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A igualdade Constitucional entre empregados rurais e urbanos.

A dificuldade de adequação do empregado rural aos preceitos da CLT

24/06/2015 às 14:55

Resumo:


  • A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inicialmente excluía os trabalhadores rurais, mas a Constituição Federal de 1988 estendeu sua aplicação a eles, sem considerar as diferenças entre os setores urbano e rural.

  • O Direito do Trabalho rural é regulado pela Constituição, pela CLT e pela Lei n. 5.889/73, entre outras leis, e a igualdade entre trabalhadores urbanos e rurais é um princípio constitucional, embora na prática existam dificuldades para sua efetivação.

  • Existem peculiaridades no trabalho rural que demandam uma legislação mais específica, pois a aplicação direta das normas urbanas pode não atender adequadamente às necessidades e características do trabalho no campo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este texto analisa alguns dos problemas jurídicos enfrentados na zona rural, buscando ampliar os horizontes dos pesquisadores para essa área de tamanha relevância social.

Ao ser criada, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei número 5.452/43) excluiu os trabalhadores rurais de sua proteção, e era expressa ao mencionar que apenas os urbanos eram regidos por seus dispositivos. Contudo, visando promover a igualdade entre os dois setores, a Constituição Federal de 1988 estendeu aos rurais a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho, sem que houvesse, contudo, uma real análise das diferenças existentes entre ambos.

Este é um ensaio despretensioso, com o singelo objetivo de divulgar alguns dos problemas jurídicos enfrentados na zona rural e ampliar os horizontes dos pesquisadores para essa área de tamanha relevância social. Dessa forma, o que segue é uma breve análise acerca dos contratos individuais de trabalho estabelecidos no campo e o direito constitucional de igualdade substancial entre empregados urbanos e rurais, disposto no artigo 7º, caput, da Constituição Federal.

Atualmente, o direito do trabalho rural é regido, principalmente, pela Constituição Federal, pela Consolidação das Leis do Trabalho e pela Lei n. 5.889/73, além de outras leis esparsas. A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um importante avanço no direito do trabalho e nas relações entre empregados rurais e empregadores. Isso porque ela estabeleceu, no caput de seu artigo 7º, que os trabalhadores urbanos e rurais são iguais perante a lei, sendo sujeitos dos mesmos direitos.

Entretanto, a Lei n. 5.889/73 é bastante simplista e determina a aplicação da CLT nos casos omissos. Esta, por sua vez, é totalmente voltada para o setor urbano. Nesse contexto, a dificuldade maior de se tornar efetiva a igualdade entre o setor urbano e o rural é com relação aos contratos individuais de trabalho rural, pois a legislação não atende às necessidades impostas pelas diferenças do empregado do campo e este se vê vinculado a um contrato que muitas vezes não reflete a realidade do trabalho exercido.

Por trabalhador rural se compreendem as várias modalidades de trabalhadores do campo, tanto da agricultura como da pecuária, sob diversas formas contratuais: regime de emprego, de parceria, eventual, entre outras. A única modalidade regida pela Lei n. 5.889/73, pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelas demais normas de proteção do empregado é a de regime de emprego. As demais são regidas pelo Código Civil e pelo Estatuto da Terra.  O intuito desta pesquisa é abordar se as relações de emprego no meio rural são, atualmente, estabelecidas com os mesmos padrões de formalidade que as dos empregados urbanos.

A legislação trabalhista determina que algumas das regras comuns a empregados urbanos e rurais sejam aplicadas com certas diferenças. As principais são as referentes à hora, adicional e trabalho noturnos; ao desconto no salário pelo fornecimento de moradia, de alimentação e de adiantamentos salariais; e à redução da jornada de trabalho durante o gozo do aviso prévio.

