INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo a abordagem das regras de devolução de valores aos consorciados desistentes/excluídos.
No entanto, antes mesmo de se adentrar ao tema proposto, necessário se tornam alguns esclarecimentos sobre o próprio consórcio - um negócio jurídico genuinamente brasileiro, que surgiu aqui há cerca de cinco décadas.
Não há dúvida que, para o direito, ainda é um negócio jurídico bastante jovem e que, talvez por isso, ainda não despertou o interesse de muitos juristas para sobre ele discorrer.
Em decorrência dessa lacuna doutrinária e, pior, durante muito tempo também legislativa, a interpretação, muitas vezes equivocada, ficou apenas a cargo da jurisprudência.
Como se verá adiante, trata-se de contrato dos mais complexos, quando visto pelo campo jurídico e, ao mesmo tempo, se mostra extremamente simples quando entendida sua mecânica, sua operacionalização.
De todo modo, a verdade é que o consórcio indiscutivelmente “caiu nas graças do povo” brasileiro e, atualmente, seria temerário dizer que o consórcio tem como público alvo apenas as pessoas de baixa renda, como se afirmava no passado e, equivocadamente, invariavelmente ainda se ouve.
E mais. Deixou há muito de ser destinado apenas às pessoas naturais, passando, grande parte dos produtos, a serem adquiridos por pessoas jurídicas, como é o caso de caminhões e ônibus para empresas de transportes, veículos para frotistas ou locadoras, imóveis para estabelecimentos empresariais, entre outros.
Outro fator que desperta grande interesse para esse tipo de negócio, talvez o mais importante, é indiscutivelmente o menor custo financeiro em relação a outras formas de aquisição de bens, como por exemplo, o financiamento bancário, aliado à possibilidade de programação para a aquisição do bem desejado ao longo do tempo.
Enfim, trata-se o consórcio de um negócio jurídico que atende, em todos os termos, a sociedade pós-moderna em que vivemos, ou seja, aquela que, mesmo ávida para o consumo, consegue programar a aquisição de bens com responsabilidade, seja no prazo ou no orçamento financeiro de que dispõe e, acima de tudo, com um custo financeiro menor.
1 - EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Há relatos que o consórcio surgiu no Brasil, informalmente, no início dos anos 60, com o objetivo de atender às necessidades de consumo da época, eis que ausentes outros mecanismos de financiamento para aquisição de bens de forma parcelada.
Afirma-se que, de início, reuniram-se cerca de 200 pessoas, todos funcionários do Banco do Brasil, os quais formaram um grupo para, mediante o pagamento de uma parcela mensal, fosse possível que, todos os meses, se arrecadasse o suficiente para a aquisição e entrega, mediante sorteio, de automóveis aos participantes, de modo que, ao final, todos teriam adquirido os bens.
Esse modelo de “autofinanciamento” ganhou força, tanto que já no final da década de 60, afirma-se que uma montadora já contabilizava cerca de 55.000 participantes.
Evidentemente que esse crescimento, aliado às possíveis discussões jurídicas surgidas, obrigou o Estado a se voltar para aquele novo sistema que surgia, vindo então, de forma isolada, a primeira regulamentação do setor, através da Resolução nº 67/1967 do Banco Central do Brasil, determinando às empresas que mantivessem os recursos dos grupos em contas bancárias claramente identificadas, permitindo que as movimentações (saques) ficassem restritas à aquisição de bens para serem entregues aos consorciados.
Desde então o setor passou a sofrer forte intervencionismo Estatal, o que talvez fosse natural pelo regime político da época e pelas sucessivas crises financeiras que assolavam o país.
Em 1971, em meio ao regime militar, foi promulgada a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que tratou de todas as modalidades de distribuição de prêmios mediante sorteios, vale-brindes ou concursos, estabelecendo ainda normas de proteção à economia popular, inclusive sobre as operações de consórcio. Observe-se, pois, que a legislação não era específica para o sistema de consórcio.
Dita lei foi regulamentada pelo Decreto nº 70.951, de 08 de agosto de 1972, atribuindo ao Ministério da Fazenda, através da Secretaria da Receita Federal, a competência para fixar os limites de prazos e de participantes, de capital social e de percentagens máximas a título de despesas de administração. Mais ainda, coube também àquele órgão a concessão prévia de autorização de funcionamento das empresas administradoras de consórcios. Ou seja, nenhuma dúvida de que o Estado definitivamente punha as “mãos” sobre o segmento de consórcios, com todo o autoritarismo que lhe era peculiar.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, o consórcio ganhou destaque ao ser inserido no art. 22, inciso XX, passando a ser reconhecido como forma de financiamento, cabendo à União legislar a respeito.
