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Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:

entre a ontologia e o pragmatismo

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O presente artigo cuida de questionar a amplitude do conceito de desenvolvimento institucional para fins de contratação de entidade privada dedicada a tal propósito, mediante dispensa de licitação.

1.INTRODUÇÃO

O presente artigo cuida de questionar a amplitude do conceito de “desenvolvimento institucional” para fins de contratação de entidade privada dedicada a tal propósito, mediante dispensa de licitação, pela Administração Pública.

A finalidade que se espera alcançar com o estudo é, pois, mitigar a aventada discricionariedade na aplicação do conceito nos casos concretos em que usualmente é invocado, na medida em que a imprecisão abstrata da norma não implica, de modo algum, liberdade decisória irrestrita ao gestor.

Vale lembrar que a Lei Federal n° 8.666 foi editada em 21 de junho de 1993, para regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Constituição da República Federativa do Brasil, e sua origem historicamente foi marcada pela pretensão de conferir ampla rigidez ao regime de licitações e contratos da Administração Pública, visando à moralização e ao aperfeiçoamento de tais procedimentos. Entretanto, a técnica normativa utilizada no inciso XIII do artigo 24 da Lei nº 8.666, de 1993, acaba por desvelar-se mais um desafio hermenêutico que uma subsunção conceitual típica de ato administrativo vinculado.

Não obstante o decurso de mais de vinte anos da sua entrada em vigor, alguns conceitos jurídicos permanecem ainda objeto de debates, dúvidas e interpretações das mais dissonantes orbitando entre uma leitura gramatical, dita objetiva, derivativa e propositiva.

Especificamente, interessa aqui a elucidação do conceito de desenvolvimento institucional previsto no inciso XIII do artigo 24 da Lei de Licitações nos seguintes termos:

Art. 24. É dispensável a licitação:

[...]

XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) (grifa-se)

Para cumprir tal esforço de densificação e nucleação conceital, bem como para buscar testar as repercussões jurídicas decorrentes da aplicação da hipótese de dispensa pelo “desenvolvimento institucional”, o trabalho foi dividido em 5 (cinco) capítulos, incluída esta introdução.

No próximo capítulo, serão exploradas as balizas interpretativas fixadas pela citada hipótese de dispensa de licitação, quais sejam: instituição e, em especial, “instituição brasileira”; “inquestionável reputação ético-profissional” e “fins não econômicos”.

No terceiro capítulo será enfrentado o desafio de retomar tais balizas para agregá-las vinculadamente ao conceito de “desenvolvimento institucional”, para fins de fixação do regime jurídico da hipótese de dispensa do art. 24, XIII da Lei nº 8.666/1993. Espera-se, com isso, mitigar algumas das incertezas conceituais que usualmente são invocadas para ampliar a margem de discricionariedade administrativa no manejo dessa figura.

No quarto capítulo, o dever de motivação em um devido processo de dispensa, lastreado nos pressupostos do art. 26 da Lei Geral de Licitações e Contratos, será explorado para que sejam evidenciadas a prova de economicidade e a justificativa da escolha empreendida.

Por fim, na conclusão, a querela – que, ao longo do texto, basicamente residiu em definir ontologicamente, ou seja, estabelecer de forma uníssona o que é, o ser propriamente contido no termo “desenvolvimento institucional” – será reapresentada ao legislador e ao necessário caminho de revisão da norma, em acréscimo do esforço interpretativo.

Para esta análise cumpre optar pela interdisciplinariedade do Direito e agregar o auxílio da hermenêutica jurídica, notadamente, as interpretações ontológicas, as críticas a este modelo e, por fim, um fechamento propositivo focado no pragmatismo das decisões da Administração Pública.


2.ANÁLISE DOS CONCEITOS DA NORMA

A matéria da contratação direta de instituição voltada para o desenvolvimento institucional não é inédita. O Tribunal de Contas de Minas Gerais já se manifestou em várias oportunidades sobre o tema. Destaca-se a consulta nº 393.094, Sessão Plenária de 21/08/96; consulta nº 448.191, Sessão Plenária de 06/08/97; consulta nº 654.845, Sessão Plenária de 17/10/01 e, por fim, consulta 655.020, publicada na edição 04/2002 – Ano XX, na qual o Exmo. Senhor Conselheiro Murta Lages assim se pronunciou, ex verbis:

Quanto ao mérito, esclarecemos que esta Corte de Contas já decidiu, em consultas anteriores, que é legal a contratação, sem licitação, de instituição sem fins lucrativos e voltada para a pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional, desde que presentes os requisitos previstos no inc. XIII do art. 24 da Lei de Licitações. (grifo nosso)

Entretanto, acredita-se que o debate sobre este tipo de contratação direta ainda não está esgotado.

