INTRODUÇÃO. 2. LIMITAÇÃO AOS LANCES NO PREGÃO ELETRÔNICO. 3. DA LIMITAÇÃO TEMPORAL E DA LIMITAÇÃO ECONÔMICA. 4. PONDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DOS LIMITES TEMPORAIS, NOS MOLDES ESTABELECIDOS PELA IN 03/2011. 5. CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
Um tema que vem causando certa preocupação aos pregoeiros, aos agentes públicos que atuam no ambiente licitatório e também aos fornecedores que oferecem bens e serviços à Administração é a limitação à faculdade de apresentação de lances.
Recentemente, deparei-me com uma situação interessante, ocorrida em sessão de licitação na modalidade pregão eletrônico, que gerou representação feita por uma empresa, que havia sido classificada em segundo lugar e alegava suposta irregularidade cometida no referido Pregão Eletrônico, pela empresa classificada em primeiro lugar.
A suposta irregularidade envolveria a aceitação, pela Pregoeira, do último lance registrado pelo licitante declarado vencedor, no Sistema Comprasnet, o qual teria desrespeitado o prazo mínimo entre lances, estabelecido pela Instrução Normativa nº 3, de 4 de outubro de 2013.
De acordo com o registro da sessão, a empresa classificada em primeiro lugar havia apresentado um lance menor que o da empresa representante, 746 milésimos de segundo (cerca de sete décimos de segundo) após o lance da empresa classificada em segundo lugar! Com base em tal situação, representação apresentada pela empresa classificada em segundo lugar, com base nas alterações decorrentes da IN 03/2013, requereu a desconsideração do último lance ofertado pela empresa melhor classificada, o que a tornaria vencedora do certame.
No caso concreto, vivenciado rotineriamente pelos Pregoeiros e pelos licitantes, o cumprimento da regra disposta no referido normativo envolve diversas nuances, que merecem certa reflexão.
2. LIMITAÇÃO AOS LANCES NO PREGÃO ELETRÔNICO
A limitação à faculdade de apresentação de lances vem se apresentando como um desafio a ser resolvido, notadamente no pregão eletrônico. Basicamente, há duas questões percebidas como problemáticas e prejudiciais à competitividade:
a) a apresentação de lances com valores irrisórios;
b) a utilização de ferramentas tecnológicas, denominadas “robôs”, as quais permitem que um licitante programe a oferta de lances imediatamente após ao ofertado pelo concorrente, ultrapassando-o;
Para combater essas duas questões, a diligente Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLITI/MPOG)[1] publicou a Instrução Normativa n. 03/2011, posteriormente alterada pela recente Instrução Normativa n. 03/2013.
Vale transcrever os principais trechos da IN 03/2011, já compilando-a com as alterações produzidas pela IN 03/2013:
Art. 1º Subordinam-se ao disposto nesta Instrução Normativa os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais - SISG, bem como os órgãos e entidades que firmaram Termo de Adesão para utilizar o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG.
"Art. 1º-A - O instrumento convocatório poderá estabelecer intervalo mínimo de diferença de valores entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação à proposta que cobrir a melhor oferta. (Incluído pela In 03/2013)
Art. 2º Na fase competitiva do pregão, em sua forma eletrônica, o intervalo entre os lances enviados pelo mesmo licitante não poderá ser inferior a 20 segundos.
Art. 2º - Na fase competitiva do pregão, em sua forma eletrônica, o intervalo entre os lances enviados pelo mesmo licitante não poderá ser inferior a vinte (20) segundos e o intervalo entre lances não poderá ser inferior a três (3) segundos." (redação dada pela In 03/2013)
Art. 3º Os lances enviados em desacordo com o artigo 2º desta norma serão descartados automaticamente pelo sistema.
§ 1º - Em caso de falha no sistema, os lances em desacordo com a norma deverão ser desconsiderados pelo pregoeiro, devendo a ocorrência ser comunicada imediatamente à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. (Incluído pela In 03/2013)
§ 2º - Na hipótese do parágrafo anterior, a ocorrência será registrada em campo próprio do sistema." (Incluído pela In 03/2013)
O citado normativo envolve regras que buscar impor limitações aoa lances ofertados pelos licitantes. Contudo, com as alterações perconziadas pela IN 03/2013, verifica-se que houve uma mudança na lógica limitadora, a qual impõe novos desafios ao pregoeiro, enquanto gestor do procedimento licitatório.
