Um dos movimentos que tem contribuído à discussão fenomenológica do crime, principalmente os cometidos em função de “homofobia”, é a Teoria “Queer”. Teoria surgida no final dos anos 80, é baseada em textos de uma série de pesquisadores e ativistas de movimentos que promoviam discussões quanto “identidade de gênero” e “heteronormatividade”. Tais movimentos trouxeram à tona as consequências da imposição do binômio “macho/fêmea” como formas coercitivas de se viver a identidade. Os teóricos (Judith Butler, Eve Kosofsky Sedgwick, Guacira Lopes Louro, Joshua Gamson, dentre outros) apontam a sexualidade (assim como, a identificação humana com a própria sexualidade) como meramente perfomática, mas que, adotada ritualisticamente como parte da nossa cultura acaba por cingir-se de normatividade moral agregando valor punitivo àqueles que a ela não se adéquam.
Guacira Lopes Louro, defende que: “Os estudos queer atacam uma repronarratividade e uma reproideologia, bases de uma heteronormatividade homofóbica, ao naturalizar a associação entre heterossexualidade e reprodução”[1]
O termo queer no vernáculo inglês pode de ser traduzido adjetivamente como “estranho, esquisito, excêntrico ou original”. Como substantivo, o termo é associado à agressão usada contra homossexuais e na linguagem cotidiana pode ser traduzido com importantes conotações homofóbicas: “gay, bicha, veado, boneca”[2].
A Teoria “Queer” vem acrescentando seu discurso a uma possível explicação do posicionamento da sociedade diante das variações comportamentais, principalmente quanto à “identidade gênero” e suas consequências no âmbito criminal. Para essa teoria a repetição das normas que encarnam arquétipos limitados à tradicional ideia de masculinidade e feminilidade estão ligados à estrutura heterossexual de relações “aceitáveis” na sociedade de onde poderíamos presumir que a “homofobia” seria uma reação a toda manifestação comportamental alheia a tais modelos.
Os avanços dessa teoria, que muito mais se apresenta como uma discussão formada por um corpo de trabalhos acadêmicos têm, ainda que timidamente, mantido esclarecedor o diálogo com ramos das ciências sociais que acabam por levar-lhe às discussões jurídicas, dando nova perspectivas ao entendimento das questões sobre a vivência da sexualidade e do gênero humano, tanto em seu aspectos puramente jurídicos e criminológicos como no seu aspecto político: movimento emancipatório dos processos de exclusão reiterados por uma cultura heteronormativa.
Enquanto estudos sociológicos sobre minorias e de gênero consideravam válidas premissas de “ordem social como desdobramento do heterosexismo”, as teorias queer apresentavam a ideia de construção do gênero numa abordagem social e histórica ainda negando esse heterosexismo como referência de onde só se poderíamos admitir que fora do binarismo compulsório “macho-fêmea” sobrava-nos as “anomalias”.
O professor de Ciências Criminais, Salo de Carvalho, no “AntiBlog de Criminologia” suscita em um de seus artigos, denominado "Sobre as Possibilidades da Criminologia Queer”, sobre os mecanismos de legitimação social da violência homofóbia:
Entendo, pois, que este complexo processo de legitimação da violência heterossexista poderia ser decomposto em três níveis fundacionais que configuram as culturas heteromoralizadoras e heteronormalizadoras: o primeiro, da violência simbólica (cultura homofóbica), a partir da construção social de discursos de inferiorização da diversidade sexual e de orientação de gênero; o segundo, da violência das instituições (homofobia de Estado), com a criminalização e a patologização das identidades não-heterossexuais; o terceiro, da violência interpessoal (homofobia individual), no qual a tentativa de anulação da diversidade ocorre através de atos brutos de violência (violência real).[3]
Daniel Welzer-Lang, sociólogo francês especialista em questões de gênero, sexualidade e violência – com um enfoque particular na questão do virilismo, estabelece as conseqüências institucionais dessa premissa que acaba por estabelecer o comportamento do controle social formal ou o modo de ser desviante a partir da regra heterossexual potencializando nas violências (simbólicas e interindividuais) a vitimização conhecida como homofobia:
O heterossexismo é a promoção incessante, pelas instituições e/ou indivíduos, da superioridade da heterossexualidade e da subordinação simulada da homossexualidade. O heterossexismo toma como dado que todo mundo é heterossexual.[4]
É dessa premissa, assim, que vemos nas formas sutis de controle informal um discurso que se repete na complexidade das relações sociais e que repercute na manipulação violenta de manutenção daquilo que deveria se estabelecer como “padrão social”, ou seja, a homofobia seria um desdobramento discursivo que vem se mantendo nas mais variadas formas de violência que vão desde o homicídio até a tolerância ao desrespeito à ideologia constitucional de combate à discriminação.
