surgimento do delito torna imperativa sua persecução penal por parte dos órgãos estatais - a persecutio criminis – visando a tornar efetiva o jus puniendi resultante do crime para impor ao infrator a sanção penal adequada e de forma individualizada nos termos da lei.
O primeiro momento da persecução penal da ênfase ao procedimento investigatório – o inquérito policial via portaria ou auto de prisão em flagrante – a ser realizado pela autoridade policial no lugar da infração ou local da prisão efetivada na pessoa (s) do (s) infrator(es).
Nesse contexto, surge o questionamento sobre a validade jurídica de dois preceitos encontrados no mesmo diploma legal, a regra do artigo 70 – lugar da infração penal, ou a exceção prevista no artigo 290 – local da prisão em flagrante. Qual desse dispositivos prevalece. Assunto que adiante será bem abordado.
O segundo momento diz respeito a ação penal proposta pelo Parquet ou pela (s) pessoa (s) ofendida (s).
O terceiro momento, por sua vez, compreende o processo penal propriamente dito.
Quanto ao segundo e terceiro momentos serão vistos de passagem, pois, o tema aqui proposto dar especial enfoque ao momento inicial. Isto porque o objetivo deste trabalho visa mostrar e discutir problema que envolve a formalização do procedimento investigatório: será feito em que local? contra quem? por quem? E como? A resposta vem consolidada no ordenamento jurídico vigente do país.
Justifica-se o conteúdo pelas razões abaixo expostas, vez que, via de regra, prevalece a disposição do artigo 70 do Código de Processo Penal – lugar da infração – para apuração do fato criminoso e sua autoria através do inquérito policial presidido pela autoridade policial para subsidiar possível ação penal e subsequente, processo penal.
Por outro lado, maior razão assiste a exceção à regra, prevista no artigo 290 do mesmo diploma legal, utilizando critérios legais que justificam sua inteira aplicação, sem que isso venha conflitar as citadas disposições legais.
Seguem esse raciocínio, a doutrina e a jurisprudência dominante, bem como, o resultado da pesquisa em torno do tema proposto, onde dois critérios legais dão validade jurídica à regra do artigo 70 – lugar da infração – e à exceção prevista no artigo 290 – local da prisão em flagrante delito – ambos da lei adjetiva penal.
2 PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO
Antes de tudo, convém lembrar que o Direito Penal e o Direito Processual Penal, embora sejam ciências autônomas na dogmática jurídica, observa-se que, àquela se socorre desta na aplicação do Direito Penal objetivo (CAPEZ, 1999, p. 01). Ou seja, ao incidir a norma penal sobre o delito, cabem aos órgãos persecutórios a reprimenda social com vista a adequada aplicação da sanção penal.
Destarte, o Direito Processual Penal vem sendo definido como: “o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.” (MARQUES, 1997, p. 32).
Quanto a persecução penal, sua atividade é desenvolvida pelo Estado através de seus órgãos: a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Poder Judiciário.
É função precípua da Polícia Judiciária apurar as infrações penais e suas respectivas autorias, cabendo as Polícias Civil e Federal, como consagra a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB):
Art. 144 [...]
§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
[...]
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União;
[...]
§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL. CRFB/88.Vade Mecum, 2013, p. 52)
Nesse sentido, o Código de Processo Penal (CPP) dispõe:
Art.4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida mesma função. (BRASIL. CPP. Vade Mecum,2013, p. 607)
Há outras autoridades que exercem funções extrapoliciais, a exemplo de inquéritos policiais militares (IPM) pelas autoridades militares; investigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI); inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público, consoante o artigo 129, inciso III da Carta Política de 1988.
A persecutio criminis ocorre em dois momentos distintos: o da investigação e da ação penal. Esta compreende o pedido de julgamento da pretensão punitiva, ao passo que a investigação criminal se realizada por meio do inquérito policial que constitui atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo [1].
