Nos termos do art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), em sua redação primitiva, devem ser consideradas infrações de menor potencial ofensivo, sujeitando-as à sua competência, os crimes aos quais a lei comine pena máxima não superior a um ano.
Muito embora não tivéssemos ainda, na Justiça Federal, os Juizados Especiais Criminais, previstos no art. 98, parágrafo único, da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional n. 22, de 18.3.1999, os Juízes Federais podiam aplicar os institutos da conciliação civil e transação criminal (arts. 74 e 76), da representação (art. 88) e da suspensão condicional do processo (art. 89), todos disciplinados pela Lei n. 9.099/95.
A Lei n. 10.259, de 12.7.2001, criou os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, dispondo aplicar-se a eles a Lei n. 9.099/95 (art. 1.º), obedecidos dois princípios impostos pelo seu art. 2.º, caput e parágrafo único:
1.º) Os Juizados Especiais Criminais Federais julgam exclusivamente infrações da competência da Justiça Federal (caput).
2.º) Somente são de sua competência as infrações penais de menor potencial ofensivo (caput).
Conceituando os crimes de menor potencial ofensivo, reza o parágrafo único do mencionado dispositivo:
"Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".
Comparando os dispositivos, vê-se que, enquanto o art. 61 da Lei n. 9.099/95 consigna a pena máxima permissiva cominada aos crimes em quantidade não superior a um ano, a lei nova determina que o máximo da sanção detentiva não pode ser superior a dois anos. Cuidando as duas normas do mesmo tema, qual seja, conceituação legal de crime de menor potencial ofensivo, e adotando o critério de classificação de conformidade com a quantidade da pena, observamos que empregam valorações diferentes. Em face disso, de prevalecer a posterior, de direito penal material, que, mais benéfica, derroga a anterior (CF, art. 5.º, XL; CP, art. 2.º, parágrafo único), ampliando o rol dos crimes de menor potencial ofensivo.
Diante disso, consideramos que o parágrafo único do art. 2.º da Lei n. 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95). Em conseqüência, sejam da competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser havidos como delitos de menor potencial ofensivo aqueles aos quais a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos ou multa. De modo que os Juizados Especiais Criminais da Justiça Comum passam a ter competência sobre todos os delitos a que a norma de sanção imponha, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos (até dois anos) ou multa.
Essa orientação, adotada por quase a unanimidade da doutrina [1], acaba de ser acatada pela 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC [2] 12.033, MS, rel. o Ministro Félix Fischer, votação unânime, julgado em 13.8.2002. Consta da ementa do acórdão:
"A Lei n. 10.259/2001, ao definir as infrações de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois anos para a pena mínima [3] cominada. Daí que o art. 61 da Lei n. 9.099/95 foi derrogado, sendo o limite de um ano alterado para dois".
A decisão foi além, estabelecendo que essa modificação deve alcançar também o art. 89 da Lei n. 9.099/95, que disciplina a suspensão condicional do processo [4], elevando para dois anos o limite mínimo restritivo [5]. Assim, caberia o sursis processual nos casos de crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a dois anos (até dois anos).
Essa manifestação do acórdão, entretanto, é de discutível acerto, não recebendo a nossa aprovação. Ocorre que o art. 61 da Lei n. 9.099/95 trata da conceituação de crimes de menor potencial ofensivo para efeito da competência dos Juizados Especiais Criminais, o mesmo ocorrendo com o art. 2.º da Lei n. 10.259/2001. O art. 89 da Lei n. 9.099/95, contudo, inserido na lei por simples aproveitamento do legislador, disciplina um instituto de despenalização, abrangendo não só as infrações de menor potencial ofensivo, objeto dos Juizados Especiais Criminais, mas também outras infrações de maior gravidade, porém limitadas pela quantidade da pena. Por isso, o art. 89, não disciplinando especificamente as infrações de menor potencial ofensivo, leva em conta a pena mínima cominada, enquanto o art. 61 considera a pena máxima abstrata. Como o instituto e o sistema são diversos, cada um aplicando critérios diferentes, é incabível a invocação do princípio da proporcionalidade [6].
