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Pausa para descanso ao trabalhador rural:

uma análise da Norma Regulamentadora nº 31 à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

27/02/2015 às 15:02
Leia nesta página:

A lacuna da lei foi suprimida pelo posicionamento do TST, que aplicou a regra do art. 72 da CLT aos trabalhadores rurais, à luz da NR 31/MTE.

Em recente julgado[1], o TST reconheceu a aplicabilidade do conteúdo do art. 72 da CLT, com base na analogia, ao Trabalhador Rural com o objetivo de se empregar o direito de pausas para descanso previsto na Norma Regulamentadora nº 31 do Ministério do Trabalho e Emprego. Em verdade, a decisão proferida pelo Colendo Tribunal segue uma tendência da SDI1 que, nos últimos julgados sobre a matéria, vem reconhecendo a aplicabilidade do referido direito ao Trabalhador Rural.

O escopo do presente estudo, conforme o próprio título sugere, é a análise jurídica do Normativo Administrativo em referência tomando como base os precedentes do TST a fim de se esclarecer, mesmo que de forma não exauriente, os fundamentos que levaram a Corte Superior a estabelecer o entendimento entabulado.

Neste toar, partiremos ao estudo.

A ideia de se fixar uma conduta que visasse à segurança, saúde e higiene do trabalhador, em outras palavras, um ambiente de trabalho saudável, não foi instituída de forma simples na relação trabalhista.  Basta se debruçar um pouco nos livros de história para identificar as lutas e batalhas que foram traçadas no intuito de se estabelecer novas mudanças na relação empregado/empregador, com o objetivo primordial de se buscar melhorias nas condições de trabalho.

Entre essas manifestações destaca-se o movimento Ludita (entre 1811 e 1813), quando os trabalhadores, contrários aos avanços tecnológicos em curso, iniciaram uma sistemática destruição e queima das instalações industriais em várias regiões inglesas.

Em meados do século XIX, também na revolução industrial, é que se observa o marco da mudança do direito do trabalho, onde surgiram várias discussões que trouxeram o resgate à dignidade do trabalhador, momento em que foram estudados inúmeros conceitos e diretrizes que visavam tais melhorais, como por exemplo, a minoração da excessiva jornada de trabalho imputada ao trabalhador da época, bem como questões de segurança e higiene do trabalho.[2]

Atualmente é indiscutível a necessidade de se promover um ambiente de trabalho saudável. Ou seja, de buscar, cada vez mais, em estado de completo bem estar físico, mental e social na relação de trabalho. Nos termos da O.M.S. (Organização Mundial de Saúde): “um estado de bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença e enfermidade.”

Amauri Mascaro, de forma brilhante, ao tratar sobre meio ambiente de trabalho, assim leciona[3]:

Não há dúvida de que a primeira condição que o empregador está obrigado cumprir é assegurar aos trabalhadores o desenvolvimento da suas atividades em ambiente moral e rodeado de segurança e higiene.

Em outro trecho, assim, se posiciona o doutrinador supramencionado[4]:

O meio ambiente do trabalho é, exatamente, o complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de proteção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de trabalho etc.

Somando o entendimento de Amauri Mascaro, ensina José Cairo Jr[5]:

Da mesma forma, é imperativo criar e sustentar um meio ambiente de trabalho hígido, visto que o empregado permanece parte de sua vida neste local. Com efeito, considerando uma jornada normal de trabalho, em média, 1/3 (um terço) de sua vida. 

Não é forçoso, concluir, portanto, que é dever do empregador propiciar ao empregado um meio ambiente de trabalho seguro, saudável e higienizado, aplicando regras e conceitos definidos pela legislação, como por exemplo, a instituição do uso de EPI pelo empregado (Equipamento de Proteção Individual), dentre outros.