Proposta a ação penal pelo Ministério Público ou pelo ofendido, como direito de pleitear ao Poder Judiciário a aplicação da lei penal ao caso concreto, poderá ser instaurado o processo penal que dará ensejo a instrução criminal com subsequente julgamento pelo Magistrado.
Como bem acentua Manoel Barbosa (2008, p. 29), “a polícia investiga para o Ministério Público instaurar o processo penal; o juiz instrui a causa para construir sua decisão”.
Antes dessa fase processual, em regra, ocorre a investigação da notícia da infração penal pela Polícia Judiciária que elucidará os fatos por meio do inquérito policial.
Nesse diapasão, ressalta Wallkyria Carvalho a atuação policial na repressão e apuração do delito:
Em tempos de crescente e vertiginosa violência nas capitais brasileiras, a sociedade questiona o papel da polícia na repressão do crime. Trata-se de um trabalho em construção, que se inicia na investigação policial, transita pela elaboração da respectiva peça informativa – por vezes, o inquérito – e culmina com o relatório da autoridade policial [...] O momento mais importante na persecução criminal acontece no calor dos acontecimentos, exatamente quando, nos crimes que deixam vestígios, a autoridade isola o local do crime e toma providências para que nada seja alterado até a chegada da perícia [...] (Revista Prática Jurídica. Brasília-DF, ano VIII, nº 84, 30.mar/2009, p. 10).
2.1 Inquérito Policial [2]
Segundo a doutrina majoritária em matéria penal, configura-se o delito como sendo uma conduta humana típica, antijurídica e culpável. Outros penalistas como Basileu Garcia e Hungria acrescentam como característica a punibilidade, então rebatida por Julio Fabbrini Mirabete, que a considera como apenas uma consequência jurídica do delito (Apud MIRABETE, 1989, p. 98 e 100). [3]
Esse conceito tripartida e analítico de delito é bem explicado por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 161):
Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.
Com a incidência da norma penal sobre a pratica do fato típico, antijurídico e culpável perpetrado pelo (s) infrator(es), cabe a instauração do procedimento investigatório pela autoridade pública.
De acordo com a Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais, a infração penal de menor potencial ofensivo comporta o procedimento denominado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Salvo exceções previstas na legislação vigente, se for de maior ou médio potencial ofensivo, lavra-se inquérito policial por portaria ou auto de prisão em flagrante.
Uma vez noticiado o crime, e sendo este de ação penal pública, a autoridade competente deve baixar portaria como peça vestibular do inquérito policial para apurar o fato delituoso e sua respectiva autoria [4].
E, afinal, o que vem a ser o inquérito policial? Qual a sua natureza jurídica e a que fim se destina?
Sem delonga, Fernando Capez (1999, p. 64) traz no conceito de inquérito policial, sua natureza jurídica, finalidade e destinatários:
É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter administrativo instaurado pela autoridade policial. Tem como destinatários imediatos o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129, I), e o ofendido, titular da ação penal privada (CPP, art. 30); como destinatário mediato tem o juiz, que utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para formação do seu convencimento quanto à necessidade de decretação de medidas cautelares.
Na realidade, a polícia judiciária exerce atividade complexa desempenhada pela autoridade policial e seus agentes na investigação dos fatos, providenciando uma série de diligências, dentre elas, as previstas no artigo 6º do Código de Processo Penal, com o fim de colher indícios de provas que constituam a materialidade delitiva e a elucidação de possível autoria.
A quem entenda que o inquérito policial possui o caráter de pré-processo, como é caso do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Britto:
Nós sabemos que o inquérito policial nem é processo administrativo nem processo judicial, é pré-processo, um tertium genus. É uma terceira figura, uma terceira via de direito. Daí chamarmos muito até – eu nem gosto dessa expressão – de fase inquisitorial da investigação criminal. Não obstante, faz-se necessário salientar que a doutrina e jurisprudência majoritária defendem a natureza administrativa do inquérito policial. [5]
Em linhas gerais, o inquérito policial é o procedimento administrativo e pré-processual realizado pela autoridade policial para apurar a ocorrência de delito consumado ou na forma tentada e sua respectiva autoria, para subsidiar, subsequente ação penal, a ser promovida pelo Ministério Público ou pelo ofendido, que dará início ao processo penal presidido pela autoridade judicial.