Notas
1. Nesse sentido: Fernandes, Paulo Sérgio Leite. Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 30.7.2001; carmon Filho, Petrônio. Infrações de menor potencial ofensivo após a edição da Lei n. 10.259, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 31.7.2001; Suannes, Adauto. Lei n. 10.259/01 – Juizados Criminais Federais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 27.7.2001; Silva Franco, Alberto. Juristas renomados entendem que foi ampliada a competência dos Juizados Especiais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 27.7.2001; Bitencourt, Cezar Roberto. Lei n. 10.259/01 – Juizados Criminais Federais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 27.7.2001; Capez, Fernando. Juristas renomados entendem que foi ampliada a competência dos Juizados Especiais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em 27.7.2001; Ximenes, Fernando Luiz. Juristas renomados entendem que foi ampliada a competência dos Juizados Especiais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 27.7.2001; Nalini, José Renato. Juristas renomados entendem que foi ampliada a competência dos Juizados Especiais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 27.7.2001; Um peso, duas medidas. Boletim do IBCCrim, Departamento de Estudos Legislativos, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 105, p. 8, ago. 2001; Gonçalves, Victor Eduardo Rios. A nova definição de infração de menor potencial ofensivo, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 8.8.2001; Silva, Jorge Vicente. Alteração da Lei n. 9.099/95 na Parte Especial. O Estado do Paraná, Curitiba, 12.8.2001; Mainardi, Celso Jair. Juizado Especial Criminal e Justiça Federal. O Estado do Paraná, Direito & Justiça, Curitiba, 19.8.2001; SILVA, Jorge Vicente. Alteração da Lei n. 9.099/95 na Parte Especial. O Estado do Paraná, Curitiba, 19.8.2001; TEIXEIRA, Fernando Tadeu Cabral. Primeiras impressões sobre a Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, Boletim do IBCCrim, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 106, p. 2, set. 2001; DIAS, Jefferson Aparecido. Juizados Especiais Federais – Considerações sobre a Lei n. 10.259/2001, Meio Jurídico, São Paulo, Ed. Meio Jurídico, n. 47, p. 4, jul. 2001; ARAS, Vladimir. A nova definição de infrações de menor potencial ofensivo e sua extensão aos Juizados Criminais Estaduais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 28.9.2001; Tourinho Filho, Fernando da Costa. Juizados Criminais Federais, em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em: 1.º.10.2001; Souza, Cláudio Calo. O art. 2.º da Lei n. 10.259/01 x o art. 61 da Lei n. 9.099/95. E as infrações com rito especial?, em Jus Navegandi, <www.jus.com.br>. Acesso em: 4.9.2002; Pêcego, Antônio José Franco. O real alcance do novo conceito de crime de menor potencial ofensivo com a Lei n. 10.259/01, em Jus Navegandi, <www.jus.com.br>. Acesso em: 4.9.2002; Enunciado n. 46 do X Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, Rondônia, 21 a 24 de novembro de 2001; Enunciado n. 1 do I Encontro Regional dos Juizados Especiais de Minas Gerais, Poços de Caldas, 30 de novembro a 1.º de dezembro de 2001; Silva, Danni Sales. Novas interpretações da Lei 9.099/95, frente o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, Revista da OAB Goiás, Goiânia, n. 50, p. 33, abr./jun. 2002. O Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, adotando a tese ampliativa, não deu guarida a uma representação do Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro no sentido de que ingressasse com uma ação direta de inconstitucionalidade da Lei n. 10.259/2001, tendo por fundamento a não-ampliação do rol dos delitos de menor potencial ofensivo (Processo PGR n. 100.000.000.801/2002-90, parecer de 18.2.2002). Em São Paulo, o Procurador-Geral de Justiça recomendou que os membros do Ministério Público não devem acatar a orientação ampliativa em suas manifestações (Avisos de 2 e 24 de abril de 2002).
2. RHC: Recurso Ordinário em Habeas Corpus.
3. Há evidente engano no texto da ementa, que desejou mencionar "pena máxima" e não "mínima".
4. DJU de 9.9.2002, p. 234. O acórdão também recomenda a modificação da Súmula n. 243, que regula a matéria no concurso de crimes.
5. No sentido decidido pelo STJ: Machado, Agapito. Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
6. Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. 4.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 257; Silva, Danni Sales. Novas interpretações da Lei 9.099/95, frente o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Revista da OAB Goiás, Goiânia, n. 50, p. 36, abr./jun. 2002.