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As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal

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A fixação da pena-base, sob a luz das circunstâncias judiciais, é o momento em que o sistema penal volta sua atenção ao indivíduo tal como ele é, com todas as suas reais imperfeições.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da individualização da pena está consolidado na ordem constitucional no artigo 5°, inciso XLVI, consagrando que ‘’a lei regulará a individualização da pena.’’

Tal princípio tem papel fundamental no estudo da aplicação da pena. Para Guilherme de Souza Nucci:

“A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo corréus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da ‘mecanizada’ ou ‘computadorizada’ aplicação da sanção penal, prescindindo da figura do juiz, como ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido, sem dúvida, injusto.” (NUCCI, 2009, p. 34).

Consta do item 49 da exposição de motivos do Código Penal que:

Sob a mesma fundamentação doutrinária do Código vigente, o Projeto busca assegurar a individualização da pena sob critérios mais abrangentes e precisos. Transcende-se, assim, o sentido individualizador do Código vigente, restrito a fixação da quantidade da pena, dentro de limites estabelecidos, para oferecer ao arbitrium iudices variada gama de opções, que em determinadas circunstâncias pode envolver o tipo da sanção a ser aplicada.

O princípio da individualização da pena, ao mesmo tempo que assegura a discricionariedade do juiz para a aplicação da reprimenda, também garante que esta não seja exacerbada, ultrapassando os limites e critérios pré-estabelecidos

E é a segunda fase de individualização da pena que será objeto de uma análise mais profunda do presente estudo, haja vista que é nela que são apreciadas pelo juiz as circunstância judiciais do artigo 59 do Código Penal. É a fase em que cabe ao julgador impor no plano concreto qual é a exata reprimenda capaz de cumprir as finalidades da pena, quais sejam, de uma suficiente reprovação e prevenção do crime.

A aplicação e individualização da pena é uma atividade conjunta da lei e do julgador, pois, uma vez capitulado o crime – culpabilidade do fato – o julgador levará em conta condições subjetivas e objetivas, respectivamente relacionadas ao sentenciado e à prática da conduta criminosa.

A aplicação da pena não é completamente livre de vínculos, obedece a critérios estabelecidos pelo legislador ou pela doutrina, que dizem respeito à dignidade da pessoa humana e a função garantista do sistema penal.

  Sobre esta fase, afirma Luiz Regis Prado que:

“A individualização judiciária da sanção penal implica significativa margem de discricionariedade, que deverá ser balizada pelos critérios consignados no art. 59 do CP e pelos princípios penais de garantia (discricionariedade juridicamente vinculada). Na determinação da pena, cumpre o juiz nortear-se pelos fins a ela atribuídos (retribuição, prevenção geral e prevenção especial). Demais disso, é imprescindível a observância, pelo juiz, do dever processual de motivação e da obrigação jurídico-material de fundamentação do ato decisório.” (PRADO, 2007, págs. 242 e 243).

O critério trifásico de aplicação de pena, defendido por Nelson Hungria, foi consagrado pela jurisprudência e, posteriormente, pela nova Parte Geral do Código Penal, Lei 7.209/84.

O item 49 da exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal explicou a razão do acolhimento do critério das três fases:

“Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal, remanescem as divergências suscitadas sobre as etapas da aplicação da pena. O Projeto opta claramente pelo critério das três faces, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no art. 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa”.

Dispõe o artigo 68 do Código Penal que:

“Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.”

A primeira fase de aplicação da pena consiste na aferição da pena-base, de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do Código Penal, segundo o qual “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”:

“I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III -o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV- a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie, se cabível”.

Fixada a pena-base, na segunda fase serão aplicadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61, 62 e 65, todos do Código Penal.

Na ultima fase, o juiz aferirá a existência de causas de aumento ou de diminuição da pena, aplicando-as ao resultado obtido nas fases anteriores.

Após a fixação da pena concreta e definitiva, o julgador estabelecerá o regime inicial de cumprimento e analisará o cabimento da substituição da pena privativa da liberdade por restritiva de direitos, ou, ainda, da suspensão condicional da pena.