Para atingir esse fim, ou seja, para estabelecer e propiciar um meio ambiente de trabalho seguro e higiênico, inúmeras normas, em seu sentido lato sensu, foram editadas. A Constituição Republicana de 1988 prevê diversas passagens que referendam o tema relacionado à proteção do meio ambiente, bem como o meio ambiente do trabalho, conforme se vê da leitura do art. 225, inciso VI do art. 170, inciso VIII do art. 200 e inciso XXII do art. 7º.[6]

Acrescido a Carta Magna, o Decreto 5452/1940 ou para alguns a Consolidação das Leis do Trabalho, destina um único capítulo para tratar sobres questões que envolvem a mantença do meio ambiente saudável (Capítulo V do Título II – Da Segurança e Medicina do Trabalho). Ou seja, estabelece ditames relacionados à segurança, saúde e higiene do trabalhador, visando, via de consequência, a redução dos riscos inerentes ao trabalho (meio ambiente saudável).

Já na esfera administrativa, malgrado existirem outras leis que disciplinem questões de segurança, saúde e higiene ao trabalhador, cujo rol é dispensável apresentar neste trabalho, pode-se destacar a NR 15 que “visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.”

A Norma Regulamentadora 09, que trata do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, também merece realce uma vez que “estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, visando à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e conseqüente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.”

Outra Norma editada pelo Ministério do Trabalho que merece ser exaltada é a NR 31, objeto do nosso estudo, que tem como propósito principal conceituar e enumerar os preceitos a serem observados na organização e no ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento das atividades da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura com a segurança e saúde e meio ambiente do trabalho.

À proposito, trabalhador rural ou, como a própria lei n° 5.889/73[7] define, Empregado Rural, é “toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.”

Nos termos da doutrina[8]:

É o trabalhador que presta serviços em propriedade rural, continuamente e mediante subordinação. Assim, será considerando como tal o trabalhador que cultiva a terra, que cuida do gado, e o pessoal necessário à administração da empresa ou atividade rural.

Retomando o tema, a referida norma traz em seu bojo várias questões e procedimentos a serem adotados visando, como dito, um ambiente de trabalho essencialmente seguro ao trabalhador rural, dos quais destaca-se o contido nos itens 31.10.7 e 31.10.9, in verbis:

31.10.7 – Para as atividades que forem realizadas necessariamente em pé, devem ser garantidas pausas para descanso.

31.10.9 – Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica devem ser incluídas pausas para descanso e outras medidas que preservem a saúde do trabalhador.

Os dispositivos em questão estabelecem regra de segurança e saúde do trabalhador rural dispondo sobre a obrigatoriedade de se promover ou, nas palavras da norma, garantir as pausas para descanso dentro da jornada de trabalho, para as atividades realizadas necessariamente em pé ou para as atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica.

Neste contexto, pode-se entender que é direito do empregado rural, que exercem atividades em pé ou que exija sobrecarga muscular estática ou dinâmica, ter pausas para descanso dentro da jornada de trabalho e dever do empregador em concedê-las propiciando um ambiente de trabalho equilibrado, fora de riscos a segurança e saúde do trabalhador. Estabelecer, sem sombra de dúvida, preceitos que visem a proteção a vida e a integridade física do trabalhador no ambiente de trabalho.

Observa-se, contudo, que a referida norma, em que pese disciplinar a garantia do descanso, não prevê o tempo da pausa que deve ser fornecido ao trabalhador rural no exercício das suas atividades. Estar-se diante de uma lacuna normativa, a qual, a princípio, não possui imediata aplicabilidade no caso em concreto.

Mutatis mutandis, o artigo 4º da LINB dispõe que: "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Em melhores esclarecimentos, em caso de omissão da lei, poderá o operador do direito se utilizar de outras fontes a fim de que posse atingir a aplicabilidade da norma em questão.

A fonte e, mais especificamente a fonte do direito, à luz da doutrina, é[9]:

[...] o lugar de onde surge essa coisa. O lugar de onde ela nasce. Assim, a fonte do Direito é aquilo que o produz, é algo de onde nasce o Direito. Para que se possa dizer o que é fonte do Direito é necessário que se saiba de qual direito. Se cogitarmos do direito natural, devemos admitir que sua fonte é a natureza humana. Aliás, vale dizer, é a fonte primeira do Direito sob vários aspectos.