O certo é que, tal procedimento, nos crimes de ação pública incondicionada, se inicia por portaria, nos moldes da lei adjetiva penal:
Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo
[...]
§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta,verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 607 - 608)
A doutrina e a jurisprudência entendem como condições de procedibilidade para instauração do inquérito policial, nos crimes de ação pública – a requisição do Ministro da Justiça e a representação do ofendido - de conformidade com o inciso II do supracitado artigo.
Nos crimes de ação penal privada, o procedimento é pautado no que preceitua o artigo 5º, § 5º do citado diploma legal. Até mesmo para a formalização do procedimento investigatório e prisão do infrator, há necessidade de manifestação da parte ofendida.
Sendo assim, o inquérito policial será instaurado para apurar o fato delituoso no lugar em que este se consumou ou no caso de tentativa, onde se cometeu o último ato de execução.
O sujeito dessa investigação criminal é o autor do delito e/ou quem com ele concorrer para a prática delitiva, podendo ser indiciado solto, ou seja, responderá em liberdade, pelo fato criminoso que é apontado, ou preso, por ordem judicial ou sem mandado de prisão. Nesta última situação, denomina-se prisão em flagrante delito, nos moldes legais.
Consoante Paulo Rangel (2007, p. 589) a prisão em flagrante delito exige para sua configuração, dois elementos imprescindíveis: atualidade e visibilidade. E desse modo, enfatiza:
A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somadas a atualidade e a visibilidade tem-se o flagrante delito.
2.1 Auto de Prisão em Flagrante Delito
O termo flagrante deriva do latim flagrans, flagrantes, do verbo flagrare que significa queimar, está em chamas, cuja expressão evidencia atualidade e visibilidade do fato delituoso [6].
Convém trazer à baila, mais uma vez, os ensinamentos de Paulo Rangel (2007, p. 589):
A regra é a liberdade, a prisão é a exceção. Assim, esta somente se justifica com o objetivo de se restabelecer a ordem jurídica que foi violada com o comportamento nocivo do autor do fato. Trata-se de um mal necessário, que tem como escopo atender ao interesse público de manutenção da paz e da ordem. Sacrifica-se um bem menor (a liberdade de locomoção) em detrimento de bem maior (a paz social). A prisão em flagrante tem como fundamentos: evitar a fuga do autor do fato; resguardar a sociedade, dando-lhe confiança na lei; servir de exemplo para aqueles que desafiam a ordem jurídica e acautelar as provas que, eventualmente, serão colhidas no curso do inquérito policial ou na instrução criminal, quer quanto à materialidade, quer quanto à autoria.
Como exceção ao jus libertatis, a prisão consiste na privação da liberdade da pessoa humana, no cerceamento de seu direito de ir e vir, uma vez que é levada ao cárcere, em razão da prisão-pena ou da prisão sem pena, também chamada por Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 31) como prisão cautelar, o qual faz a seguinte distinção:
[...] A prisão-pena advém da imposição de sentença condenatória, com trânsito em julgado. A prisão cautelar é fruto da necessidade de se obter uma investigação ou instrução criminal produtiva, eficiente e livre de interferências. Embora ambas provoquem a segregação do indiciado ou acusado, a primeira constitui efetiva sanção penal; a segunda não passa de uma medida de cautela, com o fim assegurar algo. Não é um fim e sim um meio. Constituem espécies de prisão cautelar, quanto ao momento da decretação: a) prisão temporária; b) prisão em flagrante; c) prisão preventiva; d) prisão em decorrência de pronúncia; e) prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível; f0 condução coercitiva do réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia [...].