 Para o rural, a hora noturna é de 60 minutos e o adicional noturno mínimo é de 25%, enquanto a hora noturna do empregado urbano é de 52 minutos e o adicional noturno mínimo é de 20%. Para o empregado rural da lavoura, trabalho noturno é considerado aquele realizado das 21 horas às 5 horas e da pecuária, entre as 20 horas e as 4 horas, enquanto para o urbano, é aquele realizado entre as 22 horas e 5 horas do dia seguinte.

No emprego rural, permite-se até 20% de desconto pelo fornecimento de moradia e até 25% pelo fornecimento de alimentação e adiantamentos salariais, já no emprego urbano é permitido até 25% de desconto no salário pelo fornecimento de moradia e até 20% pelo fornecimento de alimentação e adiantamentos salariais. O rurícola tem direito a apenas um dia por semana de folga, durante o gozo do aviso prévio, o empregado urbano tem direito a redução de duas horas por dia da jornada de trabalho, ou a folga de uma semana corrida.

Segundo Thereza Christina Nahas, a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho também nas relações trabalhistas da área rural se deve ao fato de que além de não existir mais distinção entre empregado urbano e rural, a Lei n. 5.452/43 é norma comum, aplicável a todas as lacunas das leis especiais.

Além da Constituição Federal e da Lei n. 5.889/73, aplicam-se ao trabalhador rural todos os artigos da CLT que não contrariarem a Constituição ou a Lei n. 5.889/73; a Lei n. 605/49, que regulamenta o repouso semanal remunerado, as Leis n. 8.212 e 8.213/91, que instituem o custeio e os benefícios previdenciários; a Lei n. 8.036/90, que institui o FGTS; a Lei n. 4.090/63, que disciplina o 13º salário; a Lei n. 7.998/90, que trata do seguro-desemprego, entre outras. Aplica-se também a Lei n. 11.718/2008, a qual instituiu o contrato rural de curta duração e assegurou o registro em carteira e os direitos trabalhistas proporcionais ao tempo trabalhado.

A Constituição Federal deixa explícita a preocupação do constituinte com o trabalhador rural em diversos dispositivos, ficando clara a intenção de que a igualdade estabelecida no artigo 7º seja realizada de maneira efetiva e não apenas como um formalismo teórico.

O texto constitucional contém preceitos importantes que demonstram o objetivo do constituinte em buscar essa igualdade substancial. É válido frisar que embora a Constituição vede a discriminação, esta não pode ser confundida com diferenciação, a qual, muitas vezes, é necessária justamente para se aplicar a igualdade substancial.

Assim, não basta que a Constituição Federal vede qualquer tipo de discriminação, ela deve prezar para que tal não ocorra também de maneira indireta. Dessa forma, algumas diferenciações podem se mostrar necessárias para que os trabalhadores rurais tenham, de fato, todos os direitos estabelecidos pela Carta Magna assegurados em seus contratos de trabalho.

Embora os trabalhadores rurais estejam sob o abrigo de lei especial (Lei n. 5.889/73), a principal reguladora das relações de emprego no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho, é totalmente voltada para o setor urbano.

Nesse contexto, pertinente a afirmação de Manoel José dos Santos, quando diz que “historicamente, o trabalhador rural assalariado foi mantido totalmente à parte da nossa legislação social.” Tal declaração corrobora a idéia de que com os empregados rurais a tendência histórica brasileira de exclusão não foi diferente.

No período em que a Consolidação das Leis do Trabalho foi concebida, as lideranças agrárias tinham uma força política muito grande e conseguiam prender o governo aos seus interesses, o que impedia o campo de sair do “limbo justrabalhista” em que se achava, já que relegado pelo Decreto-lei n. 5.452/43.