2.1 O CONCEITO DE INSTITUIÇÃO

Considerando o requisito do caráter não econômico e seu registro no Brasil fica evidente que a denominada “instituição” somente pode ser constituída na forma de associação ou fundação, nos termos art. 53 e parágrafo único, art. 60 do Código Civil, respectivamente. Trata-se, portanto, de outro requisito que deve ser observado pela Administração Pública para celebrar contrato com a dispensa de licitação.

Entretanto, a norma em comento requer do aplicador a interpretação do conceito de “instituição” apenas no limite de sua forma de constituição – associação ou fundação – ou impõe um dever hermenêutico maior? A questão é relevante, pois, se partir da premissa que a norma não possui palavras inúteis e que a escolha por um termo possui relevância jurídica, tal questionamento se impõe, pois, na espécie, a Lei não utilizou-se expressão “associação ou fundação”, mas “instituição”. Haveria um porquê hermenêutico na escolha do termo “instituição”? Se sim, quais resultados práticos dele seriam derivados? Senão vejamos.

Jacoby Fernandes contribui para o debate com um dado histórico: “O institucionalíssimo foi um movimento de ideias que se iniciou, na França, om Maurice Hauriou.” Instituição seria empreendimento que se realiza em um “determinado grupo com interesse de comunhão dirigido e regulado por um procedimento previamente estabelecido”. (FERNANDES, 2006, p. 481).

Completa ainda Justen Filho: “uma instituição é uma pessoa jurídica peculiarizada pela vinculação à realização de certos fins que transcendem os interesses dos seus associados, com a característica da permanência ao longo do tempo e da estabilidade de atuação”. (FILHO, 2005, p. 253).

“Neste sentido a instituição corresponde a uma organização de recursos materiais e de esforços humanos que se auto-delimita em face dos seus próprios fundadores, passando a gozar de um acentuado grau de independência”, segundo Tribunal de Contas de Santa Catarina, Processo nº ALC - 05/04256254.

Pelo aspecto jurídico, é definição corrente que instituição é aquilo que foi instituído, isto é, trata-se de ente jurídico, mais propriamente, uma pessoa jurídica que pode ser uma associação ou fundação. Nessa linha, tem-se que instituição seria sinônimo de associação ou fundação. Entretanto, esta leitura jurídica está fundada numa persecução ontológica meramente formal, ou seja, quanto a forma de criação. Noutros termos, tem-se uma concepção de instituição apenas no seu aspecto de formato jurídico constituído (forma), consequentemente, esvaziado de um sentido meritório de suas características organizacionais (essência).

A divisão entre forma e essência é a típica enunciação conceitual da filosofia grega clássica, a qual inicia o processo de descrição pelas notas essenciais do objeto e conclui com a cristalização ontológica num reducionismo semântico expondo tanto a forma quanto a dita essência do ser.

Repita-se, caso se considere instituição como sinônimo de associação ou fundação, tem-se apenas a leitura pelo seu aspecto formal. Ausentes, portanto, os elementos essenciais de suas características intrínsecas. Na carência de uma interpretação autêntica (legal) e em razão da norma ser silente quanto aos requisitos essenciais caracterizadores, cumpre socorrer a ciência do direito na hermenêutica filosófica. Cumpre iniciar uma especulação conceitual de viés desconstrutivista e crítico.

A busca da “essência” do conceito de instituição pode iniciar-se pela mera intuição propositiva a partir do significado de “organização basilar”. Como afirma Emílio Bandeira Lima: “toda instituição é uma pessoa jurídica, mas nem toda pessoa jurídica é uma instituição. A doutrina traz como exemplos clássicos de instituição a igreja, entidades beneméritas (cruz vermelha, santas casas de misericórdia), fundações e associações” (LIMA, 2011, p. 41).

Nesta toada, “instituição” seria apenas uma entidade de notória envergadura ou existente há algumas décadas ou reconhecida nacional e internacionalmente ou premiada? Numa primeira investida parece ser uma boa definição para instituição. No entanto, esta proposta conceitual traz problemas jurídicos e pragmáticos.