Desse modo, a prisão em flagrante delito se apresenta ora como “espécie de autodefesa do próprio ordenamento jurídico” (TOURINHO FILHO, 1986, p. 37) ora como uma das “modalidades de prisão sem pena, de interesse processual [...]” (CUNHA; PINTO, 2008, p. 191).
Ocorrendo a prática delitiva ou iniciado os atos executórios, há possibilidade de prisão, conforme as disposições legais abaixo descritas:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (BRASIL. CRFB/88.Vade Mecum, 2013, p. 8 - 10)
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 629)
Por autorização constitucional comporta prisão com ou sem mandado judicial, como modalidades de privação da liberdade de natureza cautelar e processual. A primeira prevê ordem escrita e fundamentada pela autoridade judicial competente e a segunda, denominada prisão em flagrante delito, pode ser efetivada por qualquer pessoa ou deverá ser efetuada pela autoridade pública, sem haver necessidade de mandado judicial, dentro dos critérios legais, e asseguradas constitucionalmente as garantias e os direitos a ela inerentes [7].
Quanto a prisão em flagrante delito, aduz Fernando Capez (1999, p. 217):
É, portanto, medida restritiva da liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independente de ordem escrita do juiz competente, de quem é surpreendido cometendo, ou logo após ter cometido, um crime ou uma contravenção [...].
A prisão em comento, nada mais é que a privação do direito de locomoção decorrente da situação flagrancial, a qual impede o exercício do direito de ir e vir previsto na Constituição pátria. E uma vez autorizada como prisão atual e visível nos termos da lei, comporta a confecção do denominado auto de prisão em flagrante.
O auto de prisão em flagrante é um documento elaborado pelo Delegado de Polícia em que constam todas as circunstâncias do delito e da prisão do (s) infrator (es), como define a lei processual penal, a saber:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.
Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 631)
Na realidade, o artigo 301 em tela, legitima os responsáveis pela prisão do(s) autor(es) da infração penal. Daí se falar em flagrante facultativo, em que o cidadão agirá, caso assim o faça, no exercício regular do direito.
Já o artigo 302 do estatuto processual penal, traz as hipóteses legais de prisão em flagrante delito. Dessa forma, há de se falar em flagrante necessário, a ser realizado pelas autoridades policiais e seus agentes, no estrito cumprimento do dever legal.
O artigo 303 do mesmo estatuto trata de infrações permanentes que configuram estado de flagrância enquanto não cessar a permanência delitiva, a exemplos de sequestro e cárcere privado, e a de redução à condição análoga à de escravo, respectivamente, previstos nos artigos 148 e 149, ambos do Código Penal [8].
Por sua vez, o artigo 304 da lei adjetiva penal menciona a formalização do auto de prisão em flagrante delito.
Norberto Avena (2009, p. 780) faz uma síntese das modalidades flagranciais:
Flagrante próprio (art. 302, II): a expressão ‘acaba de cometê-la’ tem sentido de absoluta imediatividade, inocorrendo qualquer espaço de tempo entre o início dos atos de execução ou consumação da infração penal e o momento em que o agente é surpreendido por terceiros. Flagrante impróprio (art. 302, III): a expressão ‘logo após’ tem sentido de relativa imediatividade entre a consumação da infração e o início dos atos de perseguição. Compreende-se, enfim, o tempo necessário para que sejam adotadas as primeiras medidas visando à descoberta do crime, à identificação de seu autor e às providências iniciais de perseguição. Flagrante presumido (art. 302, IV): a expressão ‘logo depois’ permite o decurso de hiato temporal superior ao do flagrante impróprio entre a prática do delito e o momento em que localizado o agente.