A HOMOFOBIA, O AGRESSOR E O HETEROSSEXISMO.
A violência que se apresenta na sociedade brasileira, principalmente nos grandes centros urbanos, é tão corriqueira que tornou-se difícil discutir a qualidade de vida do cidadão apontando para um aspecto específico apenas, sob risco de desconsiderarmos todas as variantes que sirvam de alimento à essa cultura de medo que conhecemos.
A segregação observada como objeto de estudo, não apenas como resultado do descumprimento de medidas de proteção, serve, assim, como mais um elemento que resulta da violência que a todos atinge indistintamente.
Seria, logo, fácil discutir a segregação, em si, como evidência de uma política excludente fosse ela um elemento que atinge apenas um grupo, reduzindo à marginalização, no seu sentido mais etimológico, apenas um segmento comportamental, apenas uma comunidade ou grupo. O rótulo de “vítima”, assim, limitado a um grupo, nos permitiria identificar a ausência do suporte adequado a ser utilizado contra a violência urbana e contornar tal fenômeno e suas conseqüências.
No entanto a complexidade da conexão entre criminalidade, violência e desigualdade social, aliada ao problema da educação deficitária prestada no Brasil faz com que se torne difícil desentranhar da dinâmica social a vulnerabilidade do cidadão sem negligenciar aspectos sociológicos não tão claros nas estatísticas disponíveis em sites especializados dos órgãos estatais responsáveis por colher tais números ou mesmo em entidades não-estatais de enfrentamento à violência ou de apoio às vítimas.
Sobre tais estatísticas Cécile Barberger aponta para o problema da discricionariedade das agências formais e a possibilidade de pesquisas tendenciosas quanto a coleta desses dados:
Durante muito tempo as reflexões criminológicas negligenciaram os aspectos sociológicos inerentes à produção das estatísticas sobre a criminalidade, não reconhecendo o fato de que estas foram forjadas na interseção entre discricionariedade das agências formais de controle e a predisposição mental à discriminação de determinados segmentos da população.[5]
Talvez, diante da proposta de uso simbólico do direito como respostas às mazelas já conhecidas e, aqui, mencionadas, tais números já sejam o que se precise pra que se parta pra uma sonhada solução direta e se apele para um viés penal criminalizador, direto e menos burocrático, o que inegavelmente já traria solução a alguns segmentos específicos dessa violência e talvez e uma certa sensação de segurança. O problema é que a desconsideração desses aspectos sociológicos acabariam, a nosso ver, por desviar o olhar da fonte principal dessa violência, isolando-a sobre um grupo indeterminado de “mal-feitores”, ao invés de combater a violência em si.
Entendamos que quanto a violência homofóbica, o problema está para muito além da simples prática do bullying nas escolas, das chacotas, dos assassinatos, da excessiva violência no cometimentos dos crimes, ou nas manifestações de ódio contida na livre manifestação religiosa televisionada. Há de se atentar para a necessidade de se questionar a própria raiz dessa violência, antes de se partir em direção a uma política de criminalização. Há de se entender que uma visão criminológica aponta para um aperfeiçoamento prévio das próprias políticas a serem aplicadas.
Roque de Brito Alves, ao ressaltar o olhar sociológico da criminologia, acaba por abarcar aspectos sociais nocivos ao cidadão como verdadeiros “estados criminógenos” ainda que, ainda nem sequer sejam tipificados, mas potencialmente danosos em suas naturezas:
Não ficando restrita a Criminologia unicamente ao estudo das condutas típicas, puníveis por lei, legalmente definidas como criminosas desde que tem como seu objeto também as condutas desviadas culturalmente, anti-sociais, algumas destas podem ser consideradas como verdadeiros ‘estados criminógenos’ que embora não tipificados como crime são comportamentos ou modos de ser em um estilo de vida que podem conduzir o indivíduo a delinqüir como, p. ex., na vagabundagem, na prostituição, vício da droga, etc. O que faz com que, obviamente, o estudo criminológico possa adquirir maior horizonte ou extensão ao não limitar-se ou partir exclusivamente da noção jurídica do delito, compreendendo outras condutas de grande importância tanto para uma sua apreciação individual, pessoal, como social.[6]
A conduta violenta contra trans/homossexuais ocasionada em função de suas condições tem um viés cultural tão antigo quanto são as sociedades patriarcais, e tem sua legitimidade associada a fatores que independem da simples fobia diante do comportamento considerado subversivo, por alguns. É um fator problemático que os relatórios (apresentados mais adiante em maiores detalhes.) não consigam delinear quem é o “homófobo”, ou quais circunstâncias são determinantes de fato, ou na maioria dos casos, pra que essa injúria, ou a agressão ocorra.