A partir de então, o Ministério da Fazenda passou a editar normas, através de Portarias, merecendo ênfase a Portaria nº 190, de 27 de outubro de 1989, que sem dúvida é a primeira grande referência jurídica para o consórcio, pois trouxe conceitos, mecanismos de funcionamento, regras a serem obedecidas, limites de cotas a serem comercializadas por empresas, limite de capital social mínimo para funcionamento das empresas.
Em 1991, sobreveio a Lei n° 8.177/91, que em seu artigo 33, assim preceituou:
“Art. 33. A partir de 1º de maio de 1.991, são transferidas ao Banco Central do Brasil as atribuições previstas nos artigos 7º e 8º da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1.971, no que se refere às operações conhecidas como consórcio, fundo de mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza”.
Ou seja, a transferência da competência então atribuída ao Ministério da Fazenda para o Banco Central do Brasil foi completa, integral, sendo que nenhum resquício de poder permaneceu com o primeiro. Com isto, as normas então existentes cederiam lugar à regulamentação que estaria por vir. Àquela entidade autárquica caberia, como de fato coube, reger as operações de consórcio por meio de seus atos normativos, estes denominados Circulares.
E os novos regramentos evidentemente obedeceriam aos preceitos constitucionais da Carta de 1988, contemplando a liberdade individual, a liberdade de contratação, a livre concorrência, o direito de propriedade, entre outros. Era mostra de novos tempos.
Mais adiante, evoluiu-se na questão da proteção ao consumidor, com a chegada do Código de Defesa do Consumidor em 1990 (que entrou em vigor em 1991), obrigando o setor de consórcio às novas e indispensáveis adequações. Mais recentemente, alterou-se o Código Civil, que claramente carecia de modificações em decorrência da natural mudança social.
Enfim, somente em 2008, o setor de consórcios, mais amadurecido e profissionalizado após ter ultrapassado obstáculos que à primeira vista pareciam intransponíveis, como o forte intervencionismo estatal, o regime militar, os altos índices inflacionários e os sucessivos pacotes econômicos, passou a ser regulado integralmente por lei ordinária federal, - a Lei nº 11.795, de 08 de outubro de 2008, que entrou em vigor em fevereiro do ano seguinte.
2 – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O contrato de consórcio pode ser conceituado como sendo o negócio jurídico pelo qual se dá a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.
Essa, aliás, é a definição dada pela Lei nº 11.795, de 08 de outubro de 2008, em seu artigo 2º.[1]
Mas, importante lembrar, essa definição não é nova. De certa forma, o legislador se utilizou da mesma definição contida em atos normativos anteriormente baixados pelos órgãos normatizadores e fiscalizadores do sistema de consórcio – o Ministério da Fazenda através da Secretaria da Receita Federal e mais atualmente o Banco Central do Brasil.
Isso porque, a Portaria MF nº 190, de 27 de outubro de 1989, já trazia a definição do consórcio como “a união de pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento”. Observe-se que por essa definição, somente bens móveis duráveis eram possíveis de serem objetos do contrato de consórcio, o que foi alterado nos anos seguintes, para atingir outros bens, atendendo claramente a demanda de mercado.
Posteriormente, com a competência da normatização e fiscalização dos consórcios transferida para o Banco Central do Brasil (Lei nº 8.177/91, art. 33), este editou a Circular 2.766, de 03 de julho de 1997, que instituiu o Regulamento disciplinando a constituição e o funcionamento em grupos de consórcio. Dito regulamento, em seu artigo 1º, trouxe o seguinte conceito: “Consórcio é uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em grupo fechado, promovida pela administradora, com a finalidade de propiciar a seus integrantes a aquisição de bem, conjunto de bens ou serviço turístico por meio de autofinanciamento”. Ressalte-se que, nesse momento – 1997 – já dava início a clamada desregulamentação do setor, de forma ainda bastante tímida, é verdade.
Doutrinariamente, pouco se encontra a respeito, o que causa certa estranheza, pois se trata de um negocio jurídico bastante popular e porque não dizer até imprescindível para os brasileiros, eis que propicia, de forma programada, a aquisição de bens de consumo, além de já representar uma parcela significativa da economia. Mas, talvez esse “descaso” se dê também pelo fato de até 2008, de contrato atípico se tratar.