Partindo do pressuposto que instituição é um organização de vulto e de consolidada história desenvolvimentista, infelizmente, o leque de opções de contratação pela Administração se resumiria a um rol diminuto e deixaria de açambarcar diversas entidades capazes de executar os serviços de pesquisa, de ensino ou de desenvolvimento institucional.

Seria um rol de instituição tão reduzido que haveria i) concentração (oligopólio) e ii) fragilidade de competição entre elas. A toda prova não parece ser uma proposta conceitual que atenda ao interesse público e, notadamente, a “a seleção da proposta mais vantajosa para a administração”, nos termos do art. 3º da Lei 8666/93, que aponta para a ampliação de participantes.

Neste sentido, a via da contratação direta de apenas poucas instituições de ensino ou pesquisa ou desenvolvimentistas no Brasil acabaria por gerar um cenário de concentração de contratações e, portanto, maculando a livre concorrência e favorecendo artificialmente estas organizações, em divórcio ao estabelecido pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.

Dito isso, depreende-se que insistir na interpretação de que o conceito substancial de instituição tem um caráter basilar ou de vulto ou apenas entidades consagradas, ao final do processo de aplicação da norma, tem-se uma conclusão que vai de encontro ao princípio da melhor contratação e, ainda, reduzir o mercado de possíveis instituições, com menos renome, mas capazes de prestar serviços à Administração.

Conclui-se que adotar o conceito de instituição – no sentido de ente basilar e consolidado – induz o aplicador do direito à conclusão contrária à razão jurídica, a amplitude da seleção da melhor proposta e ao cenário dos fornecedores do setor público. Em suma, é uma proposta conceitual de interpretação que conduz para um resultado contrário à lei e seus princípios, portanto, absurda. Schopenhauer afirmou que “a ‘condução ao absurdo’, reductio ad absurdum consiste em provar a absurdidade de uma tese mostrando que ela leva a pelo menos uma consequência notoriamente absurda.” (SCHOPENHAUER, Arthur. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997., p. 147).

Diante desta reviravolta hermenêutica, a análise do conceito legal de instituição para fins de contratação direta deve se pautar por elementos objetivos; logo, devem ser afastadas quaisquer formas de análises baseadas em inferências pessoais ou, até mesmo preciosismos.

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Após giro hermenêutico, conclui-se que, no caso do inciso XIII, o termo “instituição” não agrega ao debate e deve ser interpretada na sua acepção usual, a saber, associação ou fundação, tão somente, por razões jurídicas e pragmáticas.

Em que pese a exposição teórica e até mesmo filosófica, a ciência do direito é marcada por seu sentido funcional, pragmático. Noutros termos, a aplicação do direito se dá no mundo da vida e não apenas na subsunção de modelos teoréticos. A norma jurídica tomada na exclusividade da conceituação lógica dedutiva é vazia de significação, haja vista que a regra jurídica só existe no mundo que, por definição, é factual. Por sua vez, a lei como expressão palpável de um fato não adquire subsistência no momento de sua produção – homo faber –, mas na aplicação, ou seja, no instante da interpretação jurídica – vita activa – é que se encontra de fato a norma e aí está o espaço jurídico.

Considerando a impossibilidade hermenêutica de preenchimento conceitual “puríssimo” e uníssono do termo instituição e em confronto com a realidade da aplicação da norma, deverá a Administração realizar uma análise factual e constatar, de preferência documentalmente, se a associação ou fundação possui os requisitos de segurança e qualidade na prestação do serviço, mediante rol de profissionais, trabalhos já executados, tempo de atividade, dentre outros. Destaca-se que algumas destas instituição podem ser organizadas por profissionais qualificados e mesmo terem apenas prestado serviço a uma única entidade pública, como é o caso de instituição se surgem em paralelo e sob o pálio de instituições de nível superior. Tal aspecto factual não é, numa primeira leitura, impeditivo para contratação direta por parte da Administração Pública.

2.2 INSTITUIÇÃO BRASILEIRA

O caráter brasileiro é singelo, pois sendo a entidade registrada no Brasil, logo, é brasileira, nos termo do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Portanto, basta a apresentação do registro competente para constatar este quesito legal.

Com igual entendimento posiciona-se Jacoby Fernandes: “[...] é válido conceituar instituição brasileira como aquela que se tenha constituído sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País” (FERNANDES, 2006, p. 482).

