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Limite dos juros remuneratórios no direito brasileiro infraconstitucional.

Doutrina e jurisprudência. Uma solução para além do limite constitucional da taxa de juros

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01/10/2002 às 00:00
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3. Conclusão

O limite aos abusivos juros remuneratórios praticados hoje no mercado financeiro tem fundamento constitucional e infraconstitucional. A sede constitucional do limite não se encontra apenas no art. 192, § 3°, da Carta Magna, que o Supremo Tribunal reputou dispositivo de eficácia limitada, mas principalmente na dignidade da pessoa humana, função social do contrato e da ordem econômica, bem como na busca do desenvolvimento social e diminuição de desigualdades.

O ordenamento jurídico infraconstitucional, que recebe todo o influxo da inversão valorativa efetuada pela Constituição, em prol da dignidade da pessoa humana e em detrimento do patrimônio, apresenta topois argumentativos que permitem levar a cabo o ideal constitucional de limitação da taxa de juros.

A corrente doutrinária e jurisprudencial, segundo a qual as instituições financeiras não se submetem aos limites da Lei da Usura, com arrimo na súmula n° 596 do Supremo Tribunal, perdeu forças.

De um lado, a doutrina desenvolveu variada e consistente argumentação no sentido da limitação da taxa de juros, com base na Lei dos Crimes contra a Economia Popular, na Lei da Usura, no princípio da Igualdade, na limitação constitucional da competência do Conselho Monetário Nacional, podendo também ser aplicados o Código de Defesa do Consumidor e os princípios contratuais contemporâneos.

De outro lado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo de competência infraconstitucional em nosso sistema, tem relativizado o teor da súmula n° 596 do STF, e tem admitido excepcionalmente a redução da taxa de juros com finco na justiça e equidade contratuais.


Notas

1. FACHIN, Luiz Edson. RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. Um Projeto de Código Civil na contramão da Constituição. Revista Trimestral de Direito Civil, São Paulo, n. 4, p. 243-263, 2.000, p.244-246.

2. NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Conceito pós-moderno de contrato: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba, 2.000. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.

3. E também do Código Comercial, pois a realidade fática sobre que atua sempre invoca subsidiariamente o Código Civil. Além disto, a Constituição operou sobre todo o Direito Privado, não cabendo restrições.

4. Afirma o autor, na ob. cit., p. 1, que há "[...] uma desconexão entre o discurso que insiste em sustentar um contrato nucleado na vontade dos sujeitos (liberdade contratual), sem a devida atenção para o fato de que esta manifestação de vontade é, quiçá, o dado menos significativo na composição do contrato contemporâneo."

5. Idem, ibidem, p. 79-80.

6. Não o "homem econômico", mas o "homem existencial", como ressalta o autor, na ob. cit., p. 259.

7. Reza o caput do art. 170: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:". E a respeito desta disposição afirma Paulo Nalin na ob. cit., p. 257: "O texto é claro: só se atribui legalidade à livre iniciativa dos titulares da relação, desde que voltada a assegurar a digna existência de todos (titulares diretos ou não da relação jurídica – planos intrínseco e extrínseco da função social do contrato) e, em conformidade com a justiça social."

8. No mesmo sentido o autor expõe na ob. cit., às fls. 264-265, que há uma renovação dos propósitos do contrato contemporâneo, "[...] sem que com isso se sustente a superação do conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente, retratado. E nem poderia ser diferente, pois não se está a tratar do contrato à luz de uma economia planificada, mas sim, em livre mercado, não obstante funcionalizado."

9. Idem, ibidem, p. 262.

10. E nem se argumente, numa argumentação engenhosa mas que faz falsas deduções, que o fim social do contrato é o bem comum da sociedade como um todo, e que esse bem comum será melhor atingido com uma política de juros que permita manter a inflação estável e promover o desenvolvimento social "equilibrado", não importando que o meio utilizado para isso sejam as elevadíssimas taxas de juros. Esse pensamento parte de uma visão de sociedade como aquela do positivismo de Durkheim em que a sociedade é um ente superior, acima da mera soma dos seus membros. Ao que parece, é a mesma lógica que legitimaria a pena de morte aos criminosos, ou o extermínio dos indivíduos não produtivos de uma sociedade, em prol do bem maior da sociedade (despersonalizada como um ente superior, transcedental). Também não se justifica o outro extremo, obviamente, em que o bem individual implique a ruína social. Mas é evidente que o bem da sociedade sempre passa também pelo bem dos seus membros individualmente considerados, sendo difícil um conceito abstrato de bem comum da sociedade aplicável genericamente a todos os casos. Estes devem ser analisados no particular, segundo um princípio de razoabilidade ou proporcionalidade, por sinal hoje em fase jurídica áurea, conclamado em todos os ramos do direito, pois permite a vinculação de normas e princípio abstratos aos casos concretos, promovendo equidade e justiça. De qualquer modo, não se pode permitir o "extermínio" econômico-financeiro do devedor, através de taxas abusivas, o que repercutirá infalivelmente na sua esfera de gozo dos direitos mais básicos e essenciais (mesmo existenciais, como alimentação, vestuário, etc.), consagrados na Carta.

