Em que pese o fato de os Tribunais de Contas não se oporem à apresentação para registro de contratações temporárias sob a forma de processo de admissão de pessoal, vejo que isso não tem consonância com a melhor interpretação do art. 71, inciso III, da Constituição Federal.
Do ponto de vista da exegese histórica, o registro de atos, que em constituições anteriores não se limitava aos atos de pessoal, mas era condição prévia de validade de diversos atos e contratos da administração pública, veio sendo substituído por outros institutos fiscalizatórios, como auditorias e inspeções, em respeito à autoexecutoriedade dos atos administrativos e independência entre os Poderes.
Em 06/05/1987, a Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira da Assembleia Constituinte realizou audiência pública, sendo convocado o Tribunal de Contas da União, representado por seu Presidente, pelo Vice-Presidente e pelo Ministro decano, a fim de que fossem apresentadas sugestões ao texto constitucional em elaboração[1].
O Ministro decano, Exmº Sr. Ewald Pinheiro, convocado a expor por sua vasta experiência no cargo, fez a seguinte declaração em relação ao registro de atos no decorrer da história republicana brasileira: (sem grifos no original)
“(...) Não quero perder a oportunidade de fazer aqui algumas considerações. Conheço o Tribunal de Contas de três Constituições. Iniciei minha vida constitucional no Tribunal de Contas. Então, conheço o Tribunal das Cartas de 1937, 1946 e 1967. São idênticos?
Evidentemente que não. O Tribunal como estabelecia a Constituição de 37 foi um; o de 46 foi outro e, hoje, temos outro Tribunal. Eles se separam nitidamente.
Nos regimes anteriores tínhamos o registro prévio e o registro posterior. Então, a tomada de contas era uma exceção, quer dizer, excepcionalmente o Tribunal julgava tomada de contas. O forte do Tribunal era o registro prévio posterior. Mas esse registro não incidia sobre a totalidade dos gastos. Era um registro ilusório, utópico, porque o registro posterior era feito depois que o ato estava praticado. Consequentemente, não se podia desmanchar o que estava errado. Punia-se, havia uma sanção, somente isto.
Hoje, com a tomada de contas, o Tribunal realmente está fortalecido e engrandecido. Quando a lei fortalece o Tribunal, fortalece o Congresso Nacional, porque cabe aos dois o desempenho do controle. Pela Constituição atual, o controle externo existe, tanto para o Tribunal quanto para o Congresso Nacional. Então, fortalecer o Tribunal é fortalecer o Congresso Nacional.
(...)
Há também um outro aspecto que eu gostaria de focalizar, a respeito das auditorias. O Tribunal perdeu o registro prévio mas ganhou uma arma importantíssima, que são as inspeções. Hoje em dia o Tribunal não mais espera que venha a ele o processo. Ele vai à entidade, organiza o processo e chega lá de surpresa. O melhor controle é aquele exercício de surpresa. É aquele controle onde o Tribunal decide quando deve controlar. O controle remoto, o controle que hoje se estabelece, com a prestação de contas pela entidade apenas um ano depois de encerrado o exercício, encontra os fatos já consumados. Muitas vezes os fatos se superpõem, fatos mais graves se sucedem a fatos menos graves e os de menos importância acabam sendo esquecidos, evidentemente. É uma lei natural. Então a arma das inspeções, que se delegou ao Tribunal em 1967, é poderosíssima. Em 1967 houve uma revolução no Tribunal de Contas porque perdemos esse registro prévio e o posterior, mas ganhamos a inspeção e o Tribunal faz sua auditoria orçamentária, financeira, patrimonial e hoje até programadas.”
O Exmº Sr. Alberto Hoffman, Vice-Presidente do TCU, apresentou a sugestões, conforme consta dos anais do Senado Federal referentes à Assembleia Constituinte, do que cabe transcrição da parte alusiva ao registro de atos de pessoal:
"Art... (76) – O Tribunal de Contas julgará, para fins de registro, a legalidade dos atos de nomeação de pessoal para cargos de caráter efetivo, nos quadros permanentes dos órgãos da administração direta, bem como das concessões iniciais de aposentadoria, reformas e pensões, independente de julgamento as melhorias posteriores, que não alterem o fundamento legal do ato concessório."
V. Exªs verão, de logo, a novidade, o registro de atos de nomeação de pessoal, para que, mais tarde, quem sabe, após 30 anos, quando alguém se apresentar termos, então, onde conferir essa nomeação. É uma sugestão que, evidentemente, a Constituinte acatará ou não.”
