O instituto da aceitação legal de estranho no seio familiar vem tratado nos artigos 1.618 a 1.629 do Código Civil de 2002. É a ficção jurídica que dá gênese ao parentesco civil, passando alguém a aceitar como filho alguém que originariamente não ostenta tal qualidade. Na nova dinâmica legal, trata-se a adoção do ato jurídico bilateral, constituído em benefício essencialmente do adotando, irretratável e perpétuo depois de consumado, que cria laços de paternidade e filiação, com todos os direitos e obrigações daí decorrentes, entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.
No Código Civil de 2002, não se cogita mais de adoção simples ou plena, posto revogadas as disposições substantivas do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil de 1916, salvante a adoção por estrangeiro, que permanecerá regulada pela lei especial – que figura mais no estudo adjetivo que de direito material. No mais, agora existe apenas uma figura: a adoção irrestrita; que obedece essencialmente aos contornos da anteriormente tratada como adoção plena, inclusive sendo possível constituí-la apenas em processo judicial (e não mais por escritura pública, como antes previa o Código Civil de 1916), seja qual for a idade do adotando (quando maior, regido pelo Código Civil, a adoção não era feita judicialmente).
Pelas características da adoção irrestrita, verifica-se que o legislador procurou seguir o preceito constitucional de 1988 e incorporar o adotado à família do adotante, como seu filho natural. Tentou-se evitar o máximo possível o registro da consangüinidade do adotando, desvinculando-o totalmente. Alias, este contexto acabou com algumas injustiças figuradas no Código Civil de 1916, que não outorgava reciprocidade sucessória entre adotante e adotado, ou ainda, quanto ao parentesco.
Qualquer pessoa pode adotar, isoladamente (em regra, não se admite haja mais de uma adoção sobre a mesma pessoa, ou mais de um adotante sobre o mesmo adotado), inclusive ascendentes e irmãos do adotando, os cônjuges ou companheiros com família estabilizada, bastando que pelo menos um seja maior de 18 anos (idade mínima para ser adotante), e haja diferença de 16 anos em relação ao adotado. O tutor ou o curador também pode adotar o pupilo ou o curatelado, dês que tenha prestado contas de sua administração e saldado eventual débito pendente.
Em relação aos cônjuges ou companheiros, eis a única hipótese em que se permite a adoção por mais de uma pessoa. O mesmo casamento também autoriza a adoção conjunta, embora iniciado o estágio de convivência na constância da sociedade conjugal, venham ulteriormente se divorciar ou se separar judicialmente os cônjuges, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas.
De outra banda, qualquer pessoa pode ser adotada, exigindo-se previamente o consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos. Mas a lei dispensa o consentimento em relação à criança ou ao adolescente, quando forem os seus pais desconhecidos, desaparecidos ou tenham eles sido destituídos do poder familiar sem que haja nomeação de tutor, ou ainda, quando comprovadamente tratar-se de infante exposto, ou órfão que há mais de um ano não tenha sido procurado por qualquer parente. Anote-se que o consentimento é revogável, podendo arrepender-se quem o prestou, desde que o faça até a publicação (e não intimação, veiculando-a na Imprensa Oficial) da sentença constitutiva da adoção.
Após o trânsito em julgado da sentença constitutiva da adoção, começa ela a surtir efeitos, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito (adoção póstuma). A sentença constitutiva, outrossim, confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado.
Com isso, a adoção atribuirá a situação de filho como se naturalmente o fosse, desligando-se o adotado de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento, que se preservam até mesmo por razões genéticas e biológicas. O parentesco não é apenas entre adotante e adotado, mas também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante. E, se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.
Por derradeiro, cumpre-nos observar que a inovação foi substancial, como, aliás, foi a trilha seguida pelo novel legislador civil no que diz respeito aos direitos de família. A novidade sempre é bem vinda, cabendo aos intérpretes, principalmente aos judicantes, aplicá-la como se deve, para não banalizar o instituto e fazer da criação humana uma letra morta e sem efeito.