Com relação ao flagrante propriamente dito não há sombra de dúvida, vez que a prisão deve ocorrer imediatamente após a consumação do crime, sem intervalo temporal, em razão do delito está acontecendo ou acaba de cometê-lo. O problema se manifesta nas expressões “logo após” e “logo depois” das demais hipóteses de flagrante delito.
Qual a diferença entre as expressões “logo após” e “logo depois” acentuadas nas hipóteses legais de flagrantes?
Para a doutrina, a primeira corresponde ao flagrante impróprio ou quase flagrante, ao passo que a segunda, diz respeito ao flagrante presumido [9].
O flagrante impróprio ou quase flagrante previsto no inciso III do artigo 302 do Código de Processo Penal, ocorre, desde que haja perseguição imediata e contínua ao apontado autor da infração penal por parte de policiais, ofendidos ou por qualquer pessoa, em situação que o faça presumir ser o autor do delito. Daí a expressão ‘logo após’ compreender, segundo as lições de Fernando Capez (1999, p. 217-218), “todo o espaço de tempo necessário para a polícia chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e dar início à perseguição do autor [...]”.
Com relação ao flagrante presumido ou ficto inserto no inciso IV do artigo em questão, evidencia-se quando o suposto autor é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor do delito. Não há de se falar em perseguição, posto que, eventualmente, o suposto autor foi encontrado, depois da prática delitiva, com os objetos diretamente relacionados ao evento criminoso.
Para Capez (1999, p. 218): “Embora ambas as expressões tenham o mesmo significado, a doutrina tem entendido que o ‘logo depois’, do flagrante presumido, comporta um lapso temporal maior que o ‘logo após’, do flagrante impróprio [...]”.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a expressão ‘logo depois’, constante no inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal, deve ser lida como tempo razoável, não havendo cogitar, pois, em intervalo temporal fixo a configurar o estado de flagrância” (BRASIL. STJ - HC 49898 SE 2005/0189024-1, rel.: Min. Hamilton Carvalhido, 2008).
Outro posicionamento jurisprudencial assim pondera:
[...] o legislador ainda que não tenha fixado um lapso temporal nas expressões “logo após” e “logo depois”, só se legitimam se o autor do ilícito da ação tiver sido perseguido, logo após, ou encontrado, logo depois, quase que incontinenti a realização típica, com os instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser o autor do ilícito penal (BRASIL. TJ-RJ – EI: 2 RJ 1996.054.00002, Rel: Des. Álvaro Mayrink da Costa, 1996).
Outras modalidades flagranciais são denominadas pela doutrina como flagrante retardado, preparado, forjado e esperado.
O flagrante retardado (diferido ou protelado) como o próprio nome assim o define, consiste em retardar a prisão em flagrante para obter melhor os meios de prova e procedimentos investigatórios sobre ilícitos decorrentes de ações cometidas por quadrilha ou bando, ou organizações ou associações. Tais ações criminosas estão previstas no artigo 2º da Lei nº 9.034/95 e no artigo 53, § 2º da Lei 11.343/06.
Em sede de HC 1748-GO, o Superior Tribunal de Justiça faz a distinção entre flagrante preparado, forjado e esperado, assim se pronuncia:
HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE AUTORIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. FLAGRANTE PROVOCADO, FORJADO E PREPARADO. ENUNCIADO Nº 145 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE ÀS HIPÓTESES DE FLAGRANTE PREPARADO. MATERIALIDADE. RESPONSABILIDADE PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. [...]. 2. Não há confundir flagrante preparado, forjado e esperado. No primeiro, "o agente é induzido à prática de um crime pela 'pseudo vítima', por terceiro ou pela polícia, no caso chamado de agente provocador"; no segundo, "os policiais ou particulares 'criam' provas de um crime inexistente"; já no terceiro, "a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração, e que procura colher a pessoa ao executar a infração (...), quer porque recebeu informações a respeito do provável cometimento do crime, quer porque exercia vigilância sobre o delinquente." (in Processo Penal, Julio Fabbrini Mirabete, Editora Atlas, 5ª edição, 1996, páginas 371/373). 3. [...] 6. Ordem concedida para desconstituir o auto de prisão em flagrante. (BRASIL. STJ - HC: 17483 GO 2001/0086758-7, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, 2002 p. 568)
Os flagrantes retardado e esperado são perfeitamente legais, ao passo que os flagrantes preparado e forjado não são admissíveis no ordenamento jurídico brasileiro. A preparação torna atípica a conduta embora tenha ocorrido o fato criminoso, No forjado, como o próprio nome assim se revela, o suposto autor não cometeu qualquer conduta criminosa.