11. O jornal Gazeta do Povo noticiava em 18 de julho de 2.001: "Crise: Elevação da taxa básica faz os custos das empresas crescerem e reduz os investimentos". O artigo reporta que os a taxa de juros anuais, cobrada pelos bancos, em média, é em junho de 2.001, para a pessoa física: cheque especial 147,1%, crédito pessoal 74,4%, aquisição de veículos 38,6%, de outros bens 64,5%, numa média de 67,2%. Para pessoa jurídica a taxa, em média, é em junho de 2.001: capital de giro 34%, conta garantida 47,7%, desconto de duplicatas 45,9%, numa média de 37,5%. (Crise: elevação da taxa básica faz os custos das empresas crescerem e reduz os investimentos. Gazeta do Povo, Curitiba, 18/07/2.001).

12. O jornal Gazeta do Povo noticiou em 31 de julho de 2.001: "Boa fase: Bancos têm lucros maiores", reportando que "Levantamento realizado pela EFC – Engenheiros Financeiros & Consultores, com base em dados do Banco Central (BC),mostra que a desvalorização acelerada do real e os juros altos propiciaram lucros extraordinários para os bancos. [...]. Carlos Daniel Coradi, presidente da EFC, observa que os bancos no Brasil demonstram capacidade de se adaptar às circunstâncias e ganham dinheiro com ou sem inflação. O estudo demonstra também que está havendo concentração no sistema financeiro nacional. Hoje o Brasil tem menos de 200 bancos. Já teve mais de 500." (Boa fase: bancos têm lucros maiores. Gazeta do Povo, Curitiba, 31/07/2.001).

13. Estatui o artigo: "Art. 248. Em comércio podem exigir-se juros desde o tempo do desembolso, ainda que não sejam estipulados, em todos os casos em que por este Código são permitidos ou se mandam contar. Fora destes casos, não sendo estipulados, só podem exigir-se pela mora no pagamento de dívidas líquidas, e nas ilíquidas só depois da sua liquidação. Havendo estipulação de juros sem declaração do quantitativo, ou do tempo, presume-se que as partes convieram nos juros da lei, e só pela mora (art. 138)."

14. CALDAS, Pedro Frederico. As instituições financeiras e a taxa de juros. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 35, n. 101, p. 76-96, jan/mar., 1.996, p. 81.

15. Art. 1.062: "A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano." E reza o artigo 1.063: "Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada."

16. Por sinal, quanto à onzena assinala o léxico: "[De ‘onze’ + o fem. da term. ‘-eno’ dos distributivos latinos.] S. f. 1. Juro de onze por cento. 2 Fig. Juro exorbitante, excessivo; usura. 3. Ant. Porção de onze objetos." (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2 ed., Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1.986, p. 1.225).

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17. Idem, ibidem, p. 1.744.

18. Márcio Mello Casado expõe as raízes do termo: "Usura é um verbete originário do latim ‘usura’, sendo este termo derivado de ‘usus’. Assim, na concepção primeira do termo, a usura foi considerada como o custo decorrente do uso de determinado bem. Mesmo que na origem o vocábulo tenha sido utilizado como o preço pago pelo uso de qualquer coisa, o termo acabou sendo desvirtuado e passou a estar ligado ao ‘usus’ do dinheiro. A usura, num sentido posterior, passou a estar ligada somente ao juro que ultrapasse as taxas fixadas em lei." (CASADO, Márcio Mello. Panorama constitucional da figura da lesão enorme no direito pátrio. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 47, n. 262, p. 10-28, ago. 1.999. Revista dos Tribunais, v. 775, p. 46-64, mai. 2.000, p. 46).

19. Idem, ibidem, p. 46-63.

20. LEMKE, Nardim Darcy. Limites da taxa de juros no mútuo bancário. Revista Jurídica Blumenau, Blumenau, v. 1, n. ½, p. 91-115, jan/dez., 1.997, p. 96.

