Marina Silva e sua ecologia de direita à luz de Pierre Bourdieu

22/09/2014 às 13:58
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Análise do discurso político de Marina Silva.

A fim de ampliar sua base eleitoral, Marina Silva tenta unir o discurso em favor do desenvolvimento sustentável com pretensões da extrema direita. Entre estas podem ser destacadas seu compromisso com a flexibilização da Lei contra o trabalho escravo no campo e o apoio que deu à preservação da Lei de Anistia. Surge assim no cenário brasileiro uma ecologia de direita. Impossível não lembrar as palavras de Pierre Bourdieu:

"Para compreender o que pode ser dito e sobretudo o que não pode ser dito no palco, é preciso conhecer as leis de formação do grupo dos interlocutores - é preciso saber quem é excluído e quem se exclui. A censura mais radical é a ausência." (O PODER SIMBÓLICO, Pierre Bourdieu, Bertrand Brasil, 11ª edição, p. 55)

É curiosa esta união entre os militares e ecologista Marina Silva. Durante a ditadura militar a ecologia nunca esteve na pauta pública. De 1964 a 1985 o desenvolvimento era o sinônimo de desmatamento. A ocupação da floresta amazônica e do cerrado foi incentivada pelo Estado sem qualquer preocupação ecológica. A construção de hidrelétricas não levava em conta o impacto ambiental que as mesmas produziam. Décadas depois, aqueles mesmos setores ligados à ditadura (e alguns militares também) embarcaram na campanha do PSB. Aderem à ecologia que detestavam porque adoram a impunidade forjada pela Lei de Anistia.

O discurso de ambos os grupos, porém é incapaz de convergir para uma única plataforma política. Isto explica porque Marina Silva evita elogiar a tortura e a destruição da natureza durante a ditadura. Os grupos de direita que aderiram à candidatura do PSB não falam absolutamente nada sobre ecologia no futuro governo de Marina Silva. Os silêncios indicam que esta união casual e não tem futuro. Os líderes dos dois grupos parecem saber disto. Tanto que adotaram estratégias discursivas transitórias:

"As estratégias discursivas dos diferentes atores, e em especial os efeitos retóricos que têm em vista produzir uma fachada de objetividade, dependerão das relações de força simbólicas entre os campos e dos trunfos que a pertença a esses campos confere aos diferentes participantes ou, por outras palavras, dependerão dos interesses específicos e dos trunfos diferenciais que, nesta situação particular de luta simbólica pelo veredicto 'neutro', lhes são garantidos pela sua posição nos sistemas de relações invisíveis que se estabelecem entre os diferentes campos em que eles participam. Por exemplo, o politólogo terá, como tal, uma vantagem em relação ao homem político e ao jornalista, pois se lhe concede mais facilmente o crédito da objetividade, e tem a possibilidade de recorrer à sua competência específica, por exemplo, à história eleitoral que lhe permite fazer comparações. Ele poderá aliar-se aos jornalistas, cujas pretensões à objetividade reforça e legitima. O que resulta de todas estas relações objetivas, são relações de força simbólicas que se manifestam na interação em forma de estratégias retóricas: estas relações objetivas determinam no essencial quem pode cortar a palavra, interrogar, responder fora do que foi perguntado, devolver questões, falar longamente sem ser interrompido ou passar por cima das interrupções, etc, quem está condenado a estratégias de denegação (interesses, estratégias interessadas, etc), a recusas de respostas rituais, a formas esterotipadas, etc. Seria preciso ir mais longe, e  mostrar como é que a apreensão das estruturas objetivas permite explicar o pormenor dos discursos e das estratégias retóricas, das cumplicidades ou dos antagonismos, dos 'golpes' desferidos e bem sucedidos, etc, em resumo tudo o que a análise do discurso julga que pode compreender a partir unicamente dos discursos." (O PODER SIMBÓLICO, Pierre Bourdieu, Bertrand Brasil, 11ª edição, p. 56).

Uma ecologia de direita é possível? A resposta a esta pergunta é dada pelo próprio Pierre Bordieu quanto trata da representação política como um sistema de desvios:

“O campo no seu conjunto, define-se como um sistema de desvios de níveis diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos discursos que eles produzem, tem sentido senão relacionalmente, por meio do jogo das oposições e das distinções. É assim, por exemplo, que a oposição entre ‘direita’ e a ‘esquerda’ se pode manter numa estrutura transformada mediante uma permuta parcial dos papéis entre os que ocupam estas posições em dois momentos diferentes ( ou em dois lugares diferentes): o racionalismo, a fé no progresso e na ciência que, entre as duas guerras, em França como na Alemanha, constituíam o ideário da esquerda enquanto que a direita nacionalista e conservadora se dava mais ao irracionalismo e ao culto da natureza, tornaram-se hoje, nestes dois p0aíses, no coração do novo credo conservador, fundamentado na confiança no progresso, na técnica e na tecnocracia, enquanto que a esquerda se vê recambiada para temas ideológicos ou práticas que pertenciam exclusivamente ao pólo oposto, como o culto (ecológico) na natureza, o regionalismo e um certo nacionalismo, a denúncia do mito do progresso absoluto, a defesa da ‘pessoa’, tudo isto banhado de irracionalismo.” (O PODER SIMBÓLICO, Pierre Bourdieu, Bertrand Brasil, 11ª edição, p. 179/180).

Mas se uma ecologia de direita é possível (como parece provar a união de Marina Silva aos defensores de uma ditadura programaticamente anti-ecológica)  isto não quer dizer que toda a ecologia tenha migrado da esquerda do campo político. Há no discurso de Dilma Rousseff uma clara preocupação ecológica. A valorização das energias renováveis e o compromisso do Brasil com uma matriz energética limpa é, aliás, um projeto de Estado e transcende à disputa entre os partidos políticos. A ecologia de direita, além disto, só existe no plano retórico e para efeitos eleitorais. Se Marina Silva for eleita e tentar implantar um programa de governo mais verde, parte de seus apoiadores migrarão automaticamente para a oposição.

Os ruralistas comprometidos com o trabalho escravo que aderiram à campanha do PSB também são mais anti-petistas do que entusiastas da ecologia. O maior problema de Marina Silva talvez seja exatamente este. Ela não tem um programa de governo porque foi obrigada a aderir ao anti-petismo e sem o anti-petismo sua penetração eleitoral à direita ficaria bastante reduzida. O discurso anti-alguma-coisa pode até construir uma base eleitoral, mas dificilmente se transforma em programa de governo. A única exceção conhecida foi o nazismo.

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Hitler chegou ao poder pelo voto anti-semita e fez aprovar leis anti-semitas cada vez mais rigorosas até adotar o extermínio físico dos judeus. Uma solução final para a candidata do PSB conservar suas alianças caso seja eleita com base no anti-petismo seria tentar empurrar o PT para ilegalidade. Se fizer isto, porém, Marina Silva provocará tumultos que comprometerão a eficácia do seu governo dentro do país e a imagem do próprio país no exterior. Se abandonar o anti-petismo após a eleição, ela corre o risco de ficar isolada sendo obrigada a tentar atrair para o governo a bancada do PT no Congresso Nacional (algo que certamente transformaria os anti-petistas em anti-marinistas).

Resumindo: levando em conta a teoria de Pierre Bourdieu uma ecologia de direita é possível, mas não no Brasil atual. A eleição de Marina Silva, porém, representa um perigo muito maior: o de provocar caos político e econômico, esvaziando totalmente o espaço em que a Política é feita e abrindo caminho para um ressurgimento da extrema-direita belicosa.   

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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