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Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

25/06/2015 às 13:38
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Este texto estuda o crime de fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, levando em conta o tratamento que a doutrina dá ao caso.

No crime previsto no artigo 171, § 2º, V, do Código Penal o objeto jurídico é o patrimônio do segurador.

Dispõe a lei tipo penal onde se expõe o interesse patrimonial de segurador: 

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro.

Três são as ações alternativamente previstas: a) destruir (total ou parcialmente) ou ocupar coisa própria; b) lesar o próprio corpo ou saúde; c) agravar as consequências da lesão ou da doença.

Não há crime se inexistir contrato de seguro válido. Mas é indiferente que o beneficiado pelo seguro seja o próprio agente ou pessoa diversa(seguro a favor de terceiro), desde que o agente venha a participar da vantagem ilícita.

Revelam Celso Delmanto e outros(Código penal comentado, 6ª edição, pág. 407) que é imprescindível que o dano seja idôneo para o recebimento da indenização ou valor do seguro, pois, caso contrário, haverá um crime impossível. É indiferente que o beneficiário da indenização ou do seguro seja o próprio agente ou terceira pessoa.

O sujeito ativo é o segurado(crime próprio) e o sujeito passivo o segurador.

Discute-se se estará caracterizado o crime quando o agente não for o beneficiário. Afirmativamente, pronunciou-se Damásio de Jesus(Direito penal, volume II, 4ª edição, pág.453). Para Magalhães Noronha(Direito penal, volume II, 2ª edição,  pág. 425) parece mais aceitável entender que a lei se refere ao proveito próprio, examinando a expressão “intuito de haver”, se for de terceiro o proveito, quando ocorrerá o estelionato comum, previsto no artigo 171 do Código Penal.

O dolo específico é o elemento subjetivo do tipo, exigindo-se um especial fim de agir com o intuito de haver a indenização ou valor do seguro.

Para Celso Delmanto e outros (obra citada, pág. 407),trata-se de crime formal, de perigo, que não requer a ocorrência do efetivo dano ou prejuízo da vítima. Para Magalhães Noronha (Direito penal, volume II, 1976, pág. 424) o delito se consuma com sua ação física: a destruição total ou parcial, ou a ocultação da coisa própria; e, na outra hipótese, a lesão do próprio corpo ou da saúde; e, ainda, a agravação das consequências do ferimento ou da doença. Para Magalhães Noronha(obra citada, pág. 424) é perfeitamente configurável a tentativa. Disse ele que o crime consiste, em uma das hipóteses, na danificação de coisa, e  o dano admite a tentativa, pois é um crime material suscetível de fracionamento. Isso porque o agravar as consequências de lesão ou doença exigirá muitas vezes uma série de atos até que se produza o evento buscado pelos delinquentes e que irá proporcionar a vantagem indevida. Para Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 402) é perfeitamente configurável a tentativa. Por sua vez, Mirabete(Manual de direito penal, volume II, 25ª edição, pág. 305) considerou que consuma-se o crime com a conduta típica(destruição, ocultação ou autolesão) desde que presente a finalidade de obtenção da vantagem ilícita, tratando-se de crime formal, de consumação antecipada, não havendo necessidade de obtenção do proveito ilícito, do que se afasta dos outros crimes presentes no artigo 171 do Código Penal. Nesse entendimento, o recebimento do seguro é mero exaurimento do delito, embora Nelson Hungria entendesse que, havendo aquele, caracteriza-se o delito do caput(Comentários ao código penal, volume VII, 5ª edição,  pág. 244 – 245).

O crime é próprio, mas é possível a coautoria ou participação. Isso não significa que não pode outro destruir, danificar ou ocultar a coisa segurada, mas é necessário que o dono seja o mandante, como ensinou Magalhães Noronha (Direito penal, volume II, 1976, pág. 420), ou que, de qualquer modo, também seja o autor do delito. Pode terceira pessoa ter interesse no perecimento da coisa segurada, que então a beneficiará, porém, se agiu sem a participação do dono, poderá praticar outro crime e não o do artigo 171, § 2º,  inciso V, do Código Penal. Na hipótese de autolesão, para ser sujeito ativo é preciso que, estando segurada, a pessoa lese o próprio corpo, com o que obterá indenização ou valor do seguro. No caso do autor dos ferimentos, responderá, também, por lesões corporais em concurso formal. Caso a lesão ou o dano sejam praticados à revelia do beneficiário, porém, entende-se que não haverá o crime em tela, mas o de lesões corporais ou dano e, se o ato levar à locupletação ilícita de alguém, o crime de estelionato descrito no caput do artigo 171, ainda em concurso formal.