Contudo, apesar de o Decreto-lei n. 5.452/43 ter disposto que não seria aplicado aos trabalhadores rurais, pois seus preceitos foram concebidos para o estilo de trabalho urbano, como bem disse Francisco Gerson M. de Lima, “veio a Constituição de 1988 e jogou os rurais no colo da CLT, como se o chão da fábrica fosse igual aos campos, cerrados, montanhas, lagos, estábulos e pastagens do setor rural. O resultado disso é a incompreensão dos órgãos fiscalizadores, também concebidos e treinados no e para o setor urbano (sic).” Além disso, essa incorporação forçada e despreparada das regras da Consolidação das Leis do Trabalho aos trabalhadores rurais, também resultou na má aplicação do direito trabalhista no setor.

É lógico que uma lei criada com o intuito de regular o trabalho urbano não será suficientemente adequada para preencher as lacunas de lei especial, criada para os trabalhadores rurais. O fato, é que as leis em vigor ignoram todas as características do processo produtivo existente na atividade rural. É necessária uma ampla mudança na legislação trabalhista brasileira, ainda hoje voltada exclusivamente para a realidade dos centros urbanos do país.

A Constituição Federal de 1988, além de constitucionalizar os direitos dos trabalhadores rurais, acresceu a estes também as garantias referentes ao direito coletivo de trabalho, por meio do parágrafo único do art. 8º. A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores tem sido técnica e impõe sérios obstáculos a qualquer tentativa de precarização das condições de trabalho dos rurais, porém, tem sido de difícil aplicação prática na realidade do campo.

Atualmente, a sociedade é divida em dois mundos: o urbano e o rural. No entanto, na visão da maioria dos civilistas, o mundo rural não passa de uma realidade natural, não sendo considerado como uma realidade jurídica. Assim, a proteção jurídica dos interesses rurais acaba ocorrendo apenas em consequência do desenvolvimento da proteção aos trabalhadores urbanos. Não se vê interesse em realizar uma criação jurídica original para os rurícolas.

Augusto Ribeiro Garcia faz observação pertinente quanto a essa problemática:

[...] As atuais normas regulamentadoras do trabalho rural estão caminhando para um verdadeiro desalinho. O que se nota é que o poder público está persistindo na visão urbanista de que nos referimos no início deste trabalho. Estão cada vez mais sendo impostas normas de natureza nitidamente urbanas para serem cumpridas no meio rural. Essa equiparação é impossível, quando se sabe que as realidades desses dois mundos são totalmente diferentes. O meio rural tem as suas peculiaridades próprias, que não se coadunam com as do meio urbano.

Na época inicial de criação da legislação trabalhista o trabalhador rural foi mantido à parte, não obteve suas próprias conquistas e se posicionou à sombra daquelas adquiridas pelos empregados urbanos, o que decorreu dos diversos motivos já explanados no primeiro capítulo deste trabalho.

Ocorre que, infelizmente, isso permanece ainda nos dias atuais, ou seja, o empregado rural está sempre em segundo plano e os problemas enfrentados em suas relações para com os patrões solucionados com base no que foi previamente estabelecido nas relações de emprego dos empregados citadinos.

É evidente que a equiparação entre os trabalhadores urbanos e rurais possui aspectos positivos, mas, se por um lado, estendeu aos rurais os direitos constitucionais, pacificando discussões quanto à essa questão, por outro, o fez de modo muito genérico, não observando peculiaridades importantes do trabalho rural que poderiam facilitar a aplicação da lei. Como consequência, os órgãos responsáveis se deparam com imensa dificuldade em fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas no campo.

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Os únicos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho que mencionam expressamente os empregados rurais são os seguintes: art. 13, refere a obrigatoriedade da Carteira de Trabalho e Previdência Social para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural; art. 76, estabelece o pagamento de salário mínimo também ao trabalhador rural; e art. 505, determina aplicabilidade dos dispositivos constantes nos Capítulos I, II e VI do Título IV da Consolidação, determinação esta que ficou prejudicada com a promulgação da Constituição Federal, que ordenou a aplicação de toda a CLT aos rurais.

Se tal apontamento não é suficiente para demonstrar quão excluído o trabalhador rural está das normas da Consolidação, há que ser realizada nova análise. O Capítulo II se refere à duração do trabalho e o art. 57 determina a aplicação do ali disposto a todas as atividades, salvo àquelas constantes no Capítulo I do Título III, devido a suas peculiaridades.