2. DESENVOLVIMENTO

As Circunstâncias do artigo 59 do Código Penal:

Para compreensão do conceito de circunstâncias, são válidas as anotações de Ariosvaldo de Campos Pires:

“Por circunstâncias (vem de circum e stare, ou seja, estar em volta) do crime compreendem-se referentes ao momento da ação, suas particularidades e nuances que importam em pesar a favor ou contra o réu (comedimento, insensibilidade, nobreza, vileza). Não podem alcançar as circunstâncias que são expressamente referidas com legais, como a menoridade de 21 anos o a maioridade de 70 anos.” (PIRES, 2005, vol. I, p. 278)

Segundo Sérgio de Andréa Ferreira, “circunstâncias judiciais são aquelas que o juiz, no processo de aplicação da pena, qualifica e sopesa”.  (FERREIRA,  1977, p. 33).

 As circunstâncias judiciais podem ser classificadas em dois grupos.

No primeiro grupo, estão as circunstâncias subjetivas ou pessoais, compostas pela culpabilidade, antecedentes, conduta, personalidade e motivos.  No segundo grupo, estão as circunstâncias objetivas ou reais, compostas pelas circunstâncias e consequências do fato e comportamento da vítima. 

Essa classificação é elucidada por Alceu Corrêa Júnior:

As circunstâncias, portanto, não se confundem com os elementos do tipo penal, sem os quais o crime não se caracteriza.

Quanto à natureza, as circunstâncias podem ser objetivas (reais) ou subjetivas (pessoais). As primeiras relacionam-se com os modos e meios de realização do crime, tempo, lugar, objeto material e qualidade da vítima. As segundas relacionam-se com a pessoa do agente, como os motivos, as qualidades pessoais do agente e relações do agente como o ofendido. (CORRÊA JÚNIOR, 2002,p. 264)

Para se entender de forma global a essência dos comandos contidos no artigo 59 do Código Penal, é preciso compreender, de forma isolada, o sentido dos seus preceitos, fazendo-se necessária, para isso, uma análise pontual de cada um deles.


CULPABILIDADE:

A culpabilidade a que se refere o art. 59 do Código Penal nada mais é do que o grau de censura à ação ou omissão do acusado. É a maior ou menor reprovação social que o crime e o autor do fato merecem.

Antes da reforma da parte geral do código penal, realizada pela Lei n°.7.209, de 1984, a fixação da pena era regida pelo antigo artigo 42, que utilizava os conceitos de intensidade do dolo e grau da culpa, que constituíam, em ultima análise, tal como a culpabilidade, o grau de censurabilidade da conduta. Somente com a inserção do atual artigo 59 é que o Código Penal passou a adotar o conceito de culpabilidade como uma das circunstâncias judiciais, conforme esclarecido no artigo 50 da exposição de motivos:

“Preferiu o Projeto a expressão “culpabilidade” em lugar de “intensidade do dolo ou grau de culpa”, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena.(...).”

O professor Jair Leonardo Lopes também disse:

“No art. 59, (...), que trata das chamadas ‘circunstâncias judiciais’, foi abolida a referência ao dolo e à culpa e mencionou-se a ‘culpabilidade’, conceito que indica o grau de reprovação que recai sobre o agente, em razão de sua conduta;” (Lopes, 2005, p. 231)

Cristalina é a explicação de Monteiro de Barros sobre a culpabilidade ao dizer que:

“A intensidade do dolo e a gravidade da culpa não devem exercer influência sobre a dosagem da pena. Sim, porque o dolo e culpa, de acordo com a teoria normativa pura, não integram a culpabilidade, situando-se dentro da conduta, conforme, aliás, também ensina a teoria finalista da ação. Porém, para os adeptos da teoria psicológica e da teoria naturalista, o dolo e a culpa integram a culpabilidade, e não a conduta. De acordo com esta última corrente, a intensidade do dolo e a gravidade da culpa devem influenciar a dosagem da pena-base.” (BARROS, 2004, p. 493).

Para Celso Delmanto a culpabilidade do agente deve ir mais além do que analisar tão somente suas condições pessoais, devendo-se analisar também o contexto em que ocorreu a situação de fato:

“Deve-se aferir o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente, na situação em que o fato ocorreu. Ao se analisar as condições pessoais do acusado, entendemos imprescindível que se leve em consideração seu grau de instrução, condição social, vida familiar e pregressa, bem como sua cultura e meio em que vive. Isto porque, o que se julga em um processo é, sobretudo, o homem e, não, um fato descrito isoladamente na denúncia ou queixa, o qual, por vezes, retrata um episódio único e infeliz em meio a toda uma vida pautada pelo respeito ao próximo.” (DELMANTO, 2002, p. 110).