O crime pressupõe a existência de um contrato de seguro. A ação física consiste em produzir o evento, a realização do risco estipulado no contrato, em virtude do que receberá indevidamente a indenização. Toda apólice deve mencionar o risco, o valor do objeto segurado, o prêmio do seguro além de outras circunstâncias que vierem a ser convencionadas.

A primeira ação física descrita no tipo penal é a destruição total ou parcial da coisa própria, que pode ser bem imóvel ou móvel, apreciável corporalmente e ainda coisas imateriais como os créditos. A destruição de bem alheio, segurado a favor do agente, não concretizará o crime quando poderá haver um crime de estelionato(artigo 171 do Código Penal), uma vez que haja prejuízo ou dano efetivo para a vítima.

A lesão ao próprio corpo compreende não só o dano à integridade anatômica da pessoa como ainda a ofensa às funções normais do corpo ou do organismo.

A lesão à saúde envolve a perturbação à harmonia funcional do organismo, fisiológica ou psíquica.

Pode haver o tipo penal quando o agente agrava as consequências da lesão ou da doença.

O objeto material do crime, na linha de Angelotti e de Magalhães Noronha(obra citada, pág. 423), é o preço do seguro pago.

Questão de difícil solução envolve o concurso de crimes.

Para Bento de Faria (Código penal comentado, 4º volume, pág. 196) “se o meio escolhido for o incêndio, tal delito concorrerá com o aqui previsto...”. Discute-se se haverá concurso material ou ainda formal. Aliás, Basileu Garcia(Instituições de direito penal, pág. 158) opina pelo concurso formal.

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A esse respeito disse Magalhães Noronha (obra citada, pág. 425): “Não nos convencem as abalizadas opiniões. Na hipótese de alguém pôr fogo à sua própria casa, com o fito de obter indenização ou valor do seguro, expondo a perigo a vida, a integridade física ou patrimônio de outrem, não cremos poder falar-se em concurso formal de delitos, pois  que isso reduzia a punir o criminoso duas vezes pelo mesmo fato, havendo um legítimo bis in idem. Com efeito, no delito de incêndio (art.250, § 1º, I), já o legislador previu a hipótese em que existe o objetivo da vantagem pecuniária para o agente ou para outrem. É claro que esta figura contém a do art. 171, § 2º, V, já que os elementos são os mesmos, diferença apenas havendo que naquela se apresenta o perigo comum, que vem a ser a razão da pena maior. Se, portanto, alguém incendeia a própria casa, ocorrendo esse perigo, não nos parece possa ser apenado duas vezes; uma por ter destruído a própria coisa com o intuito de receber indenização, e outra por haver incendiado a própria coisa, com o fito de obter vantagem pecuniária, existindo perigo comum. Nesta hipótese, havendo concurso formal, seria o delinquente punido, no grau máximo(art. 250, § 1º), I, combinado com o art. 51, § 1º), com a pena de doze anos, mais do que o dobro da pena cominada à fraude para recebimento do seguro. O que nos parece dar, no caso, é o desaparecimento do delito do art. 171, § 2º, V, contido integralmente na figura do art. 250, § 1º, I. Nossa opinião é inteiramente acolhida por Hungria”.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 402) se a destruição da coisa (móvel o imóvel) for praticada por meio de incêndio ou explosão, que envolvam perigo comum, o crime a identificar-se será o do artigo 250, § 1º, I, ou 251, § 2º, ficando excluída a aplicação deste dispositivo, salvo se o agente vem a receber a indenização do seguro, caso em que haverá concurso material entre o crime em exame e o de perigo comum.

Por sua vez, Mirabete(obra citada, pág. 306) vê, na ocorrência de conduta praticada por incêndio, explosão ou destruição de embarcação ou aeronave, a possibilidade do agente responder, respectivamente, apenas pelos delitos previstos nos artigos 250, § 1º, inciso I, 251, § 2º, havendo concurso aparente de normas, tipos em que se prevê como agravante especial o intuito econômico, na linha de Nelson Hungria e ainda Magalhães Noronha.

Já Celso Delmanto e outros (obra citada, pág. 407) assim dizem:  “ se o comportamento der causa a perigo comum, incêndio ou explosão, nas figuras qualificadas (artigo 250, § 1º, I, ou 251, § 2º) ou inundação ou desabamento(art. 254 ou 256 do CP, em  concurso formal com este artigo 171, § 2º, V)” .

Caso o agente pratique, para obter indenização ou valor do seguro, os delitos de inundação (artigo 254), desastre ferroviário (artigo 260, § 1º), desabamento ou desmoronamento (artigo 256), haverá concurso formal por não estar previsto nesses delitos o proveito econômico.

A fraude na obtenção de benefícios da Previdência Social deve ser enquadrada no artigo 171, § 3º, o chamado estelionato previdenciário, matéria que foi objeto de definição no artigo 155, inciso IV, da Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4376, 25 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33446. Acesso em: 5 nov. 2024.

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