Nestas duas modalidades flagranciais, Fernando Capez (1999, p. 219-220) explicita e exemplifica:
[...] Assim, podemos dizer que existe flagrante preparado ou provocado quando o agente, policial ou terceiro, conhecido como provocador, induz o autor à prática do crime, viciando a sua vontade, e, logo em seguida, o prende em flagrante. Neste caso, em face da ausência de vontade livre e espontânea do infrator e da ocorrência de crime impossível, a conduta é considerada atípica. Essa é a posição pacífica do STF, consubstanciada na Súmula 145: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a consumação” [...] Flagrante forjado (também chamado de fabricado, maquinado ou urdido): nesta espécie, os policiais ou particulares criam provas de um crime inexistente, colocando, por exemplo, no interior de um veículo substância entorpecente. Neste caso, além de, obviamente, não existir crime, responderá o policial ou terceiro por crime de abuso de autoridade.
Segue o mesmo entendimento Norberto Avena (2009, p. 788 e 789) com referência a essas modalidades flagranciais.
Em razão de disposições constitucionais e infraconstitucionais haverá restrições na prisão em flagrante de alguns agentes políticos e profissionais.
Nesse contexto, não estão sujeitos à prisão:
a) o Presidente da República, nos crimes comuns, enquanto não sobrevier sentença condenatória (CRFB/88, art. 86, § 3º);
b) aqueles que gozam de imunidade diplomática (art. 29 do Decreto nº 56.435/65, que promulgou a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas);
c) autor de delito de transito na forma culposa, desde que tenha prestado socorro à vítima (art. 301, do Código de Trânsito Brasileiro);
d) infrator que se apresenta espontaneamente perante a autoridade;
e) infrator de menor potencial ofensivo, salvo se recusar a assumir o compromisso de ir a juízo (Lei 9.099/95, art. 69, parágrafo único).
Outros só poderão ser presos em delitos inafiançáveis como é o caso dos senadores, deputados federais, estaduais e distritais (CRFB, art. 53, §2º; art. 27, §1º; art. 32, §3º), magistrados (Lei Complementar nº 35/79, art. 33, inc. II), promotores (Lei nº 8.625/93, art. 40, inc. III) e advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, § 3º) e no caso de agentes consulares, estes, de acordo com o Decreto nº 61.078/67, só possuem imunidade em relação aos crimes funcionais [10].
Essas prerrogativas e imunidades desses agentes políticos sustentam procedimento especial em matéria processual penal, inclusive, o artigo 295 do CPP permite em muito dessas situações - prisão especial. Esta tem sido assunto polêmico no meio social e jurídico, com probabilidade de ser banida ou restringir-se a situações específicas. Em vista disso, foi criada uma comissão de juristas encarregados de preparar anteprojeto de reforma do CPP. [11]
Com o advento da Lei 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal, no artigo 310 (e seus incisos além do seu parágrafo único), veio estabelecer que o juiz, recebendo o auto de prisão em flagrante delito, fundamente sua decisão, adotando uma dessas medidas: relaxamento da prisão ilegal, conversão da prisão em flagrante em preventiva, ou concessão com ou sem fiança de liberdade provisória. O decisum se consubstancia nos termos do art. 93, inciso I da Lei Maior.