3. DA LIMITAÇÃO TEMPORAL E DA LIMITAÇÃO ECONÔMICA
Como se percebe, o citado normativo estabelece intervalos mínimos de duas espécies (temporais e econômicos), entre os lances e entre os lances intermediários[2].
Em relação ao intervalos mínimos para apresentação de lances com diferença de valor (limitação econômica), permitidos pelo novo artigo 1-A, tal regramento é salutar e busca prever mecanismos que coíbam a possibilidade de eventual licitante cobrir o menor preço ofertado com desconto irrisório, raciocínio outrora já defendido pelo Tribunal de Contas da União.[3]
Pela redação da Instrução Normativa 03/2011, com as alterações da IN 03/2013, tais intervalos mínimos deverão ser previstos pelo edital, para que possam ser exigidos pelo órgão licitante.
Art. 1º-A - O instrumento convocatório poderá estabelecer intervalo mínimo de diferença de valores entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação à proposta que cobrir a melhor oferta.
Em síntese, a limitação econômica visa evitar lances com descontos irrisórios e precisar estar prevista no edital, para que possa ser exigida.
Em relação aos intervalos mínimos para apresentação cronológica dos lances (limitação temporal), tal exigência, pelo normativo, busca evitar a utilização de programas de tecnologia que conspurquem a competitividade, vulgarmente denominados “robôs”. Sobre tais programas, o TCU já firmou que o uso de programas “robô” por parte de licitante, viola o princípio da isonomia.[4]
Contudo, importante observar que, em relação às limitações temporais, a redação da Instrução Normativa 03/2011, com as alterações da IN 03/2013, não exige expressamente que os intervalos mínimos temporais estejam previstos no edital.
Art. 2º - Na fase competitiva do pregão, em sua forma eletrônica, o intervalo entre os lances enviados pelo mesmo licitante não poderá ser inferior a vinte (20) segundos e o intervalo entre lances não poderá ser inferior a três (3) segundos."
Mais ainda, o citado normativo estipula que, mesmo quando o sistema falhe no bloqueio a lances que derespeitem os intervalos mínimos temporais, tais lances devem ser desconsiderados pelo pregoeiro, com registro no sistema e comunicação da ocorrência à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação!
Este detalhe gera algumas questões problemáticas e fomenta críticas ao normativo, pela incumbência imposta ao Pregoeiro, sem a necessária reflexão sobre a dinâmica do procedimento licitatório e sobre os dilemas enfrentados na condução do procedimento licitatório.
4. PONDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DOS LIMITES TEMPORAIS, NOS MOLDES ESTABELECIDOS PELA IN 03/2011
Com a devida venia, embora entendamos como justa a tentativa de criar limites, buscando evitar abusos na apresentação de lances, pelos licitantes, compreendemos como infeliz a redação do parágrafo §1º ,acrescido pela IN 03/2013 ao artigo 3º da IN 03/2011, o qual, ao tratar sobre a limitação temporal dos lances, impõe que:
“Em caso de falha no sistema, os lances em desacordo com a norma deverão ser desconsiderados pelo pregoeiro, devendo a ocorrência ser comunicada imediatamente à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação”.
A IN 03/2013, ao prescrever que os lances enviados em desacordo com seu artigo 2º deveriam ser descartados automaticamente pelo sistema e que, “em caso de falha no sistema, os lances em desacordo com a norma deverão ser desconsiderados pelo pregoeiro”, lançou para este agente público (e para a autoridade superior, quando da homologação do certame) a resolução de intrincado dilema: buscar a contratação da melhor proposta ou atender uma regra infralegal para sua desclassificação?
Nada obstante a clareza do citado normativo, parece-nos que o dilema posto não pode ser resolvido de forma automática, em desprestígio aos princípios que conformam a atividade administrativa, como a eficiência e a razoabilidade.
