Introdução
O Direito a igualdade é consagrado na Declaração Universal dos direitos do Homem: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM). Também a Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL 1988). Porém, a sociedade brasileira contemporânea convive com inúmeras situações de desigualdade. O mundo do trabalho apresenta uma face destas desigualdades no que diz respeito à discriminação dos idosos no mercado de trabalho.
Com o intuito de melhor conhecer o problema para posteriormente apontar possíveis práticas voltadas ao combate da discriminação laboral, este estudo abordará o conceito, o contexto e a legislação em que se insere tal discriminação e, além disso, se voltará aos princípios constitucionais do direito a igualdade, isonomia e da proporcionalidade, para se discutir ao fim se a prática discriminatória encontra algum respaldo legal para sua ocorrência e, por fim, procurará apontar qual o papel da jurisdição na resistência dessas ações.
De acordo com Norberto Bobbio (2004), os direitos dos homens podem se dividir em gerações. Os direitos de primeira geração são aqueles que dizem respeito aos direitos de liberdade, visto que afirmavam a liberdade do homem frente ao Estado. Nesta concepção, o Estado tem o dever de promover o respeito ao homem, abstendo-se de lesá-lo. Já os direitos de segunda geração referem-se aos direitos sociais. Estes surgem em resposta à opressão sofrida pelos trabalhadores em detrimento dos detentores do capital. Esta geração de direitos requer uma maior intervenção Estatal nas relações privadas, requerendo para tanto, uma promoção de meios e recursos públicos para melhorar a distribuição de renda e acesso dos menos favorecidos aos direitos essenciais.
Desse modo, enquanto os direitos de primeira geração buscam uma maior liberdade do individuo frente ao Estado, os direitos de segunda geração pretendem justamente o contrário, ou seja, a intervenção do Estado na busca pela garantia de acesso aos meios necessários e essenciais para que todos os homens, sem distinção, alcancem os bens do mundo da vida (BOBBIO, 2004).
Atualmente, o que se percebe é uma busca voltada mais para o direito a liberdade do que o direito a igualdade. Este fator pode por vezes desencadear desigualdades e por decorrência o problema da discriminação, no mercado de trabalho. O neoliberalismo econômico em conjunto com a globalização da economia gera certa flexibilização dos direitos trabalhistas e desampara a classe trabalhadora, por este motivo percebe-se os contrastes existentes ente trabalhadores formais e trabalhadores informais, trabalhador com experiência e trabalhadores sem experiência e ainda trabalhadores jovens e trabalhadores idosos.
O principio da igualdade está insculpido em nossa constituição em seu artigo 5º, segundo o qual “Todos são iguais perante a lei” (BRASIL, 1988), esta igualdade a que se refere este artigo, é igualdade formal1, ou seja, do ser humano perante a lei. A igualdade material2 requer atuação de políticas públicas para sua concretização. A igualdade material está prevista em outros artigos da nossa constituição, como exemplo o artigo 7º preceitua em seu inciso XXX “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (BRASIL, 1988).
O que a Constituição Federal almeja é uma sociedade solidária e igualitária, e isso implica em diminuir as desigualdades.
Proporcionalidade e igualdade estão intimamente ligadas conforme salienta Barroso apud Goldschmidt (2010) “a importação e a sistematização do princípio da razoabilidade-proporcionalidade no direito brasileiro projetaram novas luzes sobre o tratamento doutrinário do princípio da isonomia” (BARROSO apud GOLDSCHMIDT, 1999, p. 230). A igualdade para exercer efetivamente o seu papel deve obedecer dois critérios, o primeiro diz respeito a sua observância quando da elaboração da lei e o segundo quando da aplicação desta mesma lei.
Há um consenso no mundo jurídico em dizer que deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. De toda sorte, encontra-se grande problema quando se procura saber até que ponto as partes são iguais e desiguais numa relação concreta.
Mello apud Goldschmidt (2010), expressa a verdadeira dificuldade em encontrar os pontos de igualdade e desigualdade,
Parece bem observar que não há duas situações tão iguais que não possam ser distinguidas, assim como não há duas situações tão distintas que não possuam algum denominador comum em função de que se possa parificá-las (BARROSO apud GOLDSCHMIDT ,2010, p.234).