2.3 INQUESTIONÁVEL REPUTAÇÃO ÉTICO-PROFISSIONAL

O próximo requisito legal é deter inquestionável reputação ético-profissional.

A doutrina do professor Marçal Justen Filho discorrendo sobre o requisito de inquestionável reputação ético-profissional, salienta que o mesmo deve ser enfocado com cautela. Segundo o autor, “exigem-se as virtudes éticas relacionadas direta e necessariamente com o perfeito cumprimento do contrato. Não é possível impugnar a contratação pelo simples fundamento da discordância com a ideologia adotada pelos sujeitos envolvidos na instituição.” (FILHO, 6ª. Edição, pg.: 242).

Segundo Jacoby Fernandes, a reputação, como requisito à válida aplicação desse inciso, “[...] diz respeito ao conceito de que desfruta a instituição perante a sociedade na qual exerce as funções, a sua fama, o seu renome” (FERNANDES, 2006, p. 494).

Em que pese o posicionamento da doutrina, não se pode coadunar com o seu entendimento sobre o quesito “inquestionável reputação ético-profissional”.

A uma, o dispositivo legal traz o termo “ético-profissional”, isto é, a ética aliada ao profissionalismo da instituição. Destarte, não há que se cogitar de aspectos morais, éticos ou ideológicos, que são aspectos de forte mote subjetivo, como se alinha a doutrina acima citada.

Pelo contrário, o termo legal aponta para um critério refere-se à idoneidade profissional da instituição. Noutros termos, “ético” desvela-se com sinônimo de idôneo. Elemento este que deve ser analisado sob o aspecto documental e objetivo, afinal o procedimento licitatório caracteriza ato administrativo formal, conforme o parágrafo único do art. 4º da Lei 8666/93.

Portanto, o elemento jurídico da inquestionável reputação ética-profissional não pode ficar ao alvedrio da análise subjetiva a partir de direcionamentos morais ou ideológicos. O processo de contratação requer formalidade, no caso, documentos comprobatórios da idoneidade da instituição.

Com efeito, impõe-se a via do levantamento probatório documental para se constatar se a instituição é parte em processo de improbidade administrativa ou condenada com trânsito em julgado, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Ou então, se foi suspensa ou declara inidônea pela Administração Pública de qualquer das esferas da Federação, nos termos dos incisos III e IV ambos do art. 87 da Lei nº 8.666/93. E, ainda, se há denúncias nos Tribunais de Contas contra a associação ou fundação. Em suma, todo e qualquer expediente de cautela deverá ser adotado pela Administração Pública para se aferir a reputação da instituição possuir um renome ético na sua atividade profissional incontestável.

Note bem que a norma trouxe o adjetivo “inquestionável”. Portanto, caso a instituição seja demandada em procedimentos judiciais ou administrativos – mesmo em transcurso, ou seja, que não foram alcançados pelo pálio da coisa julgada – esta não ostenta o critério de inquestionável. Com efeito, a entidade, que é questionada em searas tão gravosas como improbidade administrativa ou mesmo inidoneidade, não pode ser considerada com incontestável. Trata-se de uma constatação evidente.

Por fim, é mister da Administração Pública, para promover a contratação direta com estas entidades, realizar um levantamento documental para fins de constatação se há ou não, em curso ou coisa julgada com condenação, processos administrativos ou judiciais em demérito da instituição que se pretenda contratar.

Uma questão de ordem prática é fazer prova de fato negativo, ou seja, não há como juntar documentos de que a instituição não é parte em nenhum dos processos citados acima; exceto, certidões negativas que quase nunca são requeridas ou mesmo fornecidas. Destarte, em sede de controle externo, faz necessário o levantamento deste dado à época da contratação, caso a Administração não o tenha feito. Se a instituição, objeto de futuro contrato, for parte num dos processos citados, logo, não poderia haver a contratação direta.

Obiter dictum, o termo legal utilizado é “reputação” ético-profissional e não “capacidade” profissional que é elemento conceitual a ser debatido adiante no tópico sobrea a escolha da entidade a ser contratada.

2.3 FINS NÃO-ECONÔMICOS

Inicialmente, deve-se questionar sobre a que tipo de instituição a norma se refere. Do texto depreende-se que se trata de instituição brasileira que não tenha fins lucrativos.

Inicia-se a análise pelo conceito de ausência de finalidade lucrativa. Com o advento do Código Civil de 2002 a designação transmutou-se de “sem fins lucrativos” para “fins não econômicos”, nos termos do artigo 52.