Mas ainda assim, podemos citar:
“Enquanto contrato, o consórcio define-se como o negócio pelo qual uma das partes (administradora), presta determinados serviços às outras (consorciados), destinados a viabilizarem a aquisição por cada um dos consorciados, unidos em regime de mutualidade, de bem móvel, imóvel ou serviços”.[2]
"Fenômeno bastante recente é a formação de agrupamento de pessoas, que se reúnem para a constituição de um capital determinado, com vistas à aquisição de idêntica espécie de bens, em uma quantidade equivalente ao número de integrantes do grupo. No decurso do prazo de duração, todas contribuem com valores que, somados, são suficientes para a aquisição de um ou mais bens, os quais serão sorteados em épocas determinadas, entre os participantes.
Esta forma associativa de se constituir um determinado capital é conhecida como consórcio ou fundo mútuo, outra coisa não visando senão a um autofinanciamento com vistas à aquisição de um bem para cada associado, pelo sistema combinado de sorteio e de lances".
“Consórcio é o contrato pelo qual a administradora do consórcio insere o consorciado aderente em um dos grupos sem personalidade jurídica por ela mantidos, para percepção de bens duráveis ou não duráveis, durante o prazo de sua existência, mediante o pagamento mensal dos sujeitos que os integram”.[3]
Quanto à classificação é: oneroso, plurilateral, coletivo quanto aos interesses, consensual, comutativo, de execução sucessiva ou de trato sucessivo, formal, de adesão ou por adesão, típico e de consumo.
3 - A LEI Nº 11.795/2008 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A Lei nº 11.795, de 08 de outubro de 2008, que dispõe sobre o sistema de consórcio, entrou em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.[4]
Embora promulgada com alguns vetos, a sua estrutura não restou comprometida e o legislador, em 08 (oito) capítulos encerrados em 49 artigos, tratou de sistematizar o consórcio, por completo. Aliás, o fez se utilizando integralmente dos normativos anteriores, baixados pelos órgãos competentes, significando dizer que o segmento já era sólido.
Partiu então o legislador já no capítulo I por definir conceitos (o que não é muito comum na técnica legislativa), e, nesse ponto, o fez para conceituar o próprio sistema de consórcios (art. 1º), o contrato de consórcio (art. 2º), o grupo (art. 3º) e por fim o consorciado (art. 4º).
Deixou claro também que a administração de grupos de consórcios dar-se-á por empresa prestadora de serviços, que terá como objeto social principal a administração de grupos e poderá ser constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima (art. 5º). Veja que aqui houve um grande avanço, uma vez que o legislador passou a admitir que a empresa administradora não tenha exclusivamente como objeto social a administração de consórcio, mas sim que este seja o principal, de modo que claramente passou a admitir, ainda que de forma secundária, outros objetos (Ex. prestação de serviços a terceiros mediante a venda e colocação de cotas de outras administradoras de consórcio, administração de grupos de outras administradoras de consórcio e a realização de cadastro, pesquisas e consultoria a outras administradoras de consórcio). É bem verdade que esses objetos secundários devem manter alguma relação com o objeto principal, ou seja, não se trata de uma liberdade total das administradoras. Mas, ainda sim se diz que houve avanço nesse ponto, pelo fato de até então estarem as administradoras obrigadas à exclusividade de objeto social – a administração de consórcios. Quanto à espécie de sociedade, indiscutivelmente deverá ser empresária (art. 982 CC), constituída na forma de sociedade limitada ou anônima, conforme determina o artigo 5º da Lei nº 11.795/2008, sendo certo ainda que, para exercer a atividade de administração de consórcios, deverá ser devidamente estruturada e ainda dependente de autorização do poder público (art. 7º, I da lei acima mencionada).
No § 1º do artigo 5º, o legislador menciona que a administradora figurará no contrato na qualidade de gestora dos negócios dos grupos e de mandatária de seus interesses e direitos. A indagação que se faz é se não são conflitantes as figuras de gestora e mandatária. Quer me parecer que a administradora será sempre mandatária, até porque, a gestão de negócios, prevista no artigo 861 e seguintes do Código Civil, de contrato não se trata, pois é negócio jurídico unilateral; não bastasse isso, o gestor age espontaneamente, sem outorga de poderes, o que não é o caso do contrato de consórcio, em que o consorciado expressamente contrata a administradora, justamente para administrar os recursos do grupo consorcial que passou a integrar.