É neste ponto que a relação entre o principio da proporcionalidade e o principio da igualdade se faz importante, visto que ao se chegar à situação acima descrita é preciso que haja uma visualização com maior precisão até que ponto as partes são iguais ou desiguais, este questionamento tem o condão de oferecer ao intérprete e ao aplicador parâmetros mais seguros na busca pelo nivelamento da eventual desproporção existente no caso concreto.
O objetivo deste trabalho, portanto, é demonstrar a desigualdade no mundo do trabalho no que diz respeito ao trabalhador idoso bem como a proteção normativa voltada para este trabalhador. Nesta análise, buscaremos analisar a legislação vigente a fim de que se possa entender que se este grupo é tratado com discriminação devido à idade este posicionamento fere a Constituição Federal de 1988 que garante igualdade de tratamento sem discriminação de sexo ou faixa etária, além do disposto no Estatuto do Idoso que resguarda a este os direitos fundamentais e as condições de viver inserido na sociedade participando desta ativamente, uma vez que dados apontam para um envelhecimento da população.
Contudo, apresentaremos iniciativas que promovem o idoso e ampliam as oportunidades para que o mesmo possa continuar ativo exercendo atividades laborais condizentes com seu contexto. Muitas pessoas idosas mesmo após a aposentadoria desejam continuar trabalhando seja para melhorar sua auto estima ou para complementar a renda familiar, uma vez que a aposentaria, para muitos, é insuficiente para suas necessidades. Há uma mudança de comportamento frente ao idoso, porém uma mudança modesta e discreta, mas que caminha na direção de fazer valer no futuro a igualdade de condições e a qualidade de vida das pessoas.
1. CONCEITO DE IDOSO
Primeiramente, antes de adentrarmos nessa difícil tarefa que é conceituar o que é idoso, estabelecer a sua definição, é importante alertar para o cuidado que se deve ter ao escolher a terminologia a ser aplicada. Juliano Junqueira de Faria (2006) diz que não se deve confundir a figura do idoso com a do velho, já que, para o autor, a sociedade entende o vocábulo velho como algo ruim:“[...] o vocábulo velho nos traz a ideia de algo obsoleto, gasto pelo uso ou significado que o valha” (FARIA, 2006, p. 14).
A concepção de idoso pode variar entre épocas e sociedades, não sendo, portanto, uma definição estática, que não admite transformações. De tal modo, embora hoje seja definido pela legislação brasileira que idoso é aquele que possui mais de 60 anos, na prática, a expectativa de vida dos indivíduos vem aumentando drasticamente, estando os maiores de 60 anos em plena atividade.
De acordo com Tereza Rodrigues Vieira e Claudiene Nascentes apud DINIZ (2007):
Em 1930, definiam-se como pessoas idosas aquelas que possuíam mais de 50 anos. Em 1945, o demógrafo Alfred Sauvy atribuía tal vocábulo àqueles com mais de 60 anos. Em 1978, na obra "A França enrugada", o termo idoso é destinado àqueles com mais de 75 anos.
Idoso, segundo DINIZ (1998), é aquele que já ingressou na velhice e que já apresenta declínio nas funções físicas emocionais e intelectuais.
KRAUSE (1994) define idoso o indivíduo na faixa etária de 65 anos e mais. Entretanto, o número crescente de pessoas ativas e sadias, no extremo jovem do espectro de envelhecimento, levou à necessidade de agrupamentos etários mais definitivos. Assim, os grupos específicos de idade, de 65 a 75 anos e de 75 anos e mais, são geralmente mencionados como o de "idoso jovem", e de idoso velho", respectivamente, ou os "envelhecidos" e os idosos"
A OMS em 1963 fez uma divisão das faixas etárias, considerando meia idade: 45 aos 59 anos; idosos 60. 74; anciãos: 75 - 90 e velhice extrema: 90 ou mais.
