Uma crônica
Novos Pesadelos InformáticosJoão Ubaldo Ribeiro
Outro dia, uma revista me descreveu como convicto “tecnófobo”, neologismo horrendo inventado para designar os que têm medo ou aversão aos progressos tecnológicos. Acho isso uma injustiça. Em 86, na Copa do México, eu já estava escrevendo (aliás, denúncia pública: este ano não vou à França, ninguém me chamou; acho que fui finalmente desmascarado como colunista esportivo) num computadorzinho arqueológico, movido a querosene, ou coisa semelhante. Era dos mais modernos em existência, no qual me viciei e que o jornal, depois de promessas falsas, me tomou de volta. Tratava-se de coisa finíssima. O modem, por exemplo, era uma espécie de desentupidor de pia, que se fixava no telefone e que fazia aparecer do outro lado os piores bestialógicos imagináveis. Mas éramos felizes com ele.
Já no final de 86, era eu orgulhoso proprietário e operador de um possante Apple IIE (enhanced), com devastadores 140 kb de memória, das quais o programa para escrever comia uns 120. Mas eu continuava feliz, com meu monitor de fósforo verde e minha impressora matricial Emilia, os quais se transformaram em atração turística de Itaparica, tanto para nativos quanto para visitantes. Que maravilha, nunca mais ter de botar papel carbono na máquina ou ter de fazer correções a caneta — e eu, que sempre fui catamilhógrafo, apresentava um texto mais sujo do que as ruas da maioria de nossas capitais. Havia finalmente ingressado na Nova Era, estava garantido.
Bobagem, como logo se veria. Um ano depois, meu celebrado computador não só me matava de vergonha diante dos visitantes, como quebrava duas vezes por semana e eu, que não dirijo, pedia à minha heróica esposa que o levasse a Salvador, poderosíssima razão para minha conversão pétrea à indissolubilidade do matrimônio. E ai entrei na roda-viva em que hoje, mais ou menos irremediavelmente, me encontro. Já disse aqui que, no meu tempo, tudo o que o sujeito precisava para ser escritor ou jornalista eram um lápis, uma canetinha ou uma máquina de escrever. Hoje não, hoje o sujeito tem de aprender algumas coisas de novo toda semana, sob o risco de se ver desempregado, ou ridicularizado por amigos sem piedade.
Olho assim em torno, todos os meus amigos são micreiros. Basta dizer que sou amigo da Cora Rónai e do Gravatá. Todo mundo que conheço é plugado na Internet e conversa em termos incompreensíveis. A turma do Casseta e Planeta é micreira. Millôr Fernandes é micreiro. Todo mundo é micreiro. Só quem não é micreiro, que eu me lembre assim, é o festejado poeta Geraldo Carneiro, que não sabe nem numerar as páginas de seu texto a imprimir (habilidade que eu tenho, embora precariamente). Assim mesmo, em delírios paranóicos, às vezes suspeito que ele, conhecido por saber tudo, finge ignorância informática por caridade comigo. Não se pode confiar em ninguém, hoje em dia. Mas ganhei um computador novo! Fui dormir felicíssimo, pensando em meu lapetope de última geração, cheio de todas as chinfras. Mas tudo durou pouco, porque um certo escritor amigo meu me telefonou.
— Alô! — disse o Zé Rubem do outro lado.
— Você tem tempo para mim? Digo isso porque, com seu equipamento obsoleto, não deve sobrar muito tempo, além do necessário para almoçar apressadamente.
— Ah-ah! — disse eu. — Desta vez, você se deu mal. Estou com um lapetope fantástico aqui.
— É mesmo? — respondeu ele. — Pentium II?
— Xá ver aqui. Não, Pentium simples, Pentium mesmo.
— Ho-ho-ho-ho! Ha-ha-ha-ha! Hi-hi-hi hi!
— O que foi, desta vez?
— Daqui a uns quatro meses, esse equipamento seu estará completamente obsoleto. Isso não se usa mais, rapaz, procure se orientar!
— Como não se usa mais? Todos os micreiros amigos meus têm um Pentium.
— Todos os amigos, não. Eu, por exemplo, tenho um Pentium II. Isso… Ninguém tem Pentium II!
— Eu tenho. Mas não é grande coisa, aconselho você a esperar mais um pouco.
— Como, não é grande coisa? Entre todo mundo que eu conheço é só você tem um e agora vem me dizer que não é grande coisa.
— Você é um bom escritor, pode crer, digo isto com sinceridade. Quantos megahertz você tem nessa sua nova curiosidade?
— 132.
— Hah-ha-ha! Ho-ho-hihi!
— Vem aí o Merced, rapaz, o Pentium7, não tem computador no mercado que possa rodar os programas para ele.
— E como você fica ai, dando risada?
— Eu já estou com o meu encomendado, 500 megahertz, por ai, nada que você possa entender.
— Mas, mas…
Acordei suando, felizmente era apenas um pesadelo. Meu amigo Zé Rubem, afinal de contas, estaria lá, como sempre, para me socorrer. Fui pressuroso ao telefone, depois de enfrentar mais senhas do que quem quer invadir os computadores do Pentágono.
— Alô, Zé! Estou de computador novo!
— Roda Windows 98? Tem chip Merced?
— Clic — fiz eu do outro lado.
O texto acima foi extraído do jornal “O Globo”, onde o autor colabora aos domingos.
Uma pergunta
A tecnologia que você usa hoje no seu escritório é útil?
Uma reflexão
Se você não sabe pra que serve, se não usa há tempos para nenhuma finalidade, se realmente tem pra bonito, porque ter?
Dentro do negócio, tecnologia deve ser útil, inteligente, gerar indicadores, trazer soluções e minimizar o tempo com tarefas repetitivas, posto que isto a máquina faz bem.
Deixamos o pensar para o ser humano e o repetitivo para a máquina.
A tecnologia, neste prisma, é útil?
Se não for, use aquilo que realmente vale a pena. O resto é bobagem.