Nos casos de crimes cometidos sobre a escusa da homofobia, a despeito da violência sempre gratuita, e covardemente aplicada, temos a ausência desse tal fator determinante que nos indicaria adequação de política, preventiva ou não, ao fato.
Encontramos tais elementos em relatórios, por exemplo, sobre a pornografia infantil e suas variantes, ou sobre a violência contra mulher, ambas já bem delimitadas e bem tuteladas pelo poder legislativo na forma das leis nº 11.829, de novembro de 2008, que alterou Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet, e da lei agosto de 2006 que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Nesse último caso, dada a importância de delineamento quanto à natureza do agressor, e dos fatores criminógenos, hoje se conhece tal violência como “violência doméstica”. Sabe-se onde ocorre, quem a sofre e sob quais circunstâncias, o que gera a possibilidade de aplicação de políticas de criminalização de cunho legislativo, medidas emergenciais cautelares e medidas educativas apropriadas.
Não se pode negar que a própria complexidade das relações sociais, o mal atendimento concedido ao público LGBT em delegacias[7] e até mesmo o medo de uma vitimização secundária tem escondido boa parte dos detalhes sobre os crimes que a comunidade realmente vivencia no cotidiano.
É da vítima, que sofre direta e primeiramente a lesão que se pode aduzir as circunstâncias primordiais e essenciais ao cometimento do crime e sua relação com o criminoso. No ano 2003, a partir de uma série de debates entre a sociedade civil e o Governo Federal, o programa “Brasil sem Homofobia”[8], em uma perspectiva vitimológica, passou a dar ouvidos à comunidade e emitiu relatórios contendo números assustadores colhidos pela Criterium Assessoria em Pesquisas.
Esse relação, vítima-delinquente, assim entendemos, é a maior determinante na apropriação dos saberes criminológico no momento adequado à prevenção do fato abordado . Não desconsideramos a importância dos vários segmentos predispostos a participar da discussão, tais como os segmentos políticos e os segmentos religiosos, tão empenhados em discutir a natureza sexual ou comportamental das vítimas, não entendemos que a real tutela da cidadania dessas vítimas se dará a partir do confronto entre ideologias religiosas ou partidaristas, senão do estudo do aspecto fenomenológico do crime não se afastando o olhar da real necessidade social.
Ainda sobre a importância dessa relação entre delinqüente e vítima, Guglielmo gulotta, citado por Edgard de Moura Bittencourt, afirma :
Basicamente a vtitimologia nada mais é do que um diferente ponto-de-vista no estudo do comportamento do criminoso.a vítima é a pessoa que suporta as conseqüências do ato criminoso considerado delituoso e, de qualquer modo, sofre o dano, ainda que isso se relacione com sua própria conduta. O crime, para ser corretamente estudado e adequadamente prevenido, deve ser encarado através de uma abordagem sitemática e é nesse sentido que a relação delinqüente-vítima deve ser pesquisada.[9]
Ora, quando, a própria Constituição Federal de 1988 prevê em seu art.226, § 8º, que o Estado assegurará assistência familiar, criando mecanismos que visem coibir a violência no âmbito de suas relações, o que se espera é que o objeto dessa violência seja privado da vitimização por meio de suas políticas de enfrentamento a tal fenômeno. Como já apontamos, sem que se possa encontrar o responsável direto por essa violência toda medida adotada parece vaga e imprecisa.
Se entendemos que o delinqüente é um sujeito específico, a desempenhar um papel cuja motivação se conhece e se pode antever e se pode prevenir, as políticas, inclusive as preventivas, seriam bem distintas das adotadas diante do conceito adotado pelo conjunto de artigos conhecidos como Teoria Queer. Se entendemos que estamos diante de um fenômeno cultural heterosexista compulsório adotado e parte de nossa cultura patriarcal nos parece que a via criminalizante de condutas, já tipificadas quanto a sua materialidade no código penal, por exemplo, não fariam a menor diferença, uma vez que tais condutas consideradas “homofobicas” se dão na forma de comportamento juridicamente tipificados (homicídio, injuria, lesão, lesão corporal, etc...). Não desconsideramos o efeito paliativo do direito penal, nem sua função simbólica na figura da tipificação, a despeito da conseqüências disso sobre o corpo jurídico cada vez mais inflado e menos efetivo.
