O deputado Zequinha Marinho submeteu à apreciação do Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.402/2014 que se encontra em tramitação. Trata-se de uma proposta de real avanço para o arcabouço da polícia investigativa brasileira, oferecendo-lhe um feição estruturada sobre sólidos alicerces onde aproveita os recursos humanos com total racionalidade, a exemplo das melhores polícias do planeta. Não tardaram as manifestações contrárias ao referido Projeto de Lei, oriundas dos opositores da evolução policial cuja meta é sustentar uma casta existente apenas no Brasil, os delegados de polícia, e que, comprovadamente, retarda a celeridade e o aprimoramento das investigações policiais. Como veremos a seguir, a perspectiva ortodoxa dos delegados contribui para a redução da eficácia policial.
O vigor da polícia reativa repousa nas modernas técnicas de investigação voltadas para o esclarecimento da ilicitude. Quanto ao crime em si, o investigador necessita apenas de conhecimentos pertinentes aos atos que a lei proíbe, isto é, a sua apreciação agrega-se tão-somente à identificação da violação culpável da lei penal a fim de reprimi-la através de técnica policial. Uma polícia integrada por juristas, cujos componentes são jurisperitos é uma ofensa à lógica, uma verdadeira agressão à coerência de raciocínio, até porque a análise do direito é atributo exclusivo do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos advogados. Vejamos a definição do dicionarista Aurélio para o vocábulo "jurisconsulto", equivalente a jurista: "homem versado na ciência do direito e que faz profissão de dar pareceres acerca de questões jurídicas". Essa enunciação é esclarecedora, isto é, remete às atribuições de advogados, juízes e membros do Ministério Público, não se concilia com as atividades policiais, pelo contrário, exigir do policial a elaboração de pareceres jurídicos equivale a impor ao condutor de ambulância a formulação de diagnostico da doença, foge ao bom senso, quem avalia o estado clínico do paciente é o médico, tal qual o Ministério Público analisa a juridicidade do processo penal e, principalmente, não está adstrito à opinião ou parecer "jurídico" de delegado. Por outro lado, delegado é um cargo perdulário pelo fato de causar um dispêndio elevado aos cofres públicos em função de suas tarefas estarem associadas tão-somente à compilação da investigação realizada por outros policiais e discorrer sobre a conformidade dos princípios do direito, a injuridicidade ou a ilegalidade do ato investigado que é atribuição do Ministério Público. Essa redundância na qual o delegado perde um enorme tempo, pago pelos contribuintes, fazendo um trabalho inóxio que não lhe cabe, cuja elaboração será efetivamente procedida pelo Promotor de Justiça ou Procurador da República, encarece a metodologia em função do desvio de finalidade, da sobreposição de tarefas e pela dispensabilidade desse procedimento que, de fato, não tem qualquer significação ou senso jurídico, afora o afastamento do delegado da trilha policial investigativa.
A atual configuração da polícia brasileira na qual o policial versado em direito centraliza os procedimentos policiais, travestido de promotor de justiça, a fim de priorizar os "métodos e atos jurídicos", subverte a essência da natureza policial e aniquila o gosto pela investigação em função de relegar ao segundo plano os verdadeiros atributos de polícia. Nesse diapasão, os novos policiais são forçados a banir a primazia do esclarecimento do delito para darem preferência à utópica análise jurídica do crime, assim, divagam do objetivo primordial da polícia para aproximarem-se mais do direito adjetivo e focar menos na solução do crime a ser investigado. Sem dúvida, essa inversão de valores é um dos fatores que entravam a engrenagem policial no Brasil.