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 Cézar Roberto Bitencourt adverte sobre a importância de o magistrado conhecer o real significado do elemento culpabilidade, nessa acepção do artigo 59, do Código Penal, para que não incorra em erros como afirmar que “o agente agiu com culpabilidade, pois tinha consciência da ilicitude do que fazia”, porque, nessa outra acepção, a culpabilidade é somente fundamento da pena, ou seja, “é característica negativa da conduta proibida”, sendo portanto objeto de análise juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade e, se esse juízo for negativo, sequer há condenação. Assim, entende-se que, no contexto do artigo 59, avalia-se não se há culpabilidade, porque, tendo havido condenação, é evidente que ela existe – mas sim a gradação dessa culpabilidade, ou seja, o grau de reprovabilidade da conduta dentro do contexto em que foi cometido o delito, devendo portanto ser considerada a realidade fática em seu todo (BITENCOURT, 2007, p. 553).

Em suma, a culpabilidade, no contexto do artigo 59 do Código Penal, deve ser avaliada conforme o grau de censurabilidade da conduta do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a prática delitiva, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente.

 Ao se analisar as condições pessoais do acusado, é imprescindível que se leve em consideração seu grau de instrução, condição social, vida familiar e pregressa, bem como sua cultura e meio em que vive. Quem, nesse mundo desigual, teve melhores condições de obter uma formação moral, cultural, social, familiar, pessoal, com mais assistência em todo sentido, há que ter a culpabilidade mais acentuada, porque dispunha, ou pelo menos deveria dispor, de mais e melhores mecanismos de controle de seus impulsos para eventuais práticas delitivas. Ao contrário, aqueles que se vêem carentes das necessidades mais básicas de uma pessoa na sociedade, como, por exemplo, trabalho, saúde, educação, moradia, saneamento, segurança, respeito e diversas outras questões mais afetas à dignidade da pessoa humana, assegurada constitucionalmente, hão de merecer uma amenizada na análise da culpabilidade. E há aqueles para quem tal circunstância seja verdadeiramente irrelevante como critério, porque estão mais ou menos num meio termo. Não tiveram de mais nem de menos.

No acórdão de relatoria do Desembargador Renato Martins Jacob, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a título exemplificativo, podemos ver exatamente esse tipo de aplicação da circunstância da culpabilidade. No julgado o ilustre desembargador analisou as condições pessoais do agente bem como a situação de fato em que ocorreu a prática delituosa. Consta do julgado que:

APELAÇÃO. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGOS 38, 39, 40, 40-A, §§ 1º E 2º, E 45 DA LEI 9.605/98. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ELEMENTAR NÃO CARACTERIZADA. ADVENTO DA LEI ESTADUAL 18.043/09. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. APA CARSTE LAGOA SANTA. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL. ENQUADRAMENTO NO 'CAPUT' DO ARTIGO 40. CORTE DE MADEIRA DE LEI. ARTIGO 45. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE. EFETIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. CONCURSO MATERIAL.

Com relação à culpabilidade, vejo que o delito em apreço tem um plus de reprovabilidade coletiva, já que não se trata de um homem do campo desavisado que acabou prejudicando o meio ambiente por ignorância. O crime foi praticado por alguém que tem vasta experiência no ramo e que era conhecedor das normas de regulamentação da matéria, sendo que ele, inclusive, tem mestrado em economia rural e jamais precisaria degradar a natureza para sua sobrevivência e de seus familiares. (Processo: 1.0411.07.035595-2/001(1). Relator: Des. do TJMG RENATO MARTINS JACOB. Data do Julgamento: 24/02/2011. Data da Publicação: 05/04/2011).