Interpretam dessa maneira, a doutrina amplamente comentada e a reiterada jurisprudência, a exemplo do julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 17/04/2012, tendo como relator, o Ministro Gilson Dipp [12].
De qualquer forma, o procedimento investigatório iniciado por auto de prisão em flagrante ou por portaria para apurar o delito perpetrado pelo autor e/ou por quem concorra para tal fim, deve ser presidido pela autoridade pública. E quem é essa autoridade competente?
Salvo as exceções previstas no ordenamento jurídico do país, compete a autoridade policial proceder ao inquérito policial, seja por portaria seja por auto de prisão em flagrante delito.
2.1Competência da Autoridade Policial
Nos termos do artigo 144, § 4º da Carta Magna, incumbe a autoridade policial a função de Polícia Judiciária e de presidir o inquérito policial a ser instaurado mediante portaria ou auto de prisão em flagrante para elucidar a notitia criminis.
Quanto ao procedimento investigatório instaurado pelo Delegado de Polícia, convém salientar:
Destina-se o inquérito policial, ao minudente registro legal e formal de toda investigação por um profissional de sólido conhecimento jurídico, comprovado em concurso público, submetendo as diligências empreendidas pela polícia judiciária aos mecanismos de controle constitucionais processuais penais, como garantia dos direitos dos cidadãos investigados. (BARBOSA, 2008, p. 30) (grifo nosso)
A bem da verdade, é que, sem mandado judicial, compete a autoridade policial proceder ao auto de prisão em flagrante, uma vez se convencendo de que haja indícios de infração penal com a respectiva autoria definida. E a respeito desse agente público – a autoridade policial - convém salientar, sucintamente, o seu mister dentro do ordenamento jurídico em vigor em nosso país.
Na escala hierárquica das leis, há previsão:
a) Na Constituição brasileira de 1988 – artigo 5º, incisos XI, LXI, LXII, LXIII, LXVI; artigo 37, incisos I, II, XI, XV e XVI; artigo 144, inciso IV e § 4º.
b) Nas leis infraconstitucionais, tais como:
1) Código de Processo Penal – artigos 4º e seguintes;
2) Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) – artigos 106 a 111;
3) Lei 9.034/95 (Combate ao Crime Organizado);
4) Lei 9.099/95; artigo 69;
5) Lei 11. 340/06 (Lei Maria da Penha) – artigos 10 a 12;
6) Lei 11.343/06 (Lei Antidrogas), artigos 48, 50 a 53;
7) Lei 12.403/11, alterou o artigo 322 do Código de Processo Penal;
8) Lei 12.830/12 (Investigação Criminal), dentre outras.
Em linhas gerais, todas estabelecem a competência, as atribuições e os encargos da autoridade policial, a mais recente, a Lei 12.830/12 estatui:
Art.1º. Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstancias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
(...)
§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstancias.
Art. 3º. O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.(...) (BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre investigação criminal presidida pelo delegado de polícia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 jun.2013).
Esses provimentos legislativos dão ênfase à atividade jurisdicional do Delegado de Polícia.
Com clareza, Fabrício de Santis (2013) comenta o citado diploma legal:
Assim, deve o Excelentíssimo Sr. Dr. Delegado de Polícia, em verdade, fato agora reforçado pelo advento da Lei 12.830/2013, lançar nos autos de persecução criminal sua decisão de indiciamento fundamentada, conforme art. 2º, §6º, do mesmo diploma, em Inquérito Policial, mediante instauração de Portaria nesse sentido, lavratura de Termo Circunstanciado ou de Auto de Prisão em Flagrante. Afinal, s.m.j, aqueles profissionais do Direito que ‘opinam’ em processos são os dignos integrantes do Ministério Público (por meio de cotas, manifestações, etc), já que nada presidem legalmente em aspecto criminal, cabendo aos delegados de polícia “decidir”, ao final da investigação criminal que presidem, se indiciam ou não os suspeitos pela prática de crime, assim como aos juízes cabem “decidir”, ao final dos processos que presidem, se condenam ou não réu devidamente denunciado pelo ‘parquet’. E tudo isso deverá ser fundamentado, conforme se observa das diretrizes Constitucionais e legais, furto da nova tendência garantista que converge ao inquérito policial atualmente.