Pelos serviços prestados (administração do grupo), a administradora fará jus a uma remuneração, que o legislador denominou taxa de administração (art. 5º, § 3º). Muito importante frisar que o legislador não fixou, como de fato nem poderia, o limite da taxa de administração a ser cobrada pela administradora para a prestação dos serviços, isso porque, não há mais que se falar em “tabelamento” ou em limitação de ganhos; o poder público não pode interferir na iniciativa privada para impedir o livro exercício da atividade econômica; a livre concorrência é direito constitucional. Ademais, a flexibilização do sistema obedeceu à ordem econômica, que tem dentre os seus fundamentos, a livre iniciativa, garantia constitucional estampada no art. 170, inciso IV e § único da Constituição Federal. Vale frisar que a concorrência é salutar e indispensável para qualquer economia; ademais, os beneficiados da concorrência são justamente os consumidores, de modo que, qualquer desequilíbrio, antes de atingir o concorrente, atinge o próprio consumidor. Obviamente, essa liberdade de fixação da taxa de administração não chega ao ponto de permitir a abusividade,[5] que em qualquer segmento deverá ser coibida.
No § 5º do art. 5º, ao dizer que os bens adquiridos pela administradora em nome do grupo, inclusive seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o seu patrimônio, não integrando o ativo da empresa administradora, não respondendo direta ou indiretamente por qualquer obrigação da administração, não compondo o elenco de bens e direitos da administradora em caso de liquidação judicial ou extrajudicial, pretendeu o legislador criar o que se chama de “patrimônio de afetação”,[6] com o objetivo claro de segregar, separar o que é (patrimônio) da administradora e o que é (patrimônio) do grupo de consorciados. Essa afetação indica, primeiramente, a proteção aos consorciados integrantes dos grupos de consórcios, pois terão eles a segurança de que os recursos oriundos das contribuições mensais e dos respectivos rendimentos decorrentes das aplicações financeiras não serão, em hipótese alguma, atingidos por eventuais dívidas assumidas pela administradora. Mas, o inverso também é verdadeiro, ou seja, com essa segregação patrimonial, não poderá a administradora ter seu patrimônio atingido por obrigações que efetivamente são do grupo de consorciados, como por exemplo, a restituição de importâncias pagas por desistentes/excluídos. Sim, porque, se os valores por eles pagos foram creditados na conta do grupo (e não da administradora), a restituição somente poderá se dar com os recursos financeiros do próprio grupo, até porque, somente pode restituir aquele que recebeu; se é o grupo quem recebe todas as contribuições mensais dos consorciados, é dele e somente dele que deve sair, no momento oportuno, os valores para restituição daqueles que desistiram ou foram excluídos. E sendo assim, por esse patrimônio de afetação que decorre expressamente de lei, não poderá a administradora ter seus bens penhorados em eventual demanda judicial movida por consorciado que objetiva reaver os valores pagos. Evidentemente, não se está aqui pretendendo qualquer “proteção” a eventual má-administração ou desvio de finalidade, mas, ao contrário, deixar evidenciado que o legislador, ao segregar os patrimônios do grupo e da administradora, pretendeu proteger ambos, de modo a admitir que cada um responda única e exclusivamente por suas obrigações. Situação semelhante encontramos na incorporação imobiliária[7] e também nos fundos de investimentos em geral,[8] de modo que a instituição do patrimônio de afetação no consórcio não é nenhuma novidade.
Na Seção III, do Capítulo I, o legislador mostrou tratar-se o consórcio de um segmento que está sujeito ao forte intervencionismo estatal, dizendo no artigo 6º que a normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades serão realizados pelo Banco Central do Brasil, a quem compete (art. 7º), conceder autorização para funcionamento, transferência do controle societário e reorganização da sociedade e cancelar autorização para funcionar etc.
Esse intervencionismo não é inerente apenas ao consórcio, bastando lembrar que o Código Civil, ao tratar do “Direito de Empresa”, regulamentou as sociedades que, para sua constituição e funcionamento, dependem de autorização do poder público (arts. 1123 e seguintes).