Para o marco da idade, o principal critério estipulado para situar as categorias etárias é a data de aniversário das pessoas, embora seja um indicativo grosseiro para o envelhecimento, visto que é um processo biológico, psicológico, sociológico e cultural (NASCENTES apud DINIZ, 2007, p.15).
Ao conceituar o vocábulo “idoso”, deve-se entender que o conceito pode variar de acordo com os parâmetros a serem adotados.
Norberto Bobbio (1997) define três tipos de velhice. A cronológica, que não leva em consideração as características do individuo, sendo, portanto, meramente formal. A burocrática, que, por sua vez, corresponderia ao acesso aos benefícios, tais como aposentadoria e o passe livre. Finalmente, classifica o terceiro tipo de velhice como a subjetiva, que depende do sentir de cada um, das características de cada indivíduo.
Já Wladimir Novaes apud DINIZ (2007), aponta como critérios os seguintes: a) cronológico (temporal); b) psicobiológico (médico); c) econômico-financeiro; d) social e e) legal.
Destrinchando cada um desses critérios, tem-se que de acordo com o critério temporal ou cronológico, seria considerado idoso aquele que atingisse determinada idade, comprovada através do Registro Civil.
O critério psicobiológico tem como fator principal a subjetividade, considerando idoso aquele que dispusesse de determinada condição física ou intelectual. Devido a sua excessiva subjetividade, pugna-se pela dificuldade em sua aplicação em âmbitos mais concretos.
No critério econômico- financeiro, o idoso é tratado como hipossuficiente econômico. Ocorre que, nos dias atuais, como veremos adiante, o idoso tem sido a principal fonte de renda do seio familiar, quedando inadequada tal conceituação.
Conforme o critério social é tido como idoso aquele que assim o é considerado no meio em que vive.
Finalmente, o critério legal dispõe que idoso é aquele conceituado pela própria legislação. De acordo com as leis pátrias:
será idoso quem tiver 60 ou mais anos de idade, homem ou mulher, nacional ou estrangeiro, urbano ou rural, trabalhador da iniciativa privada ou do serviço público, livre ou recluso, exercendo atividades ou aposentado, incluindo o pensionista e qualquer que seja a sua condição social (Martinez apud DINIZ, 2007, p.16).
Importante ressaltar que, embora a lei defina o idoso como aquele que possui idade igual ou superior a 60 anos, essa mesma legislação criou duas categorias de beneficiários dos direitos e garantias estabelecidos a essa classe. A primeira classe englobaria somente os maiores de 65 anos, a quem caberia todos os direitos do estatuto do idoso, além da gratuidade nos transportes coletivos e o benefício da LOAS. A segunda categoria refere-se aos idosos na faixa entre 60 e 65 anos, que somente seria beneficiária dos direitos remanescentes.
Apresentados os mais diversos critérios e os conceitos deles advindos, percebe-se que cada sociedade define, em seu ordenamento legal, o conceito de idoso a ser utilizado, não tendo como estabelecer uma regra geral.
1.1 Os direitos do idoso no direito internacional: A ausência de um tratado específico
A importância dos idosos não se resume ao aumento de sua população, mas também reside no fato de que boa parte desses idosos são chefes de família com renda superior aos adultos não- idosos.
As normas internacionais visam garantir a dignidade, segurança e igualdade da população em idade avançada, porém, não há um instrumento jurídico internacional que padronize seus direitos.
A organização não governamental Age Concern definiu a importância da normatização internacional dos direitos humanos ao dizer que:
os tratados são conhecidos como "hard law" porque, quando um membro das Nações Unidas os ratifica, eles tornam-se juridicamente vinculativos. Isso significa que cada Estado membro tem de adaptar suas leis às normas dos tratados e introduzir políticas e programas para implementar as diferentes partes do tratado (Age Concern apud ASSUNÇÃO;CURI, 2010, p.3).
Desta forma, a partir do momento que um país ratifica um tratado internacional, caso venha a não adaptar suas normas internas, ou, até mesmo a descumpri-lo, há o desrespeito ao tratado.