conclusão
O que entendemos aqui é que a ineficácia das normas, na figura de lacunas ontológicas e axiológicas, podem ser bem mais nocivas à sociedade que a ineficácia puramente normativa. Se um indivíduo se sente legítimo para praticar um ato ilícito como homicídio, que já é tipificado, seja a motivação dada por homofobia, seja por outro motivo torpe qualquer, entendemos que não seria tal agressão freada pelo simples fato de ser a tipificação explícita quanto ao termo “homofobia”. Entendemos que tendo o indivíduo recebido do Estado educação adequada para distinguir entre seus posicionamentos e a liberdade individual, exercida no posicionamento ideológico do outro, já teria condição de entender a reprovabilidade de seus atos.
Daí movermo-nos para a inadimplência estatal no cumprimento da inclusão sócio-econômica e das possíveis conseqüências dessa exclusão na conduta delitiva tanto na formação do caráter do cidadão, por meio de uma educação deficiente, como na não-observação de seus deveres outros, tais como promoção de saúde, ou combate à discriminação. A responsabilização nesse aspecto não visa limitar-se ao caráter penal, onde o animus dolandi[10] seria determinante e inerente à conduta dolosa, já que o elemento volitivo é inerente exclusivo da natureza humana. A capacidade de ação, de culpabilidade, expressa-se na presença de uma vontade não viciada, determinada pelo desejo de ser alcançar um fim. Quando passamos a cogitar a influência da ineficácia estatal sobre um comportamento qualquer seria uma incongruência entendê-lo como sujeito ativo do crime na forma omissiva já que o Estado é, ele mesmo, sujeito passivo, sob o aspecto formal.
Sendo o Estado detentor do jus puniendi não podemos utilizar a expressão culpabilidade no seu sentido dogmático para as inferências que, agora nos prestaremos. O princípio da co-culpabilidade apresenta-se como uma mea-culpa da sociedade consubstanciado em um princípio constitucional implícito -assim como o princípio da intervenção mínima- da nossa Carta-Magna voltado a uma menor reprovabilidade do sujeito ativo de crime em função em função da sua hipossuficiência e abandono pelo Estado. Zaffaroni afirma sobre essa culpabilidade que:
[...] há sujeitos que têm o menor âmbito de determinação, condicionado por causas sociais. Não será possível atribuir essas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma “co-culpabilidade,com a qual a sociedade deve arcar.[11]
Diante da possibilidade de desrespeito à proporcionalidade das penas, ou de quaisquer outras formas de excesso do Direito Penal os princípios acima citados, da co-culpabilidade e o princípio da intervenção mínima, educam que só nos casos de extrema necessidade, quando os demais ramos do direito não encontrarem resultados satisfatórios, deveriam ser aplicados. Embora esses princípios apontem, principalmente ao momento da sentença e do cumprimento da pena julgamos ser útil abordar-se o seu fundamento sociológico para melhor entendermos os parâmetros criminológicos de uma sociedade que adotou o capitalismo como modo de produção, privilegiou a livre iniciativa, livre concorrência e o mercado mas não foi capaz de tutelar a desigualdade e exclusão social.
Merton nos clarifica que ao indisponibilizar de forma uniforme, isonômica, acesso a meios institucionais para alcance do bens garantidos pela Constituição, tais quais educação, saúde, segurança, é próprio Estado que precipita o desequilíbrio social e a insegurança jurídica, ou seja, a normalidade do uso dos meios ilegítimos teria estreita ligação e influência com o ambiente no qual a pessoa está inserida, além de com a classe social a que pertence. Grégore Moura afirma :
Referimo-nos ao fato de que há uma verdadeira inversão de valores, na qual o comportamento criminoso é praticado a todo o momento, passando a ser um comportamento não reprovado, pelo menos no seio daquela classe ou ambiente. Esse fenômeno gera nessas pessoas uma vontade viciada, já que “introjetam” a necessidade atingir os objetivos culturais a todo custo, ma não possuem meios legítimos de fazê-lo e, por conseguinte, os meios considerados ilegítmos para a sociedade passam a ser legítimos para o grupo.[12]
Para a Teoria Queer, no que pese a manutenção do estado de heterossexismo, esse bem a ser defendido a todo custo redunda na exclusão performática do “diferente”. Para Richard Miskolci, a partir do estudo da sexualidade se pode entender a homofobia como um dos “mecanismos de interdição e controle das relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo” [13], a saber, a padronização heteronormativa que se vê em nossa sociedade, estaria muito mais próxima da manutenção de um estado culturalmente estabelecido e abandonado ao próprio sexismo cultural.