Assim, considerando o disposto na Consolidação, entre as atividades consideradas passíveis de jornada de trabalho diferenciada estão a de bancário, a de empregados no serviço de telefonia, telegrafia submarina e subfluvial, radiotelegrafia e radiotelefonia, a de operadores cinematográficos, a de serviço ferroviário, a de equipagens das embarcações da marinha mercante nacional, a dos serviços frigoríficos, a do trabalho em minas de subsolo, a de jornalistas, de professores e de químicos. Atividades predominantemente urbanas.

Nenhuma das atividades rurais se encontra entre as exceções referidas, assim, a duração de trabalho predominante é a de oito horas por dia, estipulada no art. 5º do Decreto 73.626/74, o qual regulamenta a Lei n. 5.889/73, bem como no art. da Consolidação das Leis do Trabalho e no art. 7º, XIII, da Constituição Federal.

O que infere estranhamento é que a Lei 5.889/73 não tenha realizado qualquer apontamento nesse sentido, tendo em vista as peculiaridades existentes em cada atividade, o que demonstra a ausência de comprometimento do legislador em atender as necessidades do trabalho no campo.

Criada para instituir normas reguladoras do trabalho rural, a Lei n. 5.889/73, atualmente em vigor, possui apenas 21 artigos, os quais não se mostram eficientes para, sozinhos, oferecerem uma completa e pormenorizada regulação do trabalho rural. Ocorre que a lei é demasiadamente simplista, não abarcando as inúmeras peculiaridades existentes no labor do campo, como a sazonalidade, as questões climáticas, a necessidade de trabalho em períodos muito diferentes, como a ordenha de vacas de leite, que necessita ser realizada, inexoravelmente, duas vezes ao dia, normalmente às 5 horas da manhã e às 6 da tarde.

O que se critica aqui não é em hipótese alguma a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho aos empregados rurais, mas a inexistência de uma regulação mais específica que abranja mais os problemas enfrentados pelos rurais, afinal, muitas vezes é difícil para os empregadores se adequarem a todas as regras existentes, pois algumas delas se tornam de aplicação quase inviável, ou extremamente onerosa aos homens do campo.

Tanto a Lei 5.889/73 como o Decreto 73.626/74, não estabelecem quase nenhum tipo de regulamentação referente aos contratos de emprego para a agricultura e menos ainda aos contratos na área da pecuária. As regras inseridas na Constituição Federal devem ser aplicadas em sua totalidade, afinal, é a lei maior, contudo, ela própria dispõe que podem existir outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores.

Portanto, seria de grande utilidade um regramento que estabelecesse uma pormenorização maior ao trabalho rural. Afinal, além do trabalho no campo ser bastante diverso de qualquer um desenvolvido nos centros urbanos, cada uma das atividades rurais é diferente.

Assim, é difícil que uma mesma lei consiga ser suficiente para regular o trabalho de plantio e colheita de soja e ao mesmo tempo a produção de gado de corte, por exemplo. O que se conclui é que o caminho a ser percorrido para que se conquiste as alterações necessárias para adaptar a legislação ao trabalho exercido na área rural ainda é bastante longo e depende da integração de forças de todos os envolvidos.


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Sobre o autor
Júlia Dias Ottoni

Graduada em Direito pela Universidade de Passo Fundo - UPF, em 2012. Advogada inscrita na OAB/RS nº 84.831, é pós-graduada em Advocacia Trabalhista, pela instituição Luis Flávio Gomes - LFG e sócia-proprietária do JC Escritório de Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OTTONI, Júlia Dias. A igualdade Constitucional entre empregados rurais e urbanos.: A dificuldade de adequação do empregado rural aos preceitos da CLT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4375, 24 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33356. Acesso em: 22 dez. 2024.

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