Tem-se que a discriminação em relação a idade é negligenciada pelos direitos humanos, entendendo a organização não governamental Help Age International, que a falta de regulamentação explícita em instrumentos já existentes de direitos humanos é chamada de uma “brecha normativa”. (Help Age International apud ASSUNÇÃO;CURI; 2010, p.3).
Embora seja obrigação da Organização das Nações Unidas promover e proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais, em relação ao idoso, ainda não há uma convenção multilateral que contemple a proteção das pessoas de idade avançada como tema principal.
O mesmo pode se dizer a respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que também não faz referência explícita às pessoas idosas.
De acordo com Maria Helena Notari, Maria Helena Japiassu e Marinho de Macedo Fragaso apud ASSUNÇÃO e CURI (2010), apenas a Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias condena a discriminação pautada na idade.
Mesmo que não haja um acordo internacional cujo tema principal sejam os idosos, sua proteção e a promoção de seus direitos sempre foi muito debatida.
Diniz (2007) relata que em 1982 ocorreu em Viena a Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na qual foi desenvolvido o Plano Internacional de Ação sobre o envelhecimento, que convidava cada país a formular e implementar políticas nacionais sobre o envelhecer, de acordo com suas peculiaridades. Essa Assembleia constatou a dificuldade de os governos priorizarem políticas públicas voltadas à pessoa idosa, em virtude dos altos custos, percebidos como gastos – e não investimentos -.
Embora a iniciativa tenha sido excelente, poucos países chegaram a concretizar as metas estabelecidas, seja por falta de vontade política ou até mesmo de recursos financeiros.
No final da década de 1980, foram incorporadas medidas específicas em favor das pessoas idosas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O Protocolo de San Salvador, por sua vez é, até o momento, o único instrumento vinculativo que incorpora especificamente os direitos das pessoas idosas.
O ano de 1991 é marcado pelo desenvolvimento e publicação dos Princípios das Nações Unidas a Favor das Pessoas Idosas. Embora tais princípios não sejam obrigações para os Estados, são normas gerais e não normas jurídicas vinculativas, estes motivaram alguns países a desenvolver ações concretas.
Em 2002 é realizada, em Madri, a segunda a II Conferência Internacional sobre Envelhecimento, com atenção especial à situação dos países em desenvolvimento, que define como temas centrais a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas idosas, seus direitos civis e políticos e a eliminação de todas as formas de violência e discriminação contra a pessoa de idade.
Tomando como base dados de 2002, de acordo com Pereira, Cota e Priore apud Diniz (2007), verificou-se a existência de leis e políticas nacionais sobre o idoso em 79 (setenta e nove) países do mundo, sendo que, em apenas 29 (vinte e nove) pode-se perceber a implementação dessas políticas e 16 (dezesseis) se encontravam em fase de desenvolvimento.
Ainda de acordo com a autora, poucos países incluem em seu texto constitucional a proteção a população idosa, citando entre os que o fazem: China, Cuba, Espanha, Itália, México, Peru e Portugal.
É importante citar a China, haja vista que este é o país que possui o maior número de idosos no mundo, determinando sua constituição que os idosos “fazem jus ao auxílio material do Estado e da sociedade, se doentes ou deficientes, sendo proibidos os maus tratos aos velhos, mulheres e crianças.” (DINIZ, 2007, p.24)
Já em relação a Portugal, tem se que a Constituição Portuguesa é caracterizada por uma política de promoção à terceira idade, sendo assegurados aos idosos direitos à “segurança econômica, a condições de habitação, convívios familiares e comunitários, capazes de evitar e superar o isolamento e a marginalização social, fomentando políticas que englobem medidas de caráter econômico, social e cultural para idosos.” (DINIZ, 2007, p.24)
A Espanha entende que cabe ao Poder Público promover o bem estar do idoso, independentemente das obrigações familiares, através de políticas públicas, sistemas de serviços sociais e pensões adequadas e atualizadas, destinadas à saúde, habitação, cultura e lazer dos idosos.