A proposta foi corroborada pela declaração do Ministro decano:
“Um outro aspecto que eu gostaria de examinar, que incluímos na atual sugestão, é uma proposta que vai inovar mas que pretendo justificar, porque é uma opinião unânime nossa. É a questão de o Tribunal tomar conhecimento para julgar a nomeação de caráter efetivo para ingresso no Serviço Público. Por quê? Quando se aposenta um funcionário, a concessão, esse processo de aposentadoria vai ao Tribunal. Ora, se ele se aposentar vai ao Tribunal sem processo, não a sua admissão, e com um outro aspecto: se o pensionista, para ter sua pensão julgada legal, tem que mandar ao Tribunal o seu processo, e ele não tem vínculo com a administração, nunca pertenceu à pensão civil, à pensão militar, nunca foi funcionário, essa pensão não será julgada legal. Mas a admissão de um servidor não vai ao Tribunal. A proposta ainda achei que foi um pouco tímida, porque só se referiu aos órgãos diretos da administração. Eu incluiria tudo, a direta e a indireta, se coubesse a mim sugerir. Não sei por que essa distinção, porque hoje em dia a administração indireta é maior do que a direta. Dois terços dos gastos públicos pertencem à administração indireta. Então dá-se um terço ao Tribunal e retiram-se esses dois terços. Quer dizer, submeteria ao Tribunal a totalidade das admissões, inclusive vendo-se o que se passou em vários Estados, onde houve admissões, realmente ilegais, como tomamos conhecimento em extensos noticiários da imprensa. A forma de coibir é entregar ao Tribunal o julgamento desses atos quanto à sua legalidade.”
Na tramitação durante a Assembleia Constituinte, o Tribunal de Contas foi objeto da Comissão V – Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, da qual veio o texto, e da Comissão III – Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, que apresentaram textos que foram agregados na Comissão de Sistematização. Da primeira, veio um inciso cuidando das admissões, ganhando relevo o fato de que foi empregado esse vocábulo no lugar de “nomeações para cargo efetivo”, que constava da proposta apresentada pelo TCU em audiência pública. Cabe destacar que a redação final do anteprojeto da Comissão V, com a aprovação parcial da emenda 5S0008-7 (fl. 004 do vol. 143), foi incluído o inciso VI ao art. 52 do substitutivo do relator, com o objetivo de assegurar o preceito da aprovação em concurso público[2].
Da outra comissão veio o texto acerca de aposentadorias, reformas e pensões, reprodução do que constava na Constituição de 1969. Veja-se que é o texto A Emenda Constitucional nº 07, de 1977, que positivou o que historicamente ficou conhecido como “pacote de abril”, já que foi editada pelo Presidente da República com o Congresso Nacional “fechado” por ato daquela autoridade, a fim de aumentar a concentração de poderes no Chefe do Poder Executivo, alterou a expressão “julgar da legalidade” para “apreciar da legalidade para fins de registro”, incluindo parágrafo posterior para permitir ao Presidente da República ordenar a execução do ato mesmo com a recusa do registro pelo TCU, ad referendum do Poder Legislativo[3]:
§ 7º O Tribunal de Contas apreciará, para fins de registro, a legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões, independendo de sua apreciação as melhorias posteriores.
§ 8º O Presidente da República poderá ordenar a execução ou o registro dos atos a que se referem o parágrafo anterior e alínea ‘b’ do § 5º ad referendum do Congresso Nacional.
A Comissão de Sistematização fez alterações de cunho redacional e juntou os dois dispositivos em um único[4], resultando no texto que permaneceu inalterado até a apresentação do primeiro projeto a ser submetido ao Plenário da Assembleia Constituinte (Projeto A):
Art. 85(...)
(...)
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, inclusive nas fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de natureza especial ou provimento em comissão, bem como das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
Para o denominado Projeto B somente houve alteração quanto às fundações públicas, que passaram a constar como “instituídas e mantidas” em vez de “instituídas ou mantidas”[5]. A emenda 2T01458-9 (p. 173 do volume 301) suprime a expressão "cargo de natureza especial" posto que inexistiria tal figura no ordenamento jurídico[6]. A redação do Projeto C, que corresponde ao texto atual, assim ficou:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
(...)