A doutrina, ora representada por Carlos Maximiliano preleciona ao tratar sobre a interpretação das leis[10]:

A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.

As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.

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Na seara trabalhista as fontes estão previstas no art. 8º da CLT que estabelece:

"As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".

Baseando-se nestes pressupostos, a conclusão é que mesmo inexistindo norma expressa que estabeleça o tempo das pausas a serem gozadas pelo trabalhador rural em sua jornada, poderá o operador, em observância aos dispositivos acima destacados, buscar na legislação, ou em outra referência, disposição que se adeque ao caso em concreto, possibilitando, assim, suprimir a lacuna e, consequentemente, aplicar os ditames previstos na norma.

Além do que é defeso ao juiz, a luz do art. 126 do CPC, se eximir de julgar o processo alegando lacuna ou obscuridade na lei ou norma a ser aplicada no caso em concreto:

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Na tentativa de se encontrar na legislação brasileira uma disposição legal que pudesse ser utilizada como base para a aplicabilidade do contido na NR31, fora identificado o conteúdo estabelecido no art. 72 da CLT que prevê:

Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.

A aplicabilidade do dispositivo em referência se dá por analogia que é, nos comentários de Carrion[11], ao citar Clovis Beviláqua: “a operação lógica em virtude da qual o intérprete estende o dispositivo da lei a casos por ela não previstos; com ela, o juiz aprecia o sistema jurídico, em seus fundamentos e na sua teleologia, extraindo o princípio aplicável.”

Foi partindo deste raciocínio que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST firmou entendimento sobre a aplicabilidade, de forma analógica, da regra prevista no art. 72 aos trabalhadores rurais. Veja-se alguns ementários:

RECURSO DE REVISTA. TRABALHADOR RURAL. PAUSAS POR RAZÕES DE SAÚDE PREVISTAS NA NR 31 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. INTEGRAÇÃO JURÍDICA DO ART. 72 DA CLT. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXII, garante aos trabalhadores urbanos e rurais, a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança". Nessa esteira, a Lei nº 5.889/73, que institui normas reguladoras do trabalho rural, em seu artigo 13, determina que "nos locais de trabalho rural serão observadas as normas de segurança e higiene estabelecidas em portaria do ministro do Trabalho e Previdência Social". Com a edição da Portaria nº 86, de 3 de março de 2005, do Ministério do Trabalho e Emprego, entrou em vigor a Norma Regulamentadora nº 31, que estabelece medidas de segurança e higiene para profissionais rurais, entre as quais estão previstas pausas para descanso do trabalhador: "31.10.7 - Para as atividades que forem realizadas necessariamente em pé, devem ser garantidas pausas para descanso"; "31.10.9 – Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica devem ser incluídas pausas para descanso e outras medidas que preservem a saúde do trabalhador". Tais pausas para descanso estipuladas pela NR 31, item 10.9, com suporte nos comandos do art. 7º, XXII, CF, e art. 13 da Lei nº 5.889/73, correspondem a 10 minutos de intervalo a cada 90 trabalhados, sem dedução da jornada, por ser tal lapso o que melhor se harmoniza aos objetivos de saúde enfocados pelas regras jurídicas mencionadas. Integração jurídica inerente ao Direito, em geral (art. 4º, LINDB) e ao próprio Direito do Trabalho (art. 8º, caput, CLT). Precedentes jurisprudenciais desta Corte Superior. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR-1767-05.2010.5.15.0156, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 01/07/2014)