A Holanda é tida como um dos países pioneiros ao tratar da proteção do idoso no mundo. Pereira, Cota e Priore apud Diniz (2007) estabelece que:
O programa holandês de assistência e desenvolvimento tem implantado uma política sobre o envelhecimento e inclusão dos indivíduos idosos desde 1999. Está envolvido ativamente em muitas iniciativas que beneficiam diretamente e enfocam exclusivamente o idoso, financiando trabalhos de muitos organismos voltados a esse grupo populacional. Os Países Baixos têm desempenhado um papel protagonista na consideração do tema do envelhecimento, especialmente no caso das mulheres idosas, em âmbito nacional e perante organismos multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). (Pereira, Cota e Priore apud DINIZ 2007, p. 26).
Há de se destacar que nos países desenvolvidos a preocupação com o idoso é mais presente, sobretudo por haver nesses países, um maior número deles, proporcionalmente à população.
Os países sul-americanos, por serem países em desenvolvimento e em transição, tanto econômico, quanto demograficamente, tem priorizado os investimentos em crianças e adolescentes, razão pelas quais os idosos recebem menos atenção dos Estados. Como países em destaque podemos citar Cuba, com a Politica Nacional sobre las Personas Mayores3, e o Chile, com a promulgação da Politica Nacional para el Adulto Mayor4.
A crise econômica quase sempre acaba por interferir na adoção, ou suspensão, de medidas protetivas aos idosos. A recente crise econômica argentina é um exemplo, onde houve a redução das aposentadorias, das pensões e congelamento dos fundos de pensões.
Fugindo do contexto europeu e latino-americano, é interessante avaliar o modelo norte-americano, que tem em duas leis esparsas seus principais ensinamentos.
The Age Discrimination in Employment Act. (ADEA), criada em 1967, protege indivíduos com mais de 40 (quarenta anos) da discriminação no Mercado de Trabalho, sendo garantida a sua eficácia pela criação de dois grupos: o Comitê para iguais Oportunidades de Emprego e o Departamento de Discriminação da Idade no Trabalho.
Além desta, em 1975, cria-se também a The Age Of Discrimination Act, atualizada em 1988 e que também veda a discriminação em razão da idade em programas e atividades que sejam assistidos pelo governo.5
Por fim, como destaca Noberto Bobbio apud Diniz:
Um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão. O octogenário, salvo exceções, era considerado decrépito, de quem não se valia a pena ocupar. Hoje, ao contrário, a velhice, não burocrática, mas fisiológica, começa quando nos aproximamos do oitenta (DINIZ, 2007, p. 17).
1.2 Os direitos do idoso de acordo com a legislação brasileira.
A primeira legislação brasileira que tinha a proteção dos idosos como tema principal foi promulgada em 28 de setembro de 1885, em pleno governo imperial. Sua preocupação eram os escravos que, pelo excesso de castigos, não conseguiam chegar ao final da vida executando suas atividades, e, por serem considerados inúteis, eram largados ao relento, abandonados por seus senhores, ou até mesmo assassinados por estes.
A lei promulgada em 1885, denominada Lei dos Sexagenários, dispunha em seu art.3º: “são libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da data em que entrar em vigor esta Lei; ficando, porém, obrigados a título de indenização de sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos”(BRASIL, 1885).
Devido a sua ineficácia foi dada a Lei dos Sexagenários a alcunha de “Lei da gargalhada nacional”, haja vista que os escravos muito raro chegavam à idade estabelecida na lei para a alforria, ou, quando chegavam, se se recusassem ao trabalho não teriam nem o que comer.
Embora a lei determinasse em seu art.136 que era obrigação dos ex-senhores, após a alforria sexagenária, continuar a alimentar, vestir e fornecer habitação aos seus ex-escravos, na prática, o que se via, era os efetivamente liberados perambulando pelas cidades, em busca de comida e trabalho, ou até mesmo realizando pequenos furtos, afim de garantir sua sobrevivência.
Atualmente o direito do idoso é regulamentado tanto pela Constituição Federal de 1988, como por leis infraconstitucionais esparsas. Ao longo do presente trabalho adentraremos em cada um desses institutos protetivos, somente apresentando-os neste momento.
