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Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:

entre a ontologia e o pragmatismo

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4. ESCOLHA DA INSTITUIÇÃO E JUSTIFICATIVA DE PREÇO

A proposição conceitual acima exposta é de relevância para a completude do processo de contratação direta, pois influenciará a “razão da escolha do fornecedor ou executante”, nos termos do inciso II, art. 26, que é elemento essencial do processo de dispensa conforme previsto no art. 26, caput.

Como demonstrado, a leitura do conceito de desenvolvimento institucional deve ser feita a partir da Constituição, com objetivo de fomentar tanto a Administração Pública contratante quanto a sociedade e para projetos, que acabam por comportar vários objetos contratuais.

Compreendida esta premissa, deverá a Contratante analisar caso a caso a idiossincrasia de cada projeto ou programa e fundamentar a escolha do futuro contratado num exercício de análise entre o objetivo demandando e a capacidade de resposta eficaz e efetiva da instituição garantir equipe suficiente, celeridade na resposta, estrutura, além da devida transparência e fiscalização documentada da execução dos serviços.

A escolha da instituição a ser contratada deverá ser realizada mediante análise da capacidade de realização do objetivo desenvolvimentista almejado que poderá ser comprovada mediante atestados de capacidade técnica ou resultados satisfatórios em contratos pretéritos com a Administração.

Por fim, cumpre analisar a “justificativa de preço”, prevista no inciso III, art. 26. Referente ao tema, cita-se o excerto do Acórdão 3516/2007 do Tribunal de Contas da União no Recurso de Reconsideração, Processo nº 005.991/2000-7 da Primeira Câmara:

[...] o preço praticado pelo setor público é apenas mais um parâmetro que deverá ser utilizado na elaboração dos orçamentos e no momento da adjudicação do objeto licitado. Entretanto, jamais poderá substituir uma pesquisa de preço mais ampla realizada junto ao mercado.

A questão do preço, que numa primeira leitura pode revelar-se singela, é de fato um tema que por si só já requer um artigo próprio tamanha a sua complexidade, principalmente, se considerarmos que tipo de mercado está se referindo a norma, formação de preços, credibilidade de pagamento, dentre outros.

Sem delongas, se o serviço a ser prestado não é algo em si, mas um meio para um objetivo desenvolvimentista é fácil perceber que a formação de preço de custo não é algo comum e facilmente encontrado em qualquer prestação de serviço. Pois, possui um valor agregado para além do usual, que reflete no preço final. Um exemplo de fácil percepção é a organização de uma palestra motivacional ou uma campanha de conscientização. Considerando que se trata de prestação de serviço diferenciada, a formação de valor para fins da fixação do preço se diferenciará da maioria dos prestados de serviço do mercado. Logo, uma mera cotação de preço, sem adentrar nos elementos qualificação do serviço e da forma de prestação, não se reveste das característica lídimas do preço a ser pago.

Este entendimento é oriundo de próprio texto legal. Note-se que o inciso III não afirma “preço de médio de mercado”, mas justificativa do preço. Uma vez que a norma requer a devida justificação do preço a intelecção é que não se trata de um preço cuja formação é ditada pela simples regras de oferta e procura do mercado; entretanto, possui valores agregados que requerem, um a um, a justificativa da sua formação.

Não obstante, em confronto com o problema da especificidade desta formação de preço, a Administração Pública também deverá adotar um tratamento isonômico e objetivo para a justificativa do preço, assim sendo, sugere-se a publicação de tabela de valores observando o disposto no artigo 115 e parágrafo único.


5. CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi trazer para os institutos do direito administrativo uma interpretação sob o pálio das luzes constitucionais e compreender que os contratos da Administração Pública vão para além da mera relação sinalagmática. Há um propósito maior, ou seja, social e, no caso, desenvolvimentista dos envolvidos e da própria sociedade.

No mesmo passo, buscou-se demonstrar a fragilidade e casuísmo do conceito de instituição e de “desenvolvimento institucional” quando revestidos de uma proposta ontológica e a priori. Com efeito, num sistema de contratação pública cuja regra é a licitação, a proposta ora defendida é a reforma da Lei de Licitações, para que se possa melhor delimitar o termo legal “desenvolvimento institucional”, que perfaz um conceito jurídico que não comporta um fechamento hermeneuticamente válido e indubitavelmente identificado com um objeto.

A opção por esta contratação direta – talvez a mais complexa e repleta de entendimentos por demais abertos e inclusive divergentes ou incompletos – inspira cautela. Não é possível a priori definir uma única resposta juridicamente correta para a contratação, sob o pálio de desenvolvimento institucional, como demonstrado. É possível mais de uma forma interpretativa sem que, necessariamente, haja uma única correta. Daí a importância da mitigação da discricionariedade por meio da revisão do texto legal neste quesito.


BIBLIOGRAFIA

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Sobre as autoras
Élida Graziane Pinto

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

Juliana Faria

Procuradora do Estado de Minas Gerais<br>Pós-graduada em Direito Econômico Internacional (Coimbra)<br>Advogada (UFMG) e Economista (PUCMINAS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Élida Graziane ; FARIA, Juliana. Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:: entre a ontologia e o pragmatismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4359, 8 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33186. Acesso em: 24 abr. 2024.

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