Sobre o assunto, Maria Helena Diniz assim se manifesta:
“Em regra, as sociedades, para sua constituição, submetem-se ao regime de livre criação, bastando a licitude do objeto perseguido e a observância das formalidades legais. Todavia, sem embargo do livre exercício da atividade econômica (produtiva de bens, empresarial, ou não, e prestadora de serviços), em prol dos interesses do País e tendo-se em vista a soberania nacional, poderá a lei impor algumas condições ao exercício da atividade econômica no Pais, sem obstar os investimentos de capital nacional ou estrangeiro. Assim, certas sociedades, para constituir-se, adquirir personalidade jurídica ou poder funcionar dependem de prévia autorização do governo federal por serem estrangeiras, por estarem submetidas a regime jurídico especial ou por girarem com dinheiro público, cujo interesse compete ao poder governamental resguardar, averiguando sua idoneidade, seus contratos sociais ou estatutos e as garantias que ofertam àquele. Por tal razão, dependerão da autorização do governo federal: sociedades estrangeiras (CC, art. 11, § 1º; CC, arts. 1.134 a 1141); agências ou estabelecimentos de seguros (Decs.-Leis n. 2.063/40 e 73/66, art. 74); bancos e instituições financeiras (Lei n. 4.565/64, art. 18); empresas de transporte aéreo (Lei n. 7.565/86); sociedades de navegação e cabotagem marítima, fluvial ou lacustre; sociedades de transporte ferroviário; sociedades situadas em zonas de fronteira; sociedades de exploração de televisão a cabo (Lei n. 8.977/95, regulamentada pelo Dec. N. 2.206/97) e de telefonia celular (Dec. N. 2.056/96); montepio, caixas econômicas, operadoras de plano e seguro privado de assistência à saúde (Lei n. 9.656/98, art. 8º); sociedades de leasing; administradoras de consórcio (REsp. 21.404/RS, 255.999/RS); sociedades que tem por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado para os revender por contra própria (Lei n. 6.385/76, art. 15, III); sociedades que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão (Lei n. 6.385/76, art. 15, III); bolsas de valores (Lei n. 4.728/65, arts. 7º e 8º; REs. N. 39/66; Leis n. 6.385/76, art. 15, IV; e 6.404/76); as cooperativas (CC, arts. 1.093 a 1.096; Lei n. 5.764/71, arts. 17 a 21); outrora não precisavam dessa autorização, como se pode ver pelos Decs.-Leis n. 22.239/32, 581/38, 5.893/43, 6.274/44, 8.401/45, 59/66 e Dec. N. 60.597/67, salvo sindicatos profissionais e agrícolas (CLT, arts. 511; CF, art. 8º, I e II), desde que legalmente organizados. A essas sociedades, além das leis especiais, aplicar-se-ão os arts. 1.124 a 1.141 do Código Civil (CC, art. 1123, caput)”. [9] (grifei).
Também Arnaldo Rizzardo:
“O Código Civil reserva a disciplina da autorização de sociedade nacional e de sociedade estrangeira separadamente. Em primeiro lugar estão as regras próprias para a autorização de sociedades nacionais. Em capítulo seguinte, segue o estudo quanto às sociedades estrangeiras. Algumas sociedades, além do ato de constituição e do registro, necessitam de autorização do Poder Público, sendo exemplo as instituições financeiras (Lei nº 4.595, de 1964), as empresas de seguro (Decreto-Lei nº 73, de 1966), as de aviação (Lei nº 7.565, de 1986), as de planos de assistência à saúde (Lei nº 9.656, de 1988).
...
Acrescentam-se as sociedades administradoras de consórcio e as de leasing, já que atuam no setor de financiamento, havendo equivalência com a atividade bancária”.[10] (grifei)
Observe-se, portanto, que não se trata a empresa administradora de consórcio de sociedade comum, e, sim, de sociedade regida por legislação especial, cujo intuito é acautelar-se para não prejudicar o interesse de consorciados e o funcionamento daquele negócio. Almeja-se, assim, a transparência nas operações consorciais e, conseguintemente, proteção à coletividade. Daí o intervencionismo estatal autorizado por lei.
O capítulo II é destinado exclusivamente ao contrato de consórcio. Tratou o legislador, no art. 10, de conceituar o contrato de consórcio como sendo o “instrumento plurilateral” de natureza associativa cujo escopo é a constituição de fundo pecuniário para as finalidades previstas no artigo 2º da lei. Ora, certamente equivocou-se o legislador, quanto a afirmação de ser o contrato o “instrumento plurilateral”, pois obviamente contrato não é instrumento. Como já dito anteriormente, contrato é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial. O instrumento referido pelo legislador, seguramente, diz respeito à materialização do negócio, ao modo, à forma, ou seja, o negócio jurídico entabulado pelas partes – administradora e consorciado – que estará consubstanciado em um instrumento, que pode ser público