"HORAS EXTRAS. EMPREGADO RURAL. ATIVIDADE DE CORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR. PAUSAS PREVISTAS NA NR-31 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 72 DA CLT. 1. A NR-31 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovada pela Portaria GM nº 86, de 3/3/2005, prevê a obrigatoriedade de concessão de pausas para descanso aos empregados rurais que realizem atividades em pé ou se submetam a sobrecarga muscular. A norma regulamentar, no entanto, não especifica as condições ou o tempo de duração de tais pausas. 2. A lacuna da norma regulamentar e da própria legislação trabalhista sobre aspecto de menor importância, relativo ao modus operandi das aludidas pausas, não pode servir de justificativa para a denegação de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados ao empregado, relativos à ‘redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança’ (artigo 7º, XXII, CF) e ao meio ambiente do trabalho equilibrado (artigo 225, caput, CF). Necessidade de utilização da técnica processual de integração da ordem jurídica, mediante analogia. Aplicação das disposições dos artigos 8º da CLT, 126 do CPC e 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. 3. Ante a ausência de previsão, na NR-31 do MTE, quanto ao tempo de descanso devido nas condições de trabalho lá especificadas, aplica-se ao empregado que labora em atividade de corte de cana-de-açúcar, por analogia, a norma do artigo 72 da CLT. Precedentes das Turmas e da SBDI-1 do TST. 4. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento". (TST-E-RR-1943-81.2010.5.15.0156, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 09.05.2014)

"EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. CORTADOR DE CANA. PAUSAS PREVISTAS NA NR 31 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Embora a Norma Regulamentar nº 31 do Ministério do Trabalho e Emprego tenha manifestado o cuidado com a ergonomia dos trabalhadores rurais, prevendo pausas para descanso nas atividades que exigem sobrecarga muscular estática ou dinâmica, não especificou qual o tempo de duração da interrupção do trabalho. Considerando a omissão quanto à duração dessas pausas, bem como o fato de que a realidade do cortador de cana, que ‘chega a desferir até mais de 10.000 golpes de podão diariamente, fora a intensa movimentação dos membros superiores’ (informação extraída da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 26, n. 97-98, 2001, p. 17, e citada pelo excelentíssimo senhor Ministro Aloysio Corrêa da Veiga no acórdão alusivo ao processo nº TST-E-RR-21-68.2011.5.15.0156, SBDI-1, DEJT 29/11/2013), a aplicação analógica do artigo 72 da CLT se faz necessária, remetendo o julgador ao que dispõem o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, bem como o artigo 8º da CLT. Note-se que a essência jurídica que motivou a edição da Súmula 346 do TST é a mesma que ampara o pedido do trabalhador que exerce suas atividades em lavouras de cana de açúcar, o que autoriza a incidência do que o Mestre Rubens Limongi França denomina de analogia legis, a saber ‘é aquela que extrai a igualdade de tratamento para certo caso de uma norma legislativa existente para outro similar. Embora seu fundamento último seja o mesmo da analogia iuris, as bases que a sustentam encontram-se exaradas em velho brocardo jurídico, cujos termos são os seguintes: Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio. Como se vê, supõe a descoberta da ratio legis’. (in Hermenêutica Jurídica, Editora Revista dos Tribunais, 11ª Edição, pagina 47). Precedentes. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e, no mérito, provido". (TST-E-RR-1797-40.2010.5.15.0156, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 28.03.2014)

O entendimento esposado pelo TST buscou, ao aplicar analogicamente o conteúdo do art. 72 da CLT no contexto do trabalhador rural, atingir o objetivo primordial da NR 31 que, repita-se, é fixar uma conduta de segurança, saúde e higiene ao empregado no ambiente de trabalho.

Conforme bem ponderado pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho, junto aos autos do RR nº 0003853-46.2010.5.15.0156, a aplicabilidade do conteúdo previsto no art. 72 da CLT os trabalhadores rurais é ondem que se impõe a fim de atingir o principal propósito da NR31 que é promover o ambiente seguro e saudável ao trabalhador.

Eis o trecho da decisão:

Com efeito, a aplicação analógica do art. 72 da CLT se impõe não em razão do tipo de atividade desempenhada, relativa aos serviços de mecanografia em comparação com a de cortador manual de cana de açúcar, mas sim em razão do fator repetitividade de movimento, presente em ambos os métodos de trabalho, como fator de risco para doenças ocupacionais. É de conhecimento geral que o trabalho no corte da cana de açúcar é uma das mais penosas e extenuantes atividades laborais. Soma-se ao esforço excessivo pela repetitividade dos golpes de facão, a rotina operacional permeada por agentes penosos. A soma desses fatores de risco impõe, com maior razão, a aplicação analógica do art. 72 da CLT, a fim de que se torne efetivo o direito fundamental de proteção à saúde do trabalhador.