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
Assim, a meu ver é evidente o anacronismo do instituto de registro de atos de pessoal. Anacronismo esse que é crescente, haja vista as decisões o Supremo Tribunal Federal que mitigam os efeitos do registro nas Cortes de Contas.
Ao tempo da vigência da Constituição de 1946, em que o Tribunal de Contas “julgava da legalidade” de atos de pessoal, é emblemática a decisão no RMS3881, da relatoria do Exmº Sr. Ministro Nelson Hungria, em que estabelece um alcance muito maior para o instituto que antecedia o registro:
"Ora ‘julgar da legalidade’ não é apenas apreciar a regularidade formal do ato administrativo, como parece entender o acórdão recorrido: é julgar de todas as condições intrínsecas e extrínsecas da sua legalidade. Assim sendo, a decisão do Tribunal de Contas quando aprobatória, não apenas dá executoriedade ao ato, como cria uma situação definitiva na órbita administrativa.[7]
Vale citar decisões que, ainda que proferidas em sede de mandado de segurança, e, portanto, desprovidas de eficácia contra todos, vêm mitigando o alcance do instituto do registro: (sem grifos no original):
“Ato do TCU. (...) Negativa de registro a aposentadoria. (...) A inércia da Corte de Contas, por mais de cinco anos, a contar da aposentadoria, consolidou afirmativamente a expectativa do ex-servidor quanto ao recebimento de verba de caráter alimentar. Esse aspecto temporal diz intimamente com: o princípio da segurança jurídica, projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana e elemento conceitual do Estado de Direito; a lealdade, um dos conteúdos do princípio constitucional da moralidade administrativa (caput do art. 37). São de se reconhecer, portanto, certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público, mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder, como se dá com o ato formal de aposentadoria. A manifestação do órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade intersubjetiva ou mesmo intergrupal. A própria CF de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. Pelo que existe uma espécie de tempo constitucional médio que resume em si, objetivamente, o desejado critério da razoabilidade. Tempo que é de cinco anos (inciso XXIX do art. 7º e arts. 183 e 191 da CF; bem como art. 19 do ADCT). O prazo de cinco anos é de ser aplicado aos processos de contas que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Transcorrido in albis o interregno quinquenal, a contar da aposentadoria, é de se convocar os particulares para participarem do processo de seu interesse, a fim de desfrutar das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (inciso LV do art. 5º).” (MS 25.116, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 08/09/2010, Plenário, DJE de 10/02/2011.) No mesmo sentido: MS 26.053, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18/11/2010, Plenário, DJE de 23/02/2011.
“Servidor público. Funcionário(s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo TCU. Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadência administrativa após o quinquênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, LV, da CF e art. 54 da Lei Federal nº 9.784/1999. Não pode o TCU, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional de servidor operada e aprovada há mais de cinco anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa.” (MS 26.560, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 17/12/2007, Plenário, DJE de 22/02/2008.) No mesmo sentido: MS 26.393, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 29/10/2009, Plenário, DJE de 19/02/2010; MS 26.117, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20/05/2009, Plenário, DJE de 06/11/2009; MS 26.406, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 01/07/2008, Plenário, DJE de 19/12/2008; MS 26.353, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 06/09/2007, Plenário, DJE de 07/03/2008. Vide: MS 25.525, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17/02/2010, Plenário, DJE de 19/03/2010.
“É nula a decisão do TCU que, sem audiência prévia da pensionista interessada, a quem não assegurou o exercício pleno dos poderes do contraditório e da ampla defesa, lhe cancelou pensão previdenciária que há muitos anos vinha sendo paga.” (MS 24.927, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 28/09/2005, Plenário, DJ de 25/08/2006.) No mesmo sentido: MS 24.859, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 04/08/2004, Plenário, DJ de 27/08/2004.
Não é somente o Supremo Tribunal Federal que vem mitigando a relevância do registro. O Tribunal de Contas do Estado do Paraná, por exemplo, já fez cair por terra a necessidade de registar a admissão para considerar legal o ato de inativação ou pensionamento decorrente do mesmo servidor:
Acórdão nº 688/2008 - Pleno
(...)
No mais, compreendo que por ser a pensão por morte um benefício pago aos dependentes do segurado com o fito de substituir a remuneração do servidor falecido, ele não pode estar vinculado ao registro da admissão do servidor nesta Corte, mas sim à contribuição.