Celso de Bastos considera que “todos os delegados são bacharéis em direito, como os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, das Procuradorias e Defensorias” (BASTOS; MARTINS. Apud HUDSON, 2013), enquadrando-os como carreiras jurídicas, e ainda, citando José Afonso da Silva, faz o seguinte comentário:
Todas elas são carreiras jurídicas – preleciona José Afonso da Silva - primeiro porque exigem formação jurídica como requisito essencial para que nelas alguém possa ingressar; segundo porque todas têm o mesmo objeto, qual seja: a aplicação da norma jurídica; terceiro porque, por isso mesmo, sua atividade é essencialmente idêntica, qual seja, a do exame de situações fáticas específicas, emergentes, que requeiram a solução concreta em face da norma jurídica, na busca de seu enquadramento nesta, o que significa a subsunção das situações de fato na descrição normativa, operação que envolve interpretação e aplicação jurídica, campo essencial comum que dá o conceito dessas carreiras.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza jurídica da atividade exercida pelo Delegado de Polícia, no julgamento da ADIN n° 3.460, em que foi Relator o Ministro Carlos Ayres de Britto, que assim se manifestou:
Há exceções, reconheço, nesse plano do preparo técnico para a solução de controvérsias. E elas estão, assim penso, justamente nas atividades policiais e nas de natureza cartorária. É que a Constituição mesma já distingue as coisas. Quero dizer: se a atividade policial diz respeito ao cargo de Delegado, ela se define como de caráter jurídico. (...) Isto porque: a) desde o primitivo §4º do artigo 144, da Constituição, que o cargo de Delegado de Polícia é tido como equiparável àqueles integrantes das chamadas carreiras jurídicas (...). (BRASIL. STF – ADIN 3.460, rel. Min. Carlos Britto, 2006)
Por força de mandamento constitucional, Bruno Zanotti e Cleopas Santos comungam da ideia de que os procedimentos investigatórios presididos pela autoridade policial devem ser fundamentados:
O Delegado de Polícia atua diretamente na restrição de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e, seja na lavratura do auto de prisão em flagrante, seja para instrução do inquérito policial, a fundamentação das decisões que toma deve ocorrer em todos os atos [...] No âmbito constitucional, esta obrigatoriedade decorre, primeiramente, da regra da liberdade (art. 5º, caput, e incs. XV e LXI, da CF) bem como da exigência de fundamentação dos atos jurisdicionais (art. 93, incs. IX e X da CF). Desse modo, as decisões que restrinjam, ou possam restringir, direitos fundamentais do imputado, devem ser fundamentadas [...] Essa fundamentação deve ser compreendida como o substrato inaugural para o futuro regular exercício do contraditório e da ampla defesa. (ZANOTTI; SANTOS, 2013, p. 87/242 e 244, grifo do autor)
Desse modo, cabe ao Delegado de Polícia além de outras atribuições previstas no ordenamento jurídico, instaurar o inquérito policial ou presidir o auto de prisão em flagrante em desfavor do(s) infrator (es).
Assim, esse operador do direito deve fundamentar sua decisão, primeiro, em obediência implícita ao mandamento constitucional previsto no artigo 93, inciso I, e segundo, de conformidade com o artigo 2º, § 6º da Lei nº 12.830/12.
E nessa linha de raciocínio, é que surge, a questão da competência na elaboração do inquérito policial ou da lavratura do auto de prisão em flagrante, presidido pelo Delegado de Polícia e delimitada a sua circunscrição territorial.