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O anteprojeto do novo Código Penal como eficaz instrumento de política pública

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18/09/2014 às 14:18
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3 – O NOVO REGIME DE EXECUÇÃO DE PENA PREVISTO NO ANTEPROJETO.

3.1 – O regime inicial de cumprimento da pena no anteprojeto.

Tentando mostrar sintonia com os anseios da sociedade, que vê a legislação penal como a grande culpada pelo aumento da criminalidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, o legislador do anteprojeto fez uma reforma substancial na questão da execução da pena, tornando-a mais severa, principalmente para os condenados reincidentes.

Atualmente, o primeiro critério para fixação do regime inicial é a tipo de pena privativa de liberdade prevista pelo crime, critério este que desaparece no anteprojeto, pois as penas de reclusão e detenção deixam de existir, dando lugar à pena de “prisão” unicamente. Esta “unificação” já mostra a intenção de endurecimento do sistema pelo legislador, pois atualmente um condenado por crime de detenção quase nunca inicia o cumrimento da pena, exceção feita a critério do julgador e mediante motivação idônea, nos termos da Súmula 719 do STF.

Outra amostra de que o legislador pretende utilizar a execução da pena como política de segurança pública está no fato de que todos os reincidentes, independente da gravidade do crime cometido ou da pena aplicada iniciará seu cumprimento no regime fechado, situação que atualmente não se verifica se o condenado for apenado com até 4 anos, independentemente se for de reclusão ou detenção.

Verdadeira inovação é a obrigatoriedade do regime fechado no caso de condenação por crime em que tenha havido o emprego de violência e/ou grave ameaça, previsão inexistente atualmente, pois condenados por esta espécie de crime, dependendo do tempo de pena imposta e outras circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do atual Código Penal, pode iniciar a execução até mesmo no regime aberto.

Tal previsão claramente é uma tentativa do legislador em dar uma resposta à sociedade, que cobra do Estado uma resposta ao crescente número de roubos e principalmente aos latrocínios, crimes que acabam tendo grande cobertura jornalística e que causam comoção social e clamor social pela punição exemplar ao seus autores.

Em contrapartida, este dispositivo pode agravar ainda mais a questão da superpopulação carcerária, pois segundo o DEPEN, dos 548 mil presos do país, 113.235, ou seja, 20% de toda a população carcerária cometeu o crime de roubo ou latrocínio, sendo que pela legislação atual, caso o tenha cometido o crime de roubo e não seja reincidente, muito provavelmete iniciará o cumprimento da pena no regime semi-aberto, o que não será possível caso o anteprojeto entre em vigência, obrigando o Estado a aumentar o número de vagas, já que a eventual diminuição de presos em virtude de condenação por furto não será suficiente.

Por fim, cabe lembrar que o fato do crime ser hediondo ou assemelhado não influi na fixação do regime inicial, tanto na ordem jurídica atual quanto na prevista pelo anteprojeto.

3.2 – A reforma da execução penal prevista no PLS 236/2012.

Como não poderia ser diferente, o anteprojeto além de tornar o regime inicial de cumprimento da pena mais severo também altera as disposições referentes à execução da pena, tornando a progressão de regime mais difícil aplacando uma das críticas mais utilizadas pelos que acham que o sistema penal atual é ineficaz.

Atualmente a progressão de regime é regulado pelo artigo 112 da Lei de Execuções Penais, que prevê que o condenado pode passar para o regime imediatamente menos rigoroso quando houver cumprido 1/6 da pena no regime atual. A única exceção se dá em relação aos crimes hediondos, nos quais se faz necessário o cumprimento de 2/5 da pena se primário e 3/5 da pena se reincidente, para progressão de regime.

Ou seja, caso o crimonoso seja condenado por um roubo, crime mais comum dentre os condenados, e que não é considerado crime hediondo, seu agente estará no regime aberto após ter cumprido apenas 1/3 da pena.

Tal situação muito se agrava se verificarmos o disposto no artigo 47 do anteprojeto, que prevê a necessidade de 1/3 de cumprimento da pena para progressão de regime no caso de condenados por crime cometido com o emprego de violência e/ou grave ameaça. Ou seja, para chegar ao regime aberto, o condenado demorará o dobro do tempo hoje necessário.

O reincidente também terá sua progressão de regime dificultada, pois atualmente, exceto se praticar crime hediondo, seguirá a regra geral de cumprimento de apenas 1/6 da pena. Entretanto, nos termos do anteprojeto, o reincidente precisará cumprir, no mínimo, 1/3 da pena ou, se for reincidente em crime violento ou com grave ameaça, ou ainda em crime que causa grave lesão à sociedade[12], deverá cumprir ½ da pena para progredir de regime, ou seja, jamais chegará ao regime aberto, pois ao conseguir cumprir o tempo necessário, este confundir-se-á com o total da pena.

No caso do crime hediondo, seguindo a regra geral, a situação do condenado também se agrava, pois se primário, deverá cumprir metade da pena – e mais uma vez jamais conseguirá chegar no regime aberto – ou 3/5 se reincidente, mantendo-se, neste caso, a privisão legal atual.


CONCLUSÃO

O PLS 236/2012, também conhecido como novo Código Penal trata-se, primeiramente, de uma grande reforma no ordenamento jurídico penal pátrio, pois além das matérias já tratadas no diploma legal atual, regula matérias hoje previstos em legislação extravagente, como o estatuto do desarmamento, a lei de drogas, os crimes de trânsito e a lei de abuso de autoridade.