Essa não foi a primeira vez que o TST se portou desta forma, aplicando, de forma analógica, o conteúdo do art. 72 da CLT ao caso em concreto. É o que se vê da leitura dos precedentes que justificam a Súmula nº 346[12] do referendado Tribunal, in verbis:

A 1ª Turma desta casa restabeleceu a r. sentença, de modo a condenar a reclamada ao pagamento de horas suplementares relativas aos intervalos não concedidos. Este entendimento teve como suporte o fato de o digitador de computação equiparar-se ao mecanógrafo, para os fins previstos no art. 72 consolidado. Irresignada, a demandada pretende demonstrar infringência ao art. 72 da CLT e dissenso pretoriano com o aresto que acosta. Os embargos merecem ser acolhidos, considerando a existência de conflito pretoriano com o julgado transcrito às fls. 113. Mérito. Deve ser mantido intacto o "decisum" turmário.

A atividade do digitador, por analogia, encontra-se ao abrigo do art. 72 consolidado. Esta possibilidade decorre da aplicação do art. 8º do mesmo diploma legal. Note-se a existência de portaria do MPAS de nº 4.062/87, classificando como possível causa de doença do trabalho a denominada "Inflamação da Bainha dos Tendões", catalogando neste mesmo ato as atividades de digitador, datilógrafo e pianista profissional. Em sendo assim, não tenho dúvidas acerca da similitude das funções.Destarte, rejeito os embargos.

A justificativa principal do Tribunal Superior do Trabalho para aplicar o conteúdo do art. 72 da CLT em ambos o caso é buscar, sem sombra de dúvidas, atingir um dos principais objetivos da relação empregado/empregador, consoante suscitado em momentos anteriores, que é estabelecer um ambiente de trabalho segura, saudável e higiénico.

Outro não poderia ser o entendimento esposado pelo Tribunal na medida em que a Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXI, já mencionado, estabelece que é direito do trabalhador rural a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Buscou-se, assim, aplicar a regra jurídica “Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositivo” que, no entendimento do STF significa[13]: “onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir.”

Neste contexto, entende-se como acertado o posicionamento da Colenda Corte uma vez que, empregando uma das fontes do direito (analogia), propiciou a efetiva aplicabilidade da NR31, em que pese a lacuna existente, no intuito de promover um ambiente saudável, higiénico e seguro ao trabalhador rural que exercem atividades em pé ou que exija sobrecarga muscular estática ou dinâmica.

Notas

[1] RR-1767-05.2010.5.15.0156, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 01/07/2014.

[2] FERRAZ, Duração do Trabalho e Repouso Remunerado, 1977, pág. 25.

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 2009, pág. 528.

[4] NASCIMENTO, Op. Cit., pág. 528.

[5] CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho, Salvador, 2011, 6ª Ed., pág. 739.

[6] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[7] A lei nº 5.889/73 Estatui normas reguladoras do trabalho rural. Nos termos o seu art. 1º, regula as relações de trabalho rural, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho.

[8] NASCIMENTO, Op. Cit., pág. 740.

[9] MACHADO, Hugo de Brito. Uma Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Dialética. 2000, p. 57.

[10] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979.

[11] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 2008, pág. 69.

[12] Súmula nº 346 do TST – DIGITADOR. INTERVALOS INTRAJORNADA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 72 DA CLT (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Os digitadores, por aplicação analógica do art. 72 da CLT, equiparam-se aos trabalhadores nos serviços de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), razão pela qual têm direito a intervalos de descanso de 10 (dez) minutos a cada 90 (noventa) de trabalho consecutivo.

[13] AI nº 835.442

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Sobre o autor
Cláudio Abranches

Advogado inscrito na OAB seccional Sergipe. Pós graduado em Direito e Processo do trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABRANCHES, Cláudio. Pausa para descanso ao trabalhador rural:: uma análise da Norma Regulamentadora nº 31 à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4258, 27 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32058. Acesso em: 2 nov. 2024.

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