A proposta limitadora da Instrução Normativa, embora fundamentada em boa intenção, não adota a melhor solucão para o problema enfrentado. Com a atual redação, o referido normativo pode impor ao pregoeiro uma decisão manifestamente contrária ao interesse público de buscar a proposta mais vantajosa, contrariando princípios basilares como eficiência, economicidade e razoabilidade!
Obviamente, num plano geral, coibir práticas irregulares e fraudulentas, como o uso do “robô”, protege a competitividade. Por isso mesmo, é legítima a restrição implementada pelo Sistema, conforme determinado pelo normativo. Contudo, a regra incluída (não disposta na redação original da IN 03/2011), que obriga o pregoeiro à desconsideração de lances admitidos pelo sistema, bem como a desnecessidade de previsão em edital, parece gerar problemas ainda piores.
Convém lembrar que o pregoeiro apenas tem a identificação dos licitantes ofertantes de lances, no Sistema, após o fim deste procedimento competitivo. Isso gera a seguinte situação prática: quando finalizados os lances, com a abertura da classificação e a leitura da ata que registra a sequência de lances, somente à partir daquele momento, é possível identificar os lances praticados em descumprimento ao limite temporal estabelecido pelo IN 03/2011! Inexistindo bloqueio pelo Sistema, é certo que serão identificados diversos lances descumpridores da regra de limitação temporal.
Possivelmente, a grande quantidade de lances “descumpridores” não se dá pela inexistência de bloqueio automático pelo Sistema, mas porque, conforme explicação enviada pelo SERPRO, o Sistema não bloqueia os lances intermediários![5]
Interessante, nesse ponto, o fato de que a IN 03/2011 em nenhum momento ressalva os lances intermediários da limitação temporal! Esta é mais uma curiosa situação em que o Sistema cria “regra” destoante da norma jurídica, o que demonstra certa dificuldade de comunicação entre os órgãos de regulamentação e os de programação.
Ora, sem o bloqueio do Sistema, restou ao pregoeiro a grande responsabilidade de desconsideração desses lances. Ocorre que, como já visto, este agente público apenas poderá ter conhecimento do desrespeito à limitação temporal após o fim da etapa de lances. Neste momento poderão ser identificados diversos descumprimentos por partes dos licitantes, antes mesmo do tempo randômico.
Em um dos processos que analisamos, por exemplo, a empresa que representou, exigindo o cumprimento da IN 03/2013, com desclassificação do primeiro classificado, havia descumprido o mesmo normativo em quase dez lances anteriores!
Há, ainda, a problemática situação em que vários licitantes, durante o momento final da etapa de lances, apresentam lances em sequência, descumprindo a limitação temporal, sem bloqueio do sistema. Nesses casos, a ordem de “desconsideração” pode influenciar o resultado do certame. Exemplificando: se quatro licitantes ofertarem lances sequenciais, com intervalos de apenas um segundo, poderemos ter um dilema não pensado no normativo. Se o pregoeiro realizar a desconsideração na ordem da irregularidade cometida, o último lance, embora descumpridor do normativo, não deverá ser “desconsiderado”, já que, com o desfazimento (desconsideração) do lance antecedente, deixará de existir a situação de irregularidade em relação ao último lance válido?
Noutro prisma, a deconsideração pode se apresentar como um ato claramente antieconômico, quando propiciar relevante aumento do valor da contratação. Imagine a situação em que o lance do licitante melhor classificado, embora apresentado com menos de três segundos de diferença, gere redução de 20%, em relação ao lance anterior! Seria sempre legítima a decisão do pregoeiro (ou pregoeira) de, mesmo registrado o lance no tempo regular do Sistema, desconsiderar tal proveito econômico para a Administração Pública? Certamente, simplesmente desconsiderar um lance tão vantajoso poderia ser considerado um ato antieconômico!