Não obstante o conceito de culpabilidade estar por certo caracterizado, ainda sim, é uma tarefa árdua sua aplicação ao caso concreto. Segundo informativo 538 do STF, em sede do HC 94620, foi submetida à apreciação do Supremo a utilização da premeditação como exasperadora da culpabilidade. O Ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo, malgrado tenha titubeado sobre a correção entre culpabilidade e premeditação, consignou que “apesar da falta de consenso, na doutrina, acerca dos elementos do art. 59 do CP em que deveria ser enquadrada a premeditação, dúvida não haveria de que ela pode e deve ser analisada no momento da fixação da pena-base, tal como ocorrera na espécie” (HC 94620/MS. Rel. Min. do STF Ricardo Lewandowski. Data do julgamento: 12/3/2009).

Há que se lembrar que a culpabilidade, por ser uma circunstância judicial, não poderá ser levada em consideração em mais de um momento na aplicação da pena. Se de alguma forma já estiver a circunstância dentro do tipo penal, não poderá ser novamente analisada na primeira fase de aplicação da pena sob pena de incorrer no bis in idem. Vejamos o acórdão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO ÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS DESFAVORÁVEIS. CULPABILIDADE. VALORAÇÃO EGATIVA INERENTE AO PRÓPRIO TIPO PENAL. ILEGALIDADE. MOTIVOS DO CRIME. LUCRO FÁCIL. CRITÉRIO, IGUALMENTE, INVÁLIDO. REDUÇÃO DO AUMENTO DA PENA-BASE QUE SE IMPÕE. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES NTERIORES. ALGUMAS TRANSITADAS EM JULGADO HÁ MAIS DE 05 (CINCO) ANOS, OUTRAS DENTRO DO QUINQUÊNIO LEGAL. UTILIZAÇÃO EM FASES DISTINTAS DA FIXAÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Mostra-se indevida a exasperação da pena-base, pela valoração negativa da culpabilidade e dos motivos do crime, mediante a utilização de circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal e de critérios igualmente inválidos, como a busca do lucro fácil. Redução do aumento da pena-Base Que Se Impõe. (Processo: HC 153034. Relatora Ministra do STJ Laurita Vaz. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 24/05/2011. Data da Publicação/Fonte: DJe 07/06/2011).


ANTECEDENTES:

Antes da reforma Penal de 1984, que introduziu o artigo 59 no Código Penal, entendia-se que os antecedentes do réu abrangiam todo o seu passado, incluindo desde as condenações que eventualmente tivesse sofrido até relacionamentos familiares e conduta social.

Hoje, no entanto, a conduta social é tratada como circunstância apartada, o que veio a circunscrever o alcance dessa circunstância judicial à certidão cartorária de antecedentes. 

Assim, entende-se inviável que os antecedentes congreguem outros elementos além das ocorrências criminais.

Luis Regis Prado, ressaltando a importância na diferenciação entre antecedentes e conduta social, ilustra que “um indivíduo portador de maus antecedentes, nem sempre será, necessariamente, portador de uma conduta socialmente desajustada, assim como não é regra que alguém que jamais tenha perpetrado delito não possa ter uma vida social repleta de deslizes e infâmias” (PRADO, 2007, p. 285).

Com a Constituição da República de 1988 houve a consagração do princípio da presunção de inocência ou também chamado de não-culpabilidade. Consoante o art 5°, inciso LVII da CF, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Por esse motivo, se deve entender como “maus antecedentes” somente as condenações criminais que não constituam reincidência. Assim, inadmissível considerar como “maus antecedentes” processos criminais em andamento, sentença criminal sujeita a recurso, passagens em Juizado de Menores ou Delegacia de Polícia, inquérito policial, composição civil, transação penal  e suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).

Neste sentido é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

“Antecedentes são apenas as condenações com trânsito em julgado que não são aptas a gerar reincidência. Todo o mais, em face do princípio da presunção de inocência não deve ser considerado”. (NUCCI, 2007, p. 230)

Ressalte-se que condenação transitada em julgado antes do novo fato, como gera reincidência (CP, artigos 61, I e 63) não deverá ser considerada, ao mesmo tempo, “maus antecedentes” para não constituir bis in idem.

Condenação por fato anterior, transitada em julgado após o novo fato: embora não gere reincidência, deverá ser considerada como “maus antecedentes”.

Condenação por fato posterior, transitada em julgado após o fato que se analise, não pode ser considerada para fins de “maus antecedentes”.