Encontram-se à disposição na Internet diversos artigos contendo análises comparativas entre o delegado de polícia brasileiro e o Special Agent do FBI, o Federal Bureau of Investigation, onde os autores imputam similitudes em ambas funções. Não sabemos se por inocência, entretanto os referidos artigos não estão em conformidade com o real. Na verdade, o FBI guarda pouca ou nenhuma proporção com a nossa polícia, a começar pelos requisitos de qualificação de formação profissional para o ingresso na carreira de Special Agent que consiste em uma diversificação muito grande de cursos superiores onde, na prática, qualquer disciplina ou curso superior é aceito (https://www.fbijobs.gov/111.asp). Em contrapartida, para o delegado brasileiro a exigência é tão-somente o curso de direito. Trata-se de marcante diferença. Para uma melhor compreensão, imaginemos a ocorrência de uma ilicitude penal no âmbito contábil, por exemplo, neste caso o Special Agent designado para investigar o mencionado crime seria um contador, em lugar de um delegado brasileiro que nada sabe acerca de sistema contábil. Da mesma forma, se o crime relacionar-se com informática, o investigador será um Special Agent versado em Ciência da Computação ou Tecnologia da Informação e assim sucessivamente. Faz sentido. Trata-se da especialização voltada para a proficiência, otimizando os trabalhos de polícia. Não é à-toa que o Federal Bureau of Investigation é uma das melhores polícia do mundo. Como se vê, o FBI concilia a especialidade do investigante com a natureza do crime a ser investigado, nada mais lógico e sensato, ao contrário da polícia brasileira que dá prioridade ao caráter jurídico da ilicitude penal que em nada ajuda ao esclarecimento do crime. Portanto, no âmbito da investigação, poderíamos dizer que o delegado brasileiro é um investigador calça-curta.
O Projeto de Lei nº 7.402/2014 é um misto de simplicidade e evolução porque utiliza-se das leis já existentes para harmonizar-se com elas próprias e, também, dá caráter ou cunho de especialidade à polícia investigativa. Nesse PL, destaca-se o desenvolvimento para a organização policial contido nos seguintes artigos:
“Art. 16. Considera-se autoridade policial de investigação, para os efeitos desta lei, o servidor ocupante de cargo da carreira policial designado por ato do chefe da unidade policial para o exercício da função.
“Art. 17. São requisitos para o exercício da função de autoridade policial de investigação:
“I – Ser servidor estável;
“II – Possuir formação acadêmica superior;
“III – Possuir habilitação específica adquirida em curso ministrado pelas academias de polícia ou instituições congêneres.”
Os citados artigos firmam na polícia brasileira procedimentos investigativos análogos aos adotados pelo FBI, isto é, o policial encarregado da investigação será o especialista na metodologia empregada no crime em questão, tal qual o citado exemplo em que o investigador de um ilícito contábil seria um policial com formação superior em contabilidade. Trata-se, sem dúvida, de um passo de gigante para a eficácia policial no Brasil porque o campo de atuação do investigador irá harmoniza-se com a sua própria habilidade profissional. Por outro lado, elimina-se as excrescências na polícia que, assim como o condutor da ambulância não deve interferir nos trabalhos do médico, o policial também não deve ousar emitir diagnóstico jurídico, abstendo-se de ingerir-se nas atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Dúvidas não persistem quanto à progressão estrutural da polícia contida no Projeto de Lei nº 7.402/2014, especialmente no campo técnico-científico onde haverá um elo entre a investigação criminal e a habilidade técnica do policial; outro benefício associa-se ao real aproveitamento dos recursos humanos, hoje mal distribuídos, causando uma significativa economia financeira para a Nação brasileira pelo fato de, no instante em que o PL tornar-se lei, ocorrer um aumento de efetivo funcional sem novas contratações à medida em que se redistribui a mão-de-obra de policiais já qualificados que hoje estão impedidos de investigar. Mas não é tão fácil, atrever-se a querer melhorar a polícia equivale a transformar-se em saco de pancada. É o que ocorre com o Projeto de Lei sob análise que está sofrendo ataques de delegados e da própria Associação dos Delegados da Polícia Federal, a ADPF. Fato curioso é que a aludida entidade classista não apresenta qualquer sugestão para melhorar a segurança pública, sugere apenas a elaboração de normas para aumentar o poder dos delegados. Por exemplo, querem para si as garantias inerentes ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pretensão incompreensível, policiais não necessitam de tais garantias que poderiam gerar até procedimentos torpes de alguns policiais.
Portanto, o forte obstáculo à modernização da polícia investigativa é encetado pelos delegados. A Associação de Delegados da Polícia Federal tornou-se uma entidade cuja função primordial é depreciar a evolução investigativa da polícia. Qualquer que seja a melhoria proposta, mesmo de interesse público, se não contiver um cunho corporativista a ADPF é contra. Essa associação especializou-se em hostilizar os que trabalham na persecução penal em prol da sociedade brasileira. Não faltam manifestações de delegados tratando como inimigos os promotores de justiça e os membros da Procuradoria da República. Para se ter uma idéia do desvario dos delegados, a Associação de Delegados da Polícia Federal, a ADPF, ferindo as regras da razão, recentemente publicou em seu "site" uma charge que associa o Ministério Público ao próprio diabo.