Esta alteração ocorreu em função de uma mudança na estrutura do Código Civil em vigor em relação à do Código Civil de 1916. No Diploma anterior, não havia uma distinção entre as associações e as sociedades.

As sociedades previstas no Código de 1916 eram classificadas em civis e comerciais, consistindo as associações em sociedades civis cuja finalidade não era lucrativa. Daí utilizar-se a expressão “sem fins lucrativos”, termo que foi incorporado a outra normas infraconstitucionais, inclusive a Lei nº 8666/93, para definir a entidade dessa natureza como aquela que não apresentasse superávit em suas contas ou, caso o apresentasse em determinado exercício, destinasse referido resultado, integralmente, à manutenção do desenvolvimento dos seus objetivos sociais (Lei n° 9.532/97 com redação dada pela Lei n° 9.718/98, art. 12, § 3º e Lei Complementar nº 104, de 2001).

O Código Civil de 2002 ao utilizar o termo “finalidade não econômica” adequou a redação à real finalidade das associações: gerar benefícios sociais, desenvolvimentistas, dentre outros; e não se dedicar, precipuamente, à finalidade econômica tais como as sociedades empresárias.

É importante destacar, porém, que a finalidade não econômica não é um elemento restritivo para a venda de produtos ou fornecimento de serviços por estas instituições. A ressalva é que o valor auferido seja empenhado na consecução da finalidade precípua da entidade. Portanto, uma entidade sem finalidade econômica pode vender produtos ou fornece serviços para manter sua manutenção e, ainda, ter recursos para custear ou investir na finalidade cultural, social, desenvolvimentista e outras.

Com efeito, a venda de produtos e serviços é fonte de receita para a manutenção, custeio e investimento da organização. Contudo, não é o seu fim, mas um meio para atingir a sua finalidade estatutária. Nesse sentido, cabe diferenciar que o recurso auferido capitula-se como receita e não como lucro.

Os termos “receita” e “lucro” são distintos. O conceito jurídico e econômico de “lucro” não permite tão elástica divagação interpretativa, ainda que se considere estar contido, de certa forma, no conceito de “receita”. “Lucro” não é acessório de “receita” e nem tampouco “lucro” é menos que a “receita”. São conceitos absolutamente diversos, conforme o precedente do STJ - REsp: 1152749 , Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, data de publicação: DJe 01/07/2010.

Receita é a entrada monetária que ocorre em uma entidade em geral sob a forma de dinheiro ou de créditos representativos de direitos. Trata-se de um sinônimo de faturamento.

Noutro extremo, lucro é o retorno positivo distribuído entre empreendedores e/ou investidores. Na teoria neoclássica econômica representa a diferença entre a receita total e todos os custos. Em apertada síntese, receita menos custos resulta no montante disponível para distribuição na forma de lucro.

Realizada esta distinção, como exposto acima, não há impeditivo legal que uma organização sem finalidade econômica tenha receita e resultado ainda superavitário, inclusive porque é deste superávit que ela possuirá fundos para suas atividades. A vedação para essas entidades é distribuir o resultado positivo entre diretores ou associados, pois neste momento caracteriza-se lucro. No mesmo passo, é vedado repartir dividendos, bonificações e assemelhados por seus associados ou diretores ou mesmo a obtenção de benefícios ou vantagens pessoais.

Inclusive a preocupação com a vedação de distribuição de lucro em face a problemática da justa remuneração do trabalho dos dirigentes foi tratada pelo inciso V, art. 4º, da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre as organizações sociais; e, pelo inciso VI, art. 4º, Leis nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP’s. Ambas criaram a possibilidade de pagamento de salários para os diretores em razão da vedação de distribuição de superávit para os dirigentes.

Em suma, é legítimo a aferição de receita superavitária pelas entidades sem fins econômicos. Ressaltando que o resultado financeiro deve ser direcionado novamente para sua atividade fim. Sendo vedada a distribuição do superávit para diretores e associados.

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Sobre as autoras
Élida Graziane Pinto

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

Juliana Faria

Procuradora do Estado de Minas Gerais<br>Pós-graduada em Direito Econômico Internacional (Coimbra)<br>Advogada (UFMG) e Economista (PUCMINAS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Élida Graziane ; FARIA, Juliana. Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:: entre a ontologia e o pragmatismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4359, 8 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33186. Acesso em: 26 abr. 2024.

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