O anteprojeto ainda mostra-se compatível com a realidade social, pois passa a regular os delitos cibernéticos, criminalidade de difícil combate por falta de previsão legal; tipifica ainda os delitos cometidos por torcidas organizadas, além de tornar mais severas as penas aplicadas àqueles que praticam crimes de trânsito estando sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos.

O anteprojeto também cria uma ferramenta capaz de contribuir para o enxugamento de processos que assolam o Poder Judiciário, a barganha, na qual o Ministério Público e o acusado fazem um acordo abrindo mão da dilação probatória e do julgamento. Entretanto, tal instituto, se mau utilizado, pode resultar em supressão de direitos fundamentais do acusado, principalmente o devido processo legal e a presunção de inocência, bem como causar um desequilíbrio de forças dentro do processo, pois o julgador fica totalmente alijado da negociação, não podendo negá-lo caso entenda que a medida é inaquada ao caso concreto, ou seja, o acordo de vontades entre o Ministério Público e o defendor do réu, seja ele justo ou de acordo com o conjunto probatório, ou não, é soberano.

Contudo, o anteprojeto mostra que o Estado brasileiro manterá a fórmula utilizada até hoje como combate à criminalidade, o encarceramento, tática que não mostra-se eficaz, ao menos nos moldes atuais, pois muito embora possua a quarta maior média de pessoas presas em relação ao total de habitantes do mundo, basta uma rápida olhada nos noticiários diários ou uma conversa com amigos para perceber que os índices de criminalidade não param de subir.

Muito embora mantenha o encarceramento como política pública de segurança pública, o anteprojeto prevê ajustes interessantes ao ordenamento jurídico atual, como a positivação do princípio da bagatela, tornando-o dreito subjetivo do acusado e não mera opção dos atores da persecução penal, impedindo que aqueles que praticam delitos de ofensividade mínima sejam mandados ao sistema prisional, sofrendo uma represália estatal desproporcional à conduta praticada.

Também nos parece adequada a reforma da execução penal, dificultando a progressão para os reincidentes e para os que cometem crimes com o emprego de violência e/ou grave ameaça, pois tais condenados, evidentemente, são pessoas com o grau de periculosidade mais elevado que outros condenados.

Entretanto, tal reforma solitariamente não surtirá efeito como política pública de segurança pública, sendo necessária uma reforma profunda no sistema penitenciário brasileiro, proporcionando condições mais dignas ao detento, extinguindo as celas superlotadas e em condições de saúde e higiene precárias, quando não inexistentes; proporcionando ao preso condições para que possa trabalhar e estudar durante o cumprimento de sua pena, sendo tratado e cobrado como um verdadeiro cidadão, criando condições para que o detento possa efetivamente ser reinserido na sociedade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado 236/2012. Institui o novo Código Penal. Brasília, DF, 09 jul. 2012.

- BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório sobre o Sistema Penitenciário Nacional – Dezembro/2012. Disponível em http://portal.mj.gov.br.

- COELHO FILHO. Paulo Sérgio de A. Barganha Penal. Perigo Iminente. Edição eletrônica de O Estado de São Paulo. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,barganha-penal-perigo-iminente-imp-,956711.

- GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 16. ed. Niterói: Impetus, 2014, p. 52.


Notas

[1]    Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121226_presos_brasil_aumento_rw.shtml. Acesso em 25 ago. 2014.

[2]    Integraram a comissão especial criada especialmente para escrever o texto do projeto de lei: A ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura e os juristas Antonio Nabor Areias Bulhões, Emanuel Messias de Oliveira Cacho, Gamil Föppel El Hireche, José Muiños Piñeiro Filho, Juliana Garcia Belloque, Luiz Flávio Gomes, Luiza Nagib Eluf , Marcelo André de Azevedo, Marcelo Leal Lima Oliveira, Marcelo Leonardo, René Ariel Dotti, Técio Lins e Silva, Tiago Ivo Odon e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

[3]    Nomenclatura utilizada no PLS 236/2012.

[4]    Cabe lembrar que a vigente Lei de Abuso de Autoridade foi editada já na vigência da ditadura militar e foi um dos inúmeros artifícios utilizados pelo Governo para tentar ludibriar a sociedade de que na verdade o Brasil daqueles tempos era um verdadeira democracia.

[5]    GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 16. ed. Niterói: Impetus, 2014, p. 52.

[6]    Ibis, p. 54.

[7]    Estatísticas disponíveis em http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm. Dados de dezembro/2012. Acesso em 01. set. 2014.

[8]    Disponível em http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7484:judiciario-do-es-desenvolve-sistema-de-controle-de-presos-provisorios&catid=1:. Acesso em 25. agp. 2014.

[9]    Disponível em www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2518357. Acesso em 08. set. 2014.

[10]  Nomenclatura utilizada pelo PLS 236/2012.

[11]  COELHO FILHO. Paulo Sérgio de A. Barganha Penal. Perigo Iminente. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,barganha-penal-perigo-iminente-imp-,956711. Acesso em 08. set. 2014.

[12]  Conceito não definido pela lei e que deverá ser interpretado pelo operador do Direito, causando especial preocupação pois qualquer delito pode ser classificado como “causador de grave lesão à sociedade”, prejudicando, e muito a condição do condenado. 

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Sobre o autor
Denis Cortiz da Silva

Delegado de Polícia no Estado de São Paulo. Mestrando em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Denis Cortiz. O anteprojeto do novo Código Penal como eficaz instrumento de política pública . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4096, 18 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31877. Acesso em: 22 dez. 2024.

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