Neste sentido trilho o mesmo entendimento esposado pelo Desembargador José Maurício Pinto de Almeida, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o qual peço vênia para transcrever integralmente:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 369.830-8, DA COMARCA DE UMUARAMA (1ª Vara Cível).
Apelante: JOSÉ CARLOS GOMES.
Apelado: MUNICÍPIO DE UMUARAMA.
Relator: Des. JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE ALMEIDA.
Nº do Acórdão: 7779
APELAÇÃO CÍVEL. CONCESSÃO DE PENSÃO VITALÍCIA. SERVIDORA MUNICIPAL DE UMUARAMA. CONCURSO PÚBLICO. DECRETO Nº 211/93 QUE INVALIDOU AS NOMEAÇÕES E AUTORIZOU A OCUPAÇÃO PROVISÓRIA DOS CARGOS EM NOME DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. PROVISORIEDADE QUE DUROU MAIS DE 8 (OITO) ANOS. SERVIDORA QUE ARCOU COM OS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS REGULARMENTE, DURANTE TODO O TEMPO DE SERVIÇO, ATÉ SEU FALECIMENTO EM 2001. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA QUAL ESTA NÃO PODE SE BENEFICIAR. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DE EXONERAÇÃO. DESOBEDIÊNCIA ÀS FORMALIDADES LEGAIS. DIREITO DO ESPOSO DE RECEBER A PENSÃO DA SERVIDORA FALECIDA. RECURSO PROVIDO. (sem grifos no original)
A servidora tão-somente permaneceu irregularmente no cargo porque a Administração Pública Municipal assim permitiu e anuiu, e, tendo contribuído para a previdência durante todo o tempo em que ocupou o cargo "provisoriamente", não pode a Municipalidade valer-se de sua própria inércia para negar o benefício previdenciário.
I. Trata-se de recurso de apelação interposto por JOSÉ CARLOS GOMES, objetivando a reforma da decisão prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Umuarama, que, nos autos de nº 180/2004, julgou improcedentes os pedidos do autor, condenando-o, com fulcro no artigo 20, § 4º, do CPC, no pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 100,00 (cem reais), ressalvando o disposto no artigo 12 da Lei de Assistência Judiciária Gratuita. O apelante alega, em síntese, que:
a)-é viúvo de Maria Helena Balthazar Rosa Gomes, que era servidora pública municipal aprovada em concurso público posteriormente anulado, tendo, entretanto, permanecido no cargo "provisoriamente" de 11/11/93 até seu falecimento em 01/04/2001; logo, o que era para ser provisório tornou-se definitivo, visto que o Poder Público tinha o prazo de 05 anos para desligá-la do cargo, não o fazendo, o que convalidou sua nomeação;
b)-consoante a Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 54, o prazo prescricional para a Administração anular os seus atos é de 5 anos, a contar da data em que foram praticados, portanto, "as supostas irregularidades nas nomeações foram convalidadas pelo decurso do prazo decadencial";
c)-durante o tempo que serviu ao Município foram descontadas da servidora todas as contribuições previdenciárias, pelo que faz jus ao recebimento da pensão, visto que "a lei federal, não condicionando, para efeito de aposentadoria ou pensão vitalícia, nenhum outro critério, a não ser a efetiva contribuição, não poderia, como não pode, da mesma forma, a Lei Complementar Municipal nº 089, de 07/12/01, fixar normas diferente da Lei federal" (fl. 236).
Citou precedentes jurisprudenciais que entenderam no mesmo sentido de seu pleito, aduzindo, também, que, ao entender improcedentes os seus pleitos, estar-se-á violando o princípio da segurança jurídica, da boa-fé e da estabilidade das relações jurídicas frente a administração pública.
Caso não seja esse o entendimento do tribunal, diz o apelante, seja a servidora considerada reintegrada em seu antigo cargo (celetista), que ocupava desde 01.08.1987 até ser nomeada por concurso em 11.11.1993, pois, "das duas uma, ou a nova nomeação da falecida está consolidada pela prescrição administrativa, ou não está. E, nesta última hipótese, deveria retornar ao seu emprego celetista, anteriormente exercido".
O recorrido apresentou contrarrazões às fls. 256/264.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de fls. 277/282, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso.
II. Compulsando os autos, observa-se que o apelante ingressou com pedido de pensão vitalícia em face do Município de Umuarama, visto que sua falecida esposa exercia o cargo de Atendente de Saúde1, com carga horária de 40 horas semanais.