As conseqüências desse processo de exclusão já haviam sido abordadas pelo sociólogo Robert K. Merton, a partir de estudos de Emile Durkhein sobre a anomia. Enquanto para Emile Durkhein a anomia seria uma crise de normas e valores que atingem a consciência coletiva em determinados momentos de crise ou expansão econômica, para Merton essa anomia se apresentaria “da tensão que surge entre o acesso aos fins que a sociedade se propõe, ou seja, os objetivos culturais e os meios institucionais que a mesma disponibiliza, para que o cidadão atinja seus fins” [14].
Com efeito, o especialista em segurança pública, Marcos Rolim, na obra “A Síndrome da Rainha Vermelha : policiamento e segurança pública no século XXI” aponta a dicotomia na abordagem dos crimes no Brasil, pela sistemática criminal, afirmando que:
Estamos, desse modo, diante de um complexo e custoso aparato institucional que, em regra, não funciona para a responsabilização dos infratores, não produz justiça, nem se constitui em verdadeiro sistema. Quando se depara com delitos de pequenas gravidade, o direito penal é demasiado; quando se depara com crimes graves, parece inútil.[15]
O art 144 da Carta Magna, prescreve: “A segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e das pessoas e do patrimônio (...)”[16]. A ausência dessa tutela ou sua ineficácia é algo desastroso de se pensar. Tanto para a segurança da coletividade quanto para a evolução dos métodos de manutenção das garantias constitucionais, a criminologia e outros movimentos mais recentes oriundos das ciências humanas têm se aproximado das discussões acadêmicas com fim de acrescentar novas perspectivas que contribuam a um entendimento da fenomenologia do crime e permitam aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário suprir lacunas normativas, ontológicas e axiológicas e às políticas públicas ocuparem o lugar de ferramentas de aplicação da justiça à sociedade, à vítima e ao agressor.
Notas
[1] LOURO, Guacira Lopes. O corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 24.
[2] Ibidem. p. 38.
[3]CARVALHO, Salo de. Antiblog de Criminologia: Criminalização da Homofobia: sobre a possibilidade de uma criminologia “queer” p.154. Disponível em: <http:antiblogdeceiminologia.blogspot.com.br/search/Ibel/ Antihomofobia.> Acesso em: 02 mar. 2014.
[4] WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. In: Estudos Feministas, Florianópolis, n. 02, v. 01, 2001. p. 467.
[5] BARBERGER, Cécile. Delitos e delinqüência.In: BESSON, Jean-Louis. A ilusão das estatísticas. São Paulo: Ed.UNESP, 1995, p 77.
[6] MANZANERA, Luiz Rodriguez. Apud ALVES, Roque de Brito. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 59.
[7] Informação constante em Apêndice A : entrevista realizada, em 20 de fevereiro de 2014, com a Assistente Social Ana Cristina Mendes do Centro de Combate à Homofobia de São Paulo - Coordenação de Políticas LGBT.
[8]Sexualidade_cidadania_e_homofobia. Disponível em: <http://www.acdemia.ed /2483316/Sexualidade_cidadania_e_homofobia_pesquisa_10_._Parada_do_Orgulho_GLBT_de_Sao_Paulo_-_2006 > Acesso em: 03 mar. 2014.
[9] BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vitima.São Paulo: Universitária de Direito,1978. p. 28.
[10]JusBrasil “Animus Dolandi”. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/26391004/animus-dolandi> Acesso em: 05 fev. 2014.
[11] ZAFFARONI. Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 613.
[12] MOURA, Grégore Moreira de. Do Princípio da co-culpabilidade no Direito Penal. Niterói: Impetus, 2006. p. 51.
[13] MISKOLCI, Richard (2009). A teoria queer e a sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. pp. 150-182.
[14] MOURA, Grégore Moreira de. Do Princípio da co-culpabilidade no Direito Penal. Niterói: Impetus, 2006. p. 51.
[15] ROLIM, Marcos. A síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI.Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Oxford: Brazilian Studies, 2006. p. 233.
[16] ANGHER, Anne Joyce Rideel. Vade mecum universitário de direito. 11 ed. atual. São Paulo: Rideel, 2012. p. 65.