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Organizações sociais:

a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada

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01/10/2002 às 00:00
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8 - CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

O art. 3º, da Lei 9.637/98, previu a estruturação de um conselho de administração como órgão de deliberação superior das organizações sociais, sendo um requisito necessário a que se obtenha a qualificação, conforme teor do art. 2º, I, "c" e "d" da aludida Lei, representando sua forma de composição um dos modos pelos quais o Poder Público, assim como a sociedade, exerce o controle sobre as atividades sociais absorvidas. 30

A obrigação primeira do conselho de administração, além de diversas e não menos importantes atribuições, é a de fiscalizar o cumprimento do contrato de gestão, sendo-lhe imputadas "atribuições normativas e de controle básicas" previstas no art. 2º, I, c, da Lei 9.637/98. 31

Assim, como previsto na lei, o conselho de administração assume vital importância, pois permite ao Poder Público exercer um controle efetivo e ostensivo sobre as organizações sociais.

Da mesma forma, sua instituição traz a possibilidade concreta da participação popular na gestão e controle das atividades desenvolvidas pelas organizações sociais, na medida em que foi previsto o assento de membros da sociedade civil naquele órgão de deliberação (art. 3, I, "b").

É nessa diretriz que ELIDA GRAZIANI PINTO entende as variadas formas de controle sobre as organizações sociais. Nas suas palavras"seria um controle mais direto da própriasociedade representada pela sua cota específica de membros natos (talvez o único controle social direto já instrumentalizado legalmente) " 32. (o grifo é nosso)

A previsão da participação da sociedade na fiscalização das organizações sociais parece-nos extremamente salutar e pertinente, pois torna a gestão democrática e enfatiza o sentido da parceria.

Todavia ELIDA GRAZIANI PINTO demonstra preocupação e alerta para os riscos que podem derivar da composição do conselho de administração, sob pena de ocorrer, de um lado, a "estatalização" ou "feudalização" das entidades civis qualificadas como organização social e, de outro, a privatização de autarquias e fundações públicas que cederiam lugar àquela. 33

Aqui o raciocínio para entender essa preocupação e os riscos decorrentes da forma de composição do conselho de administração é mais aritmético do que jurídico.

Com efeito, o art. 3º, I, "a", da Lei 9.637/98, determina que o conselho de administração deve ser composto por "vinte a quarenta por cento de membros natos representantes do Poder Público".

Assim, temos a possibilidade legal de o Poder Público participar do conselho de administração com 40% (quarenta por cento) da totalidade de seus membros. Olhos atentos ao que dispõe o art. 4º, VI e VIII, da Lei 9.637/98, vamos ter que, para aprovar e dispor sobre a alteração dos estatutos e a extinção da entidade e sobre o regulamento contendo os procedimentos para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos e salários e benefícios dos empregados da entidade", requer-se a maioria, no mínimo, de dois terços dos membros do conselho de administração.

Ora, se o Poder Público participa com um percentual acima de um terço no conselho de administração, teria ele um poder de veto absoluto sobre essas relevantes matérias, pois nunca será alcançada uma maioria mínima de dois terços. Daí porque se falar em "estatalização" ou "feudalização" por parte da Administração, pois a entidade ficaria refém do Estado. Em sentido contrário, se o Poder Público tiver uma participação menor que um terço no conselho de administração, ficaria ele a mercê da vontade dos demais integrantes; aliás, não possuidores de qualquer vínculo com o Estado. Nessa hipótese, o Poder Publico perderia o seu poder de veto e até mesmo o objetivo de sua participação no conselho, ou seja, o controle.

Lecionando sobre essa matéria, JUAREZ DE FREITAS entende merecer reparo a participação do Estado na composição do conselho de administração, sugerindo que as legislações estaduais e municipais não reiterem a regra, isto porque se atribui àquele a aprovação da proposta do contrato de gestão, "gerando uma relação perigosa e sem maiores vantagens sociais", além de representar a ingerência do poder público na organização social. 34

Todavia a redação da Lei 9.637/98 não vai eliminar o dilema da participação, ou não, do Poder Público no conselho de administração.

Polêmica à parte, entendemos que a preponderância da vontade do Estado impõe sua participação no conselho de administração com mais de um terço de seus membros, com vistas a garantir a tutela do interesse público, como justificativa, exigência e fundamento do exercício do controle sobre as organizações sociais. Essa é uma prerrogativa da Administração. Renunciá-la significa constante ameaça, pois abre margem para que a gestão dos serviços públicos, absorvidos pela organização social, se distancie da necessária fiscalização.


9 - CONTRATO DE GESTÃO

O contrato de gestão teve sua origem na França, no final da década de 60, sendo ali aplicado para o estabelecimento periódico e sistemático de compromissos tendentes a ensejar maior participação e co-responsabilização na operacionalização de objetivos e metas delineadas naquele instrumento. Para tanto, é concedida uma autonomia gerencial, onde o controle de resultados prepondera o meio como ele é alcançado.

Assim, em síntese, vamos ter que o contrato de gestão é a forma de viabilizar, nas áreas públicas, a administração por objetivos, deslocando os controles formais para o controle quantitativo e qualitativo.

No Brasil, temos notícia de que sua implantação se deu na gestão Collor nos contratos celebrados entre empresas estatais e o Governo, mais precisamente a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, em que buscava-se, sobretudo, orientar as empresas a seguirem um plano geral, induzindo-as a ter clareza nos limites para investimento e nas metas a serem atingidas. Em nome da eficiência buscava o governo introduzir a técnica de administração por objetivos, vitoriosa na iniciativa privada, adotando-a nas empresas públicas.

Com isso, a direção e os empregados sairiam de uma posição passiva para a de agentes partícipes, onde a eficiência passaria a ser o elemento preponderante de avaliação. Consequentemente, a empresa se profissionalizaria, relegando as eventuais composições e desvios políticos para um segundo plano. Enfim, buscava-se uma mudança de comportamento e de mentalidade, onde o aspecto operacional sobrepunha-se ao formal.

Situado nesta experiência histórica e guiado pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, veio a Emenda Constitucional n.º 19/98 introduzir o princípio da eficiência no "caput" do art. 37 e viabilizar a utilização dos contratos de gestão pelas entidades da administração direta e indireta, conforme se extrai de seu § 8º, "in verbis":

§ 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I – o prazo de duração do contrato;

II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

III – a remuneração do pessoal.

IVAN BARBOSA RIGOLIN critica, de forma incisiva, a redação do § 8º, do art. 37, da Lei Maior, sugerindo que na próxima emenda constitucional se promova a correção do "despautério rigorosamente despropositado que a Emenda n.º 19 trouxe a lume, num dos momentos mais infelizes da história do direito constitucional brasileiro". Sua perplexidade tem procedência quando fica demonstrada a enunciação das partes do contrato de gestão prevista no aludido dispositivo: de um lado "os administradores dos órgãos e entidades da administração direta e indireta", e de outro, pasmem, "o Poder Público". Assim, na interpretação literal do dispositivo, vêm a tona várias idéias e hipóteses, como se vêem das indagações de RIGOLIN, as quais transcrevemos:

Tratar-se-ia do Poder Público contratando o Poder Público? Um governador contrataria a Secretaria de Estado que ele próprio administra superiormente, para um trabalho de gestão da saúde? A Administração direta do Estado contrataria a Administração direta do Estado? Um prefeito contrataria um departamento da própria prefeitura, para a gestão da educação no município? A cabeça contrataria o braço? A parte da frente contrataria a parte de traz, ou a de cima contrataria a de baixo, no mesmo corpo organizacional? Onde qualquer remoto sentido nessa idéia? 35

Apesar de a redação constitucional não ser tecnicamente primorosa e ter sido a Lei 9.637/98 editada antes da Emenda Constitucional n. º 19/98, o seu art. 5º nos revela que a celebração do contrato de gestão se dá entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, determinando a forma como ele deve ser elaborado, como deve ser seu conteúdo e por quais princípios se orienta.

Pela Lei 9.637/98, o contrato de gestão é conceituado como sendo "o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º".

Por sua vez, o art. 6º estatui que o contrato de gestão deve ser "elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social" e deverá "discriminar as atribuições, responsabilidades e obrigações do poder público e da organização social". Ato contínuo, o instrumento jurídico deve ser aprovado pelo conselho de administração da organização social e submetido, posteriormente, ao Ministro de Estado, ou, em outros casos, à autoridade governamental supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Adiante, o art. 7º arrola os princípios que devem nortear a celebração do contrato de gestão, as cláusulas que ele deve conter e a fixação dos limites e critérios para o corpo funcional da organização social. 36

Por fim, os arts. 8º ao 10, da Lei 9.637/98, tratam da execução e fiscalização do contrato de gestão, trazendo à colação regras severas nos casos em que se verificam a má gestão da avença, o enriquecimento ilícito do agente público ou de terceiro e de danos causados ao patrimônio público. 37

A designação "contrato de gestão" tem merecido críticas da doutrina, na medida em que não se vislumbram, na espécie, interesses divergentes, opostos, por figurá-lo como ato contratual, onde se exige contraprestação. Na verdade, a parceria, travada entre o Estado e a organização social, mais se aproxima de um convênio, onde se unificam interesses comuns, orientados no alcance das metas e resultados a serem identificados naquele instrumento jurídico. Para PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO, em vez de contrato, melhor se afiguraria ao "nomem iuris " a designação enquanto um "acordo de programas". 38

Divergências postas ao lado, resta claro que contrato de gestão pertence à categoria dos contratos administrativos, pois contém cláusulas exorbitantes, derrogatórias do direito comum.

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Superada a imprecisão terminológica, leciona CAIO TÁCITO que

O ponto essencial do veículo associativo é, contudo, o caráter dinâmico, e não meramente formal, que tem como tônica a objetiva realização de uma estratégia operacional conducente à concretização de metas de desempenho e à consecução de resultados 39

Sob a mesma ótica, ELIDA GRAZIANI PINTO, citando o sempre lúcido CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, enfatiza que a pedra de toque das organizações Sociais reside justamente no contrato de gestão, aduzindo que a noção do instituto, tanto quanto das agências executivas, está ligada aos contratos de gestão. E, com sua indiscutível autoridade, profetiza CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que "o destino jurídico tanto das organizações sociais quanto das agências executivas – existentes ou inexistentes juridicamente, válidas ou inválidas – está atrelado ao dos contratos de gestão." 40

A afirmação do insigne Mestre é, portanto, exemplar, já que a forma essencial de controle sobre as organizações sociais se dá pelo contrato de gestão, seja através de seu acompanhamento e fiscalização, seja pela avaliação do alcance das metas ali delineadas.


10 - CONTROLE DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Em dois momentos distintos, a Lei 9.637/98 prevê o controle da sociedade sobre as organizações sociais. Primeiro, quando determinou a participação de representantes da sociedade civil no conselho de administração, conforme disposto no art. 3º, I, b. Segundo, quando disciplinou o "controle social das ações de forma transparente", por força do contido no art. 20, III.

Talvez seja este o único controle social direto já instrumentalizado legalmente, o que tem seus inegáveis méritos, como dantes observado.

Entretanto, como enfatiza ELIDA GRAZIANI PINTO, a Lei não fixou a forma concreta de como isso se dará, seja porque a quota reservada à participação popular corre o risco de ser desvirtuada, seja porque o controle social pode vir a ser mais uma norma programática ou utópica, uma vez que os usuários dos serviços públicos não teriam voz ativa a ponto de interferirem na gestão do que foi delegado e fazer valer seus direitos, falecendo, assim, o sentido do controle social.

Adiante, sugere que

serão necessárias novas regulamentações para delinear, em termos de competência e de implicações, o que se pode entender, na prática, por controle social das atividades desempenhadas pelas organizações sociais (...). 41

Por sua vez, o contrato de gestão é, por excelência, o principal instrumento de controle por parte do Estado.

Internamente, o controle se verifica no acompanhamento, avaliação e fiscalização de seu cumprimento pelo conselho de administração, o que se dá pela cota de participação do Poder Público naquele órgão deliberativo. Externamente, ele se dá pelo órgão ou entidade supervisora dos serviços sociais absorvidos, bem como pela unidade de controle interno do Poder Executivo. A esses controles acresce-se o do Tribunal de Contas.

Diante da novidade do instituto das organizações sociais, é imperativo que esses organismos estejam munidos de instrumentos capazes de avaliar a transparência e os resultados derivados do contrato de gestão, de tal modo que seja possível verificar qualquer ocorrência na malversação dos recursos públicos que lhe são repassados, bem como do alcance qualitativo das metas acordadas.

No que toca especificamente ao controle externo das organizações sociais pelo Tribunal de Contas, este vai encontrar seu sustentáculo no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, "in verbis":

Parágrafo único – Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Assim, vamos ter que o controle sobre as organizações sociais fundamenta-se no poder-dever que tem a Administração de verificar se a utilização dos bens e valores públicos estão sendo feitos, conforme o seriam, se feitos pelo próprio Estado, até porque as atividades contempladas no contrato de gestão devem guiar-se por princípios de direito público.

Um dado que deve ser destacado é que as prestações de contas das organizações sociais não se submetem às mesmas regras impostas às contas dos ordenadores de despesa e dos gestores públicos. Ato contínuo, a atual legislação restringe a análise do órgão de controle externo, fundamentalmente, no aspecto formal das contas, quando o exame destas, no caso das organizações sociais, devem levar também em consideração os aspectos qualitativos e operacionais resultantes da execução do contrato de gestão.

Aberta esta lacuna e diante das circunstâncias e particularidades que envolvem esse o modelo de gestão, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio da Instrução n.º 4/98, aprovada pela Resolução n.º 7/98, de 30 de dezembro de 1998, foi o pioneiro nesta espécie de regulamentação para disciplinar a matéria, na qual vemos peculiar importância, já que somente o controle formal da legalidade e da regularidade das contas é insuficiente para evidenciar o cumprimento dos programas de trabalho contidos no contrato de gestão, na medida em que a atuação das organizações sociais está ligada, fundamentalmente, no elemento operacional, ou seja, no cumprimento de metas, na redução de custos, na eficiência e qualidade dos serviços prestados. Em suma, uma auditoria de resultados.

Todavia, impõe-se salientar que o Tribunal de Contas não pode interferir nas opções políticas de trabalho das organizações sociais sob o pretexto de realizar o controle de mérito. É necessário respeitar a autonomia da instituição no que concerne as escolhas que melhor dão ensejo à execução do contrato de gestão.

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Sobre o autor
Belarmino José da Silva Neto

bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, servidor público da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, Belarmino José. Organizações sociais:: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -274, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3254. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Monografia inédita, apresentada em dezembro de 2001 perante a banca de Direito Administrativo da PUC/MG, sob a orientação do Professor Ary Fernando R. do Nascimento, mestre em Direito Administrativo pela UFMG, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, tendo obtido pontuação máxima.

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