Efetivamente, a servidora foi contratada pelo Município de Umuarama no dia 1º de agosto de 1987 (fl. 24), para exercer a função de Auxiliar de Serviços, e permaneceu neste cargo até 31.03.1991, pois, em 03 de abril de 1991, foi nomeada, pelo Decreto 106/91, para ocupar o cargo de carreira de Atendente de Saúde (fl. 26), ante a habilitação em concurso público municipal, passando então para o regime estatutário.
Ocorre que o aludido concurso público foi invalidado mediante o Decreto nº 211, de 11 de novembro de 1993, e sua nomeação restou comprometida.
Todavia, no mesmo diploma restou consignado que:
"Art. 3º. Fica autorizado aos servidores acima referidos a que ocupem os cargos em que foram nomeados, provisoriamente, para que não seja comprometida a continuidade dos serviços públicos"2.
Mas, ainda que provisoriamente, a falecida esposa do recorrente ocupou o cargo até o seu falecimento, em 1º.04.2001, ou seja, durante oito anos, e, durante todo esse tempo, a contribuição previdenciária foi regulamente descontada de seus vencimentos.
Assim, a responsabilidade cabe à Administração Pública, que silenciou à época, e manteve-se inerte, anuindo com a permanência da servidora no pleno desempenho de suas funções e contribuindo para o sistema de previdência municipal.
E, como sabido, para que a servidora pública fosse exonerada do cargo que assumiu mediante concurso público, deveria ter sido observado o procedimento adequado - processo administrativo3 com ampla defesa e contraditório - pois, ainda que seja conferida à Administração Pública a faculdade de anular seus próprios atos quando eivados de nulidade, não pode fazê-lo sem observar os direitos adquiridos dos servidores concursados.
Nessa linha, é sedimentada a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
"Recurso extraordinário. 2. Concurso público. Irregularidades. Anulação do concurso anterior à posse dos candidatos nomeados. 3. Necessidade de prévio processo administrativo. Observância do contraditório e da ampla defesa. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido"
(STF - Segunda Turma - RE 351489 / PR - PARANÁ - Rel. Min. GILMAR MENDES, j. em 07/02/2006).
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTÁVEL. EXONERAÇÃO. I. - A perda de cargo por servidor público estável deve atender aos requisitos constitucionais. (...)".
(STF - Segunda Turma - RE-AgR 329001 / DF - DISTRITO FEDERAL - Rel. Min. GILMAR MENDES, j. em 23/08/2005).
Logo, a servidora permaneceu irregularmente no cargo porque a Administração Pública Municipal assim permitiu e anuiu, e, tendo contribuído à previdência durante todo esse tempo, não pode a Municipalidade valer-se de sua própria inércia para negar-lhe o benefício com o qual contribuiu.
Nesse diapasão, consigne-se o parecer da do Procurador de Justiça Dr. MARIO SÉRGIO DE QUADROS PRÉCOMA:
"Note-se que a discussão acerca da prescrição do direito da Administração de rever seus próprios atos não possui qualquer relevância no caso posto. O fato de ter a servidora ocupado cargo temporário ou efetivo, ou a existência de qualquer irregularidade em sua investidura, não exime o Município da obrigação de prestar os benefícios previdenciários correspondentes, posto que se constituem em direitos inerentes a todo contribuinte filiado ao sistema de seguridade. Ou seja, há de se isolar o aspecto previdenciário, focando-se, para tais fins, na relação entre o servidor e o ente gestor da seguridade social, pouco importando os elementos externos dissociados desta relação. Do contrário, estar-se-ia a admitir a absurda situação de que a Municipalidade, após anos de inércia à regularização da situação de determinado grupo de servidores que fazia parte a contribuinte, pudesse vir a, simplesmente, desobrigar-se de prestar os benefícios previdenciários (aos quais se contribuiu regularmente), valendo-se para tal irregularidade a que, por si, deu causa. Tal hipótese não há de se admitir, não se podendo endossar que a Administração Municipal beneficie-se de sua própria torpeza".
Em caso análogo, decidiu esta Câmara:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA COM PROVENTOS PROPORCIONAIS - SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL - NOMEAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO EIVADO DE NULIDADES - PERMANÊNCIA NO CARGO DE AGENTE SOCIAL POR MAIS DE UMA DÉCADA - INÉRCIA DO PODER PÚBLICO - RESPONSABILIDADE PELO ATO - SÚMULA 346 DO STF - RECURSO PROVIDO". (TJPR - 7ª Câm. Cível - Rel. Des. ANTENOR DEMETERCO JÚNIOR, ac. 6349, p. em 29/092006, DJ 7241).