Com a devida venia, a regra estabelecida pelo novo parágrafo primeiro do artigo 3º da Instrução Normativa 03/2011, com redação dada pela IN 03/2013,[6] não parece uma opção a ser aplicada de forma absoluta, em todas as situações. O normativo pode impor ao pregoeiro a tomada de uma decisão que afronte princípios básicos da Administração Pública, como: eficiência, economicidade e razoabilidade.
Na gestão pública, o administrador está obrigado a agir tendo como parâmetro a melhor atuação, com o compromisso indeclinável de encontrar a solução mais adequada economicamente na gerência da coisa pública[7], buscando sempre a realização dos atos administrativos de acordo com a relação custo-benefício, de maneira que os recursos públicos possam ser gastos da forma mais vantajosa e eficiente.
Esse bom trato da res pública, atendendo à eficiência e à economicidade, tem relação direta com a concepção de Estado Democrático de Direito, no qual as regras e a atuação administrativa buscam dar garantias à coletividade, mas também protegem o indivíduo, inclusive de uma atuação exageradamente onerosa ou ineficiente do Estado que ele sustenta, através dos tributos.
As questões jurídicas devem ser resolvidas, não pelo menosprezo da lei, mas pela valorização dos seus elementos finalísticos. Conforme explica Alexandre Santos de Aragão, “todo ato, normativo ou concreto, só será válido ou validamente aplicado, se, ex vi do Princípio da Eficiência (art. 37, caput, CF), for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir esta, se for pelo menos uma maneira razoavelmente eficiente de realização dos objetivos fixados pelo ordenamento jurídico”[8].
Não é razoável a desclassificação de um lance, apresentado com melhor valor, pelo simples fato dele ter, de maneira autorizada pelo sistema, sido apresentado em momento praticamente simultâneo ao do segundo colocado.
A doutrina argumenta que a razoabilidade condiciona a atuação discricionária da Administração, coibindo a arbitrariedade, pelo excesso ou falta de proporção entre o ato e a finalidade a que se destina. “Um ato, mesmo observando os requisitos legais para a sua formação, pode recair na ilegalidade se não for razoável, exorbitando do poder discricionário”. [9]
A razoabilidade (ou proporcionalidade ampla) impõe uma tríplice exigência ao desempenho da função administrativa, de forma que, para a realização de fins públicos, sejam adotados meios adequados, necessários e proporcionais. Alguns autores preferem denominar essa diferenciação como subprincípios da proporcionalidade ampla, quais sejam: adequação (utilidade) – a medida deve ser apta ao fim desejado; necessidade (exigibilidade) – o meio deve ser aquele que menos cause prejuízo aos administrados; proporcionalidade em sentido estrito – as vantagens devem superar as desvantagens.
Definitivamente, em muitas situações concretas, a solução apontada pelo normativo não se apresentará adequada, necessária ou proporcional!
Importante a percepção de que a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação da Administração Pública. Como destacou o STF, o exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da razoabilidade (proporcionalidade ampla), inclui-se no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das ações emanadas do Poder Público. Sob esse aspecto, o princípio da proporcionalidade é essencial ao Estado Democrático de Direito, servindo como instrumento de tutela das liberdades fundamentais, proibindo o excesso e vedando o arbítrio do Poder, enfim, atuando como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.[10]
Este raciocínio já foi externado pelo Ministério Público Federal, em manifestação da lavra do Exmo. Procurador da República, Paulo José Rocha Júnior:[11]
Assevere-se, por oportuno, que eventual desclassificação da empresa (...)tal qual postulado pela impetrante destoaria da razoabilidade - que condiciona a atuação discricionária da Administração, coibindo a arbitrariedade, pelo excesso ou falta de proporção entre o ato e a finalidade a que se destina - visto que, além de não ter ficado comprovado que a mesma se utilizou de meio fraudulento/ardil para sagrar-se vencedora no certame licitatório em tela, foi a que apresentou proposta mais vantajosa à Administração Pública.
Não há que se exigir, especialmente em se tratando de licitações, extrema rigidez dos preceitos formais que regem o certame. A jurisprudência do STJ consagra a necessidade de equilíbrio entre o princípio da vinculação ao edital e o da obtenção da proposta mais vantajosa.
(...)