Vale anotar a orientação adotada por Juarez Cirino dos Santos, que chega a propor a transformação dos maus antecedentes e da reincidência em circunstância atenuante da pena:

“É necessário reconhecer: a) se o novo crime é cometido após a passagem do agente pelo sistema formal de controle social, com efetivo cumprimento da pena criminal, o processo de deformação e embrutecimento pessoal do sistema penitenciário deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real entre as circunstâncias atenuantes, como produto específica da atuação deficiente e predatória do Estado sobre sujeitos criminalizados” (SANTOS, 2006, p. 570).

A maior parte da doutrina, no entanto, admite a constitucionalidade da ponderação sobre os antecedentes na fixação da pena, desde que observado o princípio da não culpabilidade. Sobre o assunto, é pertinente a dissertação de mestrado de Jadir Silva, na qual ele discute os antecedentes e relaciona em quais hipóteses não se deve considerar o indivíduo portador de maus antecedentes:

“Daí vê–se que hoje fica mais difícil, em virtude do princípio constitucional da inocência, considerar alguém possuidor de maus antecedentes apenas pelo fato de ser preso, considerando-se a lúcida assertiva de Heleno Cláudio Fragoso de que as pessoas pobres, pelo ambiente em que vivem, estão mais sujeitas a envolver-se na ação policial, aparecendo em processos. Nessa linha de pensamento do Direito justo, não se poderia considerar o acusado de maus antecedentes nas seguintes hipóteses: a) em que foi indicado em inquérito arquivado; b) em que foi absolvido por insuficiência de prova; c) em que foi condenado em sentença transitada em julgado, sem que tenha requerida reabilitação; d) em que tenha submetido a procedimento especial no Juizado da Criança e do Adolescente (SILVA, 2001, P. 115).

A Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça ratifica esse entendimento ao dizer que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Acrescente-se o informativo 582 do Supremo Tribunal Federal, que assevera que “processos penais em curso, ou inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu”.

Por último, importante tratar da diferenciação técnica de reincidência e de maus antecedentes. Tais institutos não se confundem, mas apesar disso, estão inteiramente ligados, e suas respectivas caracterizações são vitais para o entendimento da matéria de fixação da pena.

O instituto da reincidência está previsto nos artigos 61, 63 e 64 do Código Penal:

“São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência [...]

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.     

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”

Trata-se, como se vê, de circunstância agravante, que deve ser analisada na segunda fase da dosimetria da pena, e não no momento de fixação da pena-base, como ocorre com os antecedentes criminais.

No âmbito da análise das circunstâncias judiciais, considera-se primário o indivíduo não reincidente. 

Luiz Flávio Gomes consegue visualizar duas correntes que tratam sobre os maus antecedentes. Para o autor:

“A primeira (inconstitucional) considera antecedente qualquer envolvimento do agente com algum inquérito ou ação penal; de acordo com essa primeira orientação processo em andamento configuraria maus antecedentes. Isso é, claramente, inconstitucional. É fruto da incidência direta do poder punitivo estatal não depurado, não da aplicação do (verdadeiro) Direito Penal.

A segunda (constitucional) considera maus antecedentes apenas as condenações passadas da vida do agente, que constam da sua ‘folha corrida’ e já não geram reincidência (leia-se: condenações pretéritas, que vão além do lapso de cinco anos contados da extinção da pena para trás). Essa segunda corrente é a adequada ao Estado constitucional e humanista de Direito.” (GOMES, 2007, p. 728).

Nestor Távora e Alex Sampaio entendem que os antecedentes criminais em face ao princípio da presunção de inocência deve ser levado ainda mais além:

“Temos que em decorrência da proteção assegurada pelo princípio, a prática fluente de carrear aos autos, desde o início, os antecedentes penais do réu, carece ser revista, eis que, sendo o juiz humano, portanto influenciável, o conhecimento antecipado dos antecedentes penais pode interferir na forma com que o magistrado conduzirá o feito e no tratamento que dispensará ao réu. Assim sendo, os antecedentes penais só deveriam ser levados ao processo quando este estiver pronto para a sentença, informando tão somente os fatos já abarcados por condenação definitiva, haja vista que, para aqueles ainda pendentes de condenação definitiva, o princípio impõe que não haja nenhuma repercussão, penal ou processual, à figura do réu” (TÁVORA E SAMPAIO, 2007,p 184).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Pedro Fernandes Alonso Alves. As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4144, 5 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33115. Acesso em: 29 mar. 2024.

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