Isso posto, seu cônjuge faz jus ao recebimento da pensão, não podendo ser prejudicado em razão do equívoco cometido pelo administrador, uma vez que a falecida servidora trabalhou e contribuiu para o sistema previdenciário municipal.
Assim sendo, reforma-se a sentença, concedendo-se a pensão com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, de acordo com a Lei Complementar n° 01/1992 - Regime Jurídico dos Servidores Públicos de Umuarama.
Condena-se, ainda, o Município no pagamento das pensões atrasadas desde 01.04.01, valores que devem ser apurados mediante liquidação de sentença por cálculo (art. 475-B do CPC), corrigidos monetariamente pelo INPC, desde a data em que eram devidas e, juros desde a citação, no percentual de 6% ao ano até 11.01.2003 (entrada em vigor do Novo Código Civil), e após esta data juros de 1% ao mês.
Quanto aos ônus de sucumbência, condena-se, ainda, o recorrido no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 700,00 (setecentos reais), com fundamento no artigo 20, § 4º, do CPC, considerando o zelo profissional do advogado, o local de onde foram prestados os serviços Umuarama/Curitiba, a natureza e importância da causa, todo o trabalho desenvolvido, bem como o tempo necessário a sua realização.
III. Assim sendo, ACORDAM os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador ANTENOR DEMETERCO JUNIOR, sem voto, e dele participaram os Excelentíssimos Desembargadores RUY FRANCISCO THOMAZ (Revisor) e GUILHERME LUIZ GOMES.
Curitiba, 10 de abril de 2007.
José Maurício Pinto de Almeida
Relator
Súmula 20 do STF - É necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso.
Assim sendo, considerando a boa-fé do servidor falecido e a impossibilidade de terceiros virem a ser prejudicados pela inércia da Administração Pública, voto pelo provimento do recurso, e consequente registro da presente pensão.
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, na conformidade com o voto do Relator e das notas taquigráficas, por meio do voto de desempate de Conselheiro no exercício da Presidência, dar provimento ao recurso.
Votaram, nos termos acima, os Conselheiros HENRIQUE NAIGEBOREN, FERNANDO AUGUSTO MELLO GUIMARÃES, os Auditores JAIME TADEU LECHINSKI e SÉRGIO RICARDO VALADARES FONSECA (VOTO VENCEDOR) e os Conselheiros ARTAGÃO DE MATTOS LEÃO, HERMAS EURIDES BRANDÃO e o Auditor IVENS ZSCHOERPER LINHARES (voto vencido).
Portanto, ao considerar a evolução histórica no sentido de tornar cada vez mais anacrônico o registro de atos de pessoal, aliado à interpretação sistemática do art. 71 da Constituição, que ao estabelecer as competências do Tribunal de Contas possui caráter excepcional em relação ao controle externo, de que é titular o Poder Legislativo, e, ainda o princípio hermenêutico da força normativa da constituição, que impõe como escolha, entre as interpretações possíveis, a adoção daquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais, entendo que a melhor interpretação para o art. 71, inciso III, da Constituição Federal seja aquela em que somente estão sujeitos à apreciação de legalidade para fins de registro: 1) os atos de admissão que possam implicar a existência de atos de aposentadoria, reforma ou pensão, o que exclui as admissões temporárias, e 2) os atos de aposentadoria, reforma ou pensão que tenham decorrido de admissão sujeita a registro, o que exclui benefícios tais como o auxílio-reclusão e a pensão por Mal de Hansen.
Por fim, resta considerar que os países europeus que adotam o modelo de tribunais de contas que serviram de inspiração ao brasileiro não preveem o registro de atos de pessoal. Na Itália, em que é previsto o julgamento de processos administrativos em relação a processos de aposentadoria, reformas e pensões, esse somente ocorre por iniciativa do beneficiário, quando não concorda com a solução dada pela administração previdenciária (Seção III do Capítulo V do Título II do “Reggio Decreto nº 1214, de 12/07/1934 - Lei Orgânica da “Corte dei Conti”[8]).
Na França, berço do modelo moderno de Tribunal de Contas, em vez de submeter atos de pessoal a registro, destina uma de suas câmaras especializadas ao exame exclusivo da Previdência.