5 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, alcançamos o objetivo ao qual nos propusemos no início desse trabalho, porquanto diante da comparação entre a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no tocante aos direitos humanos políticos consubstanciados em ambos, constatamos o conflito referente às disposições constantes do art. 23, 1, b, e 2 da primeira, em face do art. 14, § 3º, V, da última; uma vez que a filiação partidária imposta por nossa Constituição como condição imprescindível ao exercício do direito político passivo de ser eleito não consta como uma das exclusivas maneiras pelas quais os Estados poderão regular o exercício dos direitos políticos, consoante a Convenção. Foram dois os raciocínios utilizados, mas que derivaram na mesma conclusão: a não obrigatoriedade da filiação partidária no nosso ordenamento jurídico.
O primeiro caminho percorrido foi aquele da aplicação da norma mais favorável, consoante os defensores da teoria da constitucionalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos aprovados anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Pelo fato de não se encontrar a filiação partidária no rol exaustivo do art. 23, 2, do Pacto de São José da Costa Rica, defendemos que a mesma não poderia subsistir, já que, em se tratando de conflito entre disposições relativas a direitos humanos, aplicar-se-ia a norma mais favorável, a qual seria, no caso, para o pretenso candidato, o afastamento de uma exigência que tão somente restringe o efetivo exercício de seu direito político passivo de ser eleito. Pela ótica do eleitor, sustentamos, ademais, que a referida condição não mais haveria de ser, pois conflitante com o art. 23, 1, b, do Pacto sobredito; na medida em que importaria em invalidar a livre expressão de sua vontade.
A segunda abordagem se deu partindo do pressuposto de que o Pacto em tela não estaria no mesmo patamar da Constituição Federal, mas sim em um nível inferior a ela, entretanto superior à legislação infraconstitucional; consoante o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343. Pela tese da supralegalidade, a Convenção teria tão somente o condão de sustar a eficácia de toda e qualquer legislação infraconstitucional com ela conflitante, ainda que posterior. Desta feita, a obrigatoriedade de se filiar a um partido político para se concorrer às eleições, insculpida no art. 14, § 3º, V, da CF/88, subsistiria; mas a legislação infraconstitucional que a disciplina – o art. 18, da Lei nº 9.096/95 – quedaria com sua eficácia paralisada, pelo que, portanto, a regra constitucional deixaria de ter aplicabilidade.
A conclusão, por conseguinte, é a mesma: a filiação partidária em nosso ordenamento jurídico não é obrigatória para aqueles cidadãos que desejam concorrer a um cargo eletivo.
O afastamento da obrigatoriedade da filiação partidária não configura apenas um avanço na seara dos direitos humanos, senão também no âmbito da democracia. Não se está aqui a criticar a função dos partidos políticos[38], tampouco se pretende afirmar que os mesmos são de todo imprestáveis dentro de um sistema democrático. Não há duvidas de que desempenham (ou deveriam desempenhar) importante papel como canal de comunicação entre os cidadãos e os seus representantes, bem como meio de informação. Há ainda a respeitável função que os partidos de oposição exercem ao fiscalizar aqueles que se encontram no poder. Contudo, ao dar-lhes o monopólio das candidaturas restringe-se a democracia representativa, já que cabe aos seus dirigentes, em última instância, escolher aqueles filiados que entendem serem melhores, mas que podem não conceber os anseios daqueles que representam. Reduz-se, assim, a representatividade fundante de nosso sistema político, afastando-se aqueles que não se sentem parte do todo, da política.
Sabemos, entretanto, a limitação do presente estudo, pois que inobstante traga à baila o problema e evidencie a solução, esta reside tão somente no campo da teoria, já que a sua aplicação no mundo prático não prescinde de que se efetivem mudanças na legislação atinente ao sistema eleitoral brasileiro no intuito de se viabilizar a candidatura por outros meios que não através de um partido político, como, por exemplo, de maneira avulsa.
Exemplos existem de diversos países deveras democráticos onde a candidatura avulsa é permitida, e nos quais os cidadãos conseguem se eleger desta maneira, ainda que em concorrência com membros de partidos políticos. Na Austrália têm-se o senador Nick Xenophon, eleito como independente nas eleições federais de 2007, e reeleito no pleito de 2013. Joachim Gauck, eleito presidente da Alemanha em 2012, era, outrossim, candidato independente. Ólafur Ragnar Grímsson, presidente da Islândia eleito em 1996, foi reeleito em 2000, 2004, 2008 e 2012, e também não é filiado a qualquer partido político. O famoso presidente norte americano George Washington não era formalmente pertencente a qualquer partido político durante seus dois períodos no governo da autointitulada maior democracia do mundo. São apenas alguns dos exemplos que podemos citar.[39] Estes, entretanto, servem apenas como respaldo à viabilidade das candidaturas avulsas em países com sólidas democracias e partidos políticos bem estruturados, pois que não se poderá simplesmente tentar trazer para o nosso país os sistemas eleitorais que lá funcionam sem antes se proceder a um estudo pormenorizado de seu funcionamento, e às alterações que evidentemente teriam de ser feitas para adaptá-los à cultura brasileira.
É, repetimos, nesse ponto que se encerram as restrições deste estudo, porquanto não foi capaz de indicar a solução prática, não obstante não tenha sido esse o nosso objetivo. Uma coisa, contudo, é certa: a exigência da filiação partidária por nosso ordenamento jurídico constitui uma restrição aos direitos humanos políticos dos brasileiros, quer dos que pretendem se candidatar, quer dos que tão somente desejam cumprir com o dever social que o exercício do direito de sufrágio mediante o voto representa; bem como um entrave à democracia representativa.
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