21. É o que afirma Caldas, em ob. cit., p. 85.

22. SILVA, Antônio Ferreira Álvares da. Juros – tabelamento geral, amplo e irrestrito. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, n. 64, p. 115-119, abr-jun. 1.993. O autor transcreve na íntegra o voto do Ministro Trigueiro no acórdão citado.

23. São as palavras que usou o Ministro Xavier de Albuquerque em seu voto no RE n° 78.953.

24. No RESP n° 247814/RS, decisão de 24/10/2.000, chega a afirmar o Ministro que "É monótona a jurisprudência da Corte sobre a ausência de limitação da taxa de juros em contrato de cheque especial, incidindo a Súmula n° 596, do Supremo Tribunal Federal."

25. Como se observará, entende a Corte que nos empréstimos regulados por lei específica posteriormente à Lei de Reforma Bancária não se aplica a súmula n° 596. Embora tais leis específicas disponham que compete ao CMN fixar os juros para tais contratos específicos, na inércia deste órgão afirma o Superior Tribunal que prevalece ainda o art. 1° da Lei da Usura.

26. POZZA, Pedro Luiz. A limitação das taxas de juros, a nível constitucional e legal, no crédito bancário. Ajuris, Porto Alegre, v. 62, p. 291-302, nov. 1.994, p. 299.

27. ALVES,Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, Bookseller, Campinas, 1.996, p. 246.

28. SIMPÓSIO SOBRE AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS BANCÁRIOS E A ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA (1. : 1998 : Curitiba). JUSTEN FILHO, Marçal. Competência normativa do Conselho Monetário Nacional. Curitiba: Juruá, p. 54-62, 1.998, p. 61.

29. SILVA, Antônio Ferreira Álvares da. Ob. cit., p. 117-118.

30. COSER, José Reinaldo. A ilegalidade da taxação dos juros pelo Conselho Monetário Nacional. In www.direitobancario.com.br, 01/07/2.001.

31. CANÇADO, Romualdo Wilson. LIMA, Orlei Claro De. Juros, correção monetária, danos financeiros irreparáveis: uma abordagem jurídico-econômica, Del Rey, Belo Horizonte, 1.999, p. 32.

32. Idem, ibidem, p. 32-33.

33. Pedro Luiz Pozza, em ob. cit., p. 300, afirma que esta posição está estampada no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul em alguns julgados, arrolando alguns das 2ª, 3ª e 9ª Câmaras Cíveis.

34. RIZZARDO, Arnaldo. Juros no mútuo bancário. Ajuris, Porto Alegre, v. 15, n. 42, p. 158-163, mar. 1.988, p. 161-162.

35. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, Aide, Rio de Janeiro, 1.988, p. 1.021 e 1.022.

36. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3 ed., Malheiros, São Paulo, 1.993.

37. LEMKE, Nardim Darcy. Ob. cit., p. 99-101.

38. Idem, ibidem, p. 99-101.

39. PARIZATTO, João Roberto. Multas e juros no direito brasileiro, Editora de Direito, Leme (SP), 1.996, p. 82.

40. Seu inteiro teor pode ser obtido pela internet no site www.stj.gov.br.

41. É a posição expressada na Apelação Cível n° 0118536-2, unânime, julgada em 09/09/98, no Tribunal de Alçada Paranaense, e que pode ser verificada no site www.ta.pr.gov.br.

42. Apelação Cível n° 198007072, julgada em 09/06/88. Encontra-se o inteiro teor do acórdão na Revista de Direito Privado, São Paulo, n. 2, p. 295-299, 2.000. A ementa transpôs o conteúdo do voto, rezando parte dela que os juros remuneratórios "[...] estão limitados em 12% ao ano, desimportando perquirir acerca da auto-aplicabilidade do art. 192, § 3°, da Constituição Federal, porquanto em vigor a Lei da Usura e disposições do Código Civil."

43. Apelação Cível n° 277299-0, unânime, julgada em 12/05/99. O acórdão na íntegra pode ser acessado na internet no site www.direitobancario.com.br, no item "jurisprudência selecionada".

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Sobre o autor
Deltan Martinazzo Dallagnol

Procurador da República em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Limite dos juros remuneratórios no direito brasileiro infraconstitucional.: Doutrina e jurisprudência. Uma solução para além do limite constitucional da taxa de juros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -274, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3264. Acesso em: 28 mar. 2024.

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