1.2.1 Constituição Federal
O art. 3º, IV, dispõe que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ao determinar a promoção do bem de todos, a normal superior inclui aí a proteção do idoso e por consequência a sua não-discriminação.
A norma constitucional não se limita a assegurar os direitos das pessoas em idade avançada somente de forma genérica, dispondo em seu art. 230 que: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhe o direito à vida.” Esse dispositivo também assegura aos idosos maiores de 65 anos a gratuidade nos transportes públicos e a realização de programas de amparo aos idosos.
A Constituição Federal ao tratar de temas relacionados à Previdência Social também garante a proteção a velhice, conforme se pode depreender dos seus arts.201 e 203, concedendo benefícios em caso de invalidez, doença, morte e idade avançada. 7
Além destas normas expressas, a Constituição ainda regula os direitos dos idosos através de princípios, que de acordo com Siqueira Júnior (2004) constituem o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional, garantindo uniformidade ao sistema jurídico.
1.2.2 Legislações Infraconstitucionais
Muitas leis esparsas regulam a proteção e a promoção do Direito do Idoso, sendo necessário, no presente trabalho, optar por algumas tidas como mais relevantes afim de possibilitar uma análise mais aprofundada.
No decorrer do trabalho abordaremos o tratamento que o Código Civil de 2002 dispensada aos idosos, algumas vezes equiparando-o a um relativamente incapaz.
Analisaremos também o Código de Processo Civil, em especial seus arts. 1211-A, 1211-B e 1211-C, que versam sobre a prioridade na tramitação de atos e diligências, em qualquer instância do Poder Judiciário, desde que seja parte pessoa com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos. Nesta oportunidade avaliaremos se há alguma contrariedade entre o dispositivo da lei processual civil e o dispositivo da Lei do Idoso, que estende a prioridade processual aos maiores de 60 (sessenta) anos.
Em relação à legislação trabalhista, será apresentada a proteção dispensada aos idosos pela CLT contra a discriminação de sua inserção, ou em muitos casos continuação, no mercado de trabalho.
Finalmente, e igualmente importante, estudaremos o Estatuto do Idoso, lei promulgada em 2003, buscando a valorização do indivíduo em idade avançada e a proteção de sua dignidade.
1.2.3 Código civil de 2002 e a tutela do idoso
Algumas legislações, ao tentar proteger o direito de alguns indivíduos tidos como hipossuficientes, muitas vezes acabam por retirar-lhes a autonomia, equiparando-os à relativamente incapazes.
Ao cuidar do hipossuficiente em idade avançada, deve o legislador preocupar-se não somente em proteger o direito deste, mas também em promovê-lo, para que não haja o risco de aleija-lo em seus direitos fundamentais. Embora conte com mais de sessenta anos, o idoso é sujeito de direitos e deveres, e, na maioria das vezes, apto a proferir suas vontades, não sendo sensato que lhe seja vedada a prática de alguns atos típicos da vida civil.
Como exemplo de medida extremamente protetiva temos o art.1641, que após recente alteração, impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 (setenta) anos. Por se tratar de regime imposto por lei não há necessidade do pacto antenupcial.
O objetivo deste preceito legal seria evitar a exposição dos idosos à casamentos por puro interesse econômico, afirmando Carlos Roberto Gonçalves que ““mostra-se evidente o intuito de proteger certas pessoas que, pela posição em que se encontram, poderiam ser vítimas de aventureiros interessados em seu patrimônio” (GONÇALVES, 2008, p. 145).
Na contramão, em texto publicado antes da alteração do artigo supracitado, entende César Fiuza que a limitação de idade seria constitucional:
[…] a constitucionalidade do regime de separação legal imposto aos maiores de 60 anos vem sendo discutida, desde a entrada em vigor do Código Civil. De fato, não parece de bom senso a exigência, que representa uma capitis deminutio aos maiores de 60 anos. A norma os infantiliza, os idiotiza, o que não condiz com a realidade. Hoje, uma pessoa de 60 anos é ainda um jovem, pelo menos para efeito de casamento (FIUZA, 2009, p. 965).
Embora a legislação atual tenha aumentado o limite de idade para setenta anos, a crítica de Fiuza deve permanecer, haja vista que o desrespeito ao direito de liberdade de escolha, e clara infração ao direito à dignidade humana, permanece.
Como consequência dessa escolha forçada de regime conjugal tem-se prejudicada também a doação entre cônjuges, que nos termos do Código Civil não é permitida aos casados em separação obrigatória de bens.
Outro aspecto que deriva do regime matrimonial refere-se à sucessão. De acordo com a lei civil, se o cônjuge sobrevivente concorrer com descendentes do autor da herança, terá direito ao mesmo quinhão que a cada um deles for conferido por cabeça. Porém, caso o regime de casamento seja o da separação obrigatória, este direito não persiste, não concorrendo o cônjuge sobrevivente com os descendentes, conforme previsão do inciso I do art. 1.829 do Código Civil.
De tal modo, conclui-se que a legislação civil ao tentar proteger o idoso maior de 70 (setenta) anos acaba por retirar-lhe a autonomia, obrigando-o a se casar sob o regime da separação de bens, ficando, consequentemente este, impedido de fazer doações de seu patrimônio para o cônjuge, o qual, em caso de óbito do autor da herança, não concorrerá com os descendentes e, logo, não possuirá quota parte no espólio.
Embora alguns entendam que a idade avançada, por si só, possa caracterizar uma hipótese de incapacidade, tal afirmação não pode prevalecer. Ao tratar da capacidade, em seus arts. 3º e 4º, em nenhum momento o código civil inclui a taxa etária como fator de incapacidade, o que pode ocorrer é que, em razão de alguma enfermidade ou por motivo de prodigalidade, possa o idoso ser inapto para os atos da vida civil.
Diniz (2007) ao avaliar a idade como desculpa para a incapacidade do Idoso, demonstra em sua dissertação dois casos em que a idade avançada foi considerada, de forma indevida, uma causa de incapacidade:
Processo n. 1.0042.04.005687-3/001(1) / Relator: Nilson Reis/ Publicação: 15/06/2005. EMENTA: INTERDIÇÃO - PRODIGALIDADE - PROVA INÁBIL. O fato de o pai, com 83 (oitenta e três) anos, namorar uma jovem de 20 (vinte) anos, não o configura pessoa pródiga, passível de interdição. Aliás, sequer o fato de o pai idoso, que namora uma jovem, haver alienado parte de seus bens, é motivo para o pedido de interdição por prodigalidade, sobretudo quando a prova de cunho dissipador não veio para os autos. Apelo improvido (...).
Processo n. 2.0000.00.484426-2/000(1)/ RELATOR: Elias Camilo / Publicação: 28/07/2006.EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO E ADJUDICAÇÃO - IDOSO - INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DESNECESSIDADE - PROVA PERICIAL - INDEFERIMENTO - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA - NULIDADE - DECLARAÇÃO EM EMBARGOS -IMPOSSIBILIDADE.
Não há intervenção do Ministério Público em processo em que uma das partes é capaz,
embora idosa, visto que o Estatuto do Idoso prevê os casos específicos de intervenção do Parquet no feito. Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização. A pessoa com 65 anos de idade, capaz de exercitar atos de vontade, pode firmar acordo, pois, a idade por si só, não é motivo para invalidar a transação realizada. As hipóteses previstas no artigo 741 do CPC, como matéria de defesa, são taxativas. Eventual nulidade da transação homologada judicialmente, não pode ser reconhecida em sede de embargos à execução e adjudicação (DINIZ , 2007,p.86).
Em ambos os casos apresentados percebe-se que a idade, por si só, não enseja a incapacidade, mas que, por vezes, é utilizada por terceiros de má-fé, que visam somente usufruir do patrimônio do idoso.
É fato que o idoso que mantém condições psicofísicas de escolher o que é melhor para ele, tem o direito de fazê-lo, não devendo a idade se tornar um empecilho à sua participação nas relações jurídicas.