Com efeito, tal interpretação não há que causar qualquer perplexidade nos licitantes ou instabilidade nas regras licitatórias, eis que a regra, prevista em lei, é da validade do lance e da preservação da vantagem para a Administração, ainda que de pouco valor. Ausente, prima facie, a irregularidade que a Instrução Normativa visava coibir, é legitima a decisão pela manutenção do lance mais baixo.
Noutro diapasão, necessário firmar que fraude não se presume! Em virtude das características de um certame eletrônico, na prática, os licitantes podem apresentar seus lances de forma praticamente simultânea, em localidades diferentes, sem conhecimento do lance antecedente. Assim, não há que se presumir a ocorrência de fraude, com o uso da ferramenta robô, pela mera proximidade temporal dos lances!
Recentemente, em processo que analisamos, ocorreu uma situação interessante! Uma empresa representou ao órgão administrativo, exigindo o cumprimento da supracitada instrução normativa, alegando que a vencedora do certame teria usado a ferramenta robô. A pregoeira, após analisar os lances da empresa vencedora, não identificou qualquer padrão de preço ou de tempo em seus lances, motivo pelo qual, após ouvir a Consultoria Jurídica do órgão, interpretou que não teria ocorrido fraude, decidindo por não realizar a desclassificação exigida e mantendo a contratação do menor lance.
A empresa requerente, inconformada, judicializou a questão, conseguindo, inclusive, liminar judicial ordenando a desclassificação do licitante melhor classificado. Contudo, após as informações e manifestações apresentadas pela Pregoeira e pela Advocacia Geral da União, de forma interessante, foi demonstrado que (diferentemente do ocorrido com a licitante vencedora) havia um padrão de tempo e preço em vários lances da licitante que impetrou a ação judicial (então classificada em segundo lugar), o que induzia à provável verdade de que justamente ela, e não a vencedora da licitação, tinha utilizado a ferramenta denominada robô!
O Exmo. Desembargador Federal Jiran Aram Meguerian, analisando a questão[12], decidiu por cassar a liminar, admitindo a flexibilização da instrução normativa, para que fosse afastada sua aplicabilidade, em situações excepcionais, quando não identificados indícios de cometimento da fraude.
8. Certo é que os arts. 2" e 3" da Instrução Normativa SLTI/MPOG n"03/2011, com redação alterada pela Instrução Normativa n" 03/2013, dispõem que, na fase competitiva do pregão eletrônico, os lances enviados com diferença de tempo inferior a três segundos deverão ser descartados pelo sistema ou, em caso de erro deste, pelo pregoeiro.
9. A edição da norma em questão se justifica, conforme explica a própria agravante, para evitar a utilização de programas de tecnologia que frustrem a competitividade dos licitantes (também denominados "robôs") e, em última análise, que violem o princípio da isonomia.
10. Porém, não menos certa é a possibilidade de flexibilização da norma que disciplina a matéria para que, em situações excepcionais, seja afastada sua aplicabilidade, como no caso concreto, em que, ao que parece, não se utilizou a empresa (...), até então classificada em primeiro lugar, de programa de tecnologia para a oferta de lance (...) mais vantajoso ao Poder Público antes do transcurso do lapso de tempo de três segundos disposto na IN SLTI/MPOG n" 03/201L
(...)
15. Parece corroborar o entendimento acima o fato de que, quando comparados os últimos lances apresentados pela (...) com aqueles apresentados pelas empresas (...), não há, em princípio, padrão matemático de redução de lances a ensejar sempre a oferta de proposta mais vantajosa, conforme se verifica, a titulo de exemplo, da análise dos seguintes quadros comparativos (...)
16. Amparado em tais fundamentos, e considerando, a princípio, que a aparente ausência de padrão matemático afasta a presunção de que utilizado 'robô' pela empresa Rocha Bressan para a oferta da proposta mais vantajosa à Administração, entendo deva ser afastada a aplicação dos arts. 2" e J" da Instrução Normativa SLTI/MPOG n" 03/2011, reformando-se, pois, a decisão agravada. [...].
O Magistrado adotou o raciocínio de que fraude não se presume e também o de que a regra imposta pela referida instrução normativa não seria aplicável sempre, de forma absoluta, sendo possível sua flexibilização, de acordo com os princípios que devem lastrear a Administração Pública.
Assiste razão ao ilustre Desembargador. Ora, se a finalidade da regra é coibir a utilização da ferramenta tecnológica denominada robô, não se justifica a desconsideração do lance, em prejuízo da melhor proposta, quando não evidenciada a ocorrência desta fraude!
5. CONCLUSÃO
Em nossa opinião, não foi feliz a redação dada ao parágrafo §1º do artigo 3º da IN 03/2011, acrescido pela IN 03/2013[13]. A obrigatoriedade de desconsideração, pelo pregoeiro, de lances que não atendam o limite temporal previsto pelo normativo, pode gerar diversas dificuldades em sua aplicação concreta, notadamente diante de uma realidade na qual o Sistema deixa de bloquear os lances tidos como intermediários, dada as peculiaridades do pregão eletrônico.
Melhor seria que a desconsideração fosse apresentada como uma faculdade a ser utilizada pelo pregoeiro, quando identificados indícios de utilização da ferramenta robô. Deve-se permitir ao pregoeiro a liberdade gerencial de, atendendo ao interesse público primário estabelecido pelo legislador pátrio, optar pela contratação mais vantajosa. Assim, na hipótese concreta, aquele agente público tomaria a decisão lastreado nas nuances realmente existentes, adotando sempre comportamento condizente com os princípios que conformam a atividade administrativa.
Mais adequado, ainda, seria criar uma regra objetiva de bloqueio ou de definição sequencial, na apresentação dos lances, evitando não apenas a utilização do robô, como fomentando lances com reduções reais, afastados da redução a valores inexequíveis, comumente produzida pelo ímpeto desmedido da disputa.
De qualquer forma, mesmo não parecendo uma regra adequada, a redação do parágrafo §1º, acrescido ao artigo 3º da IN 03/2011, pela IN 03/2013, foi aprovada pelo órgão com competência para dispor instruções complementares sobre o uso da modalidade pregão, em seu formato eletrônico. Nesta feita, enquanto vigente a atual redação, a obediência pelos(as) pregoeiros(as) à regra da IN 03/2013 é admissível, tendo em vista a função normativa da referida Instrução.
Recomendável, de qualquer forma, que o Ministério do Planejamento, através da competente SLTI/MPOG, avalie a alteração do referido normativo, com o estabelecimento de melhores critérios para a justa limitação da oferta de lances, nas licitações públicas.
Notas
[1] Órgão com competência para dispor instruções complementares sobre o uso da modalidade pregão
[2] Lance intermediário é o lance apresentando pelo licitante, menor que seu lance anterior, embora existindo lance mais baixo ofertado por outrem.
[3] TCU. Acórdão 1442/2013-Plenário, relator Ministro Raimundo Carreiro, 12.6.2013.
[4] TCU. Acórdão n.º 2601/2011-Plenário, rel. Min. Valmir Campelo, 28.09.2011.
[5] Neste sentido, informou a SLTI/MPOG, no ofício nº 1266/DELOG/SLTI-MP
[6] § 1º - Em caso de falha no sistema, os lances em desacordo com a norma deverão ser desconsiderados pelo pregoeiro, devendo a ocorrência ser comunicada imediatamente à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação.
[7] FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 85-86.
[8] Aragão, Alexandre Santos. O princípio da eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n.4, nov./dez. 2005. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br>.
[9] HARADA, Kiyoshi. Dicionário de direito público. 2ª. ed. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 264-265.
[10] STF HC 103529-MC/SP. Informativo 585
[11] Manifestação nº 375/2014/PJ. Processo n° 29299-51.2014.4.01.3400
[12] Agravo de Instrumento Nº 0027835-07.2014.4.01.0000/DF.
[13] § 1º - Em caso de falha no sistema, os lances em desacordo com a norma deverão ser desconsiderados pelo pregoeiro, devendo a ocorrência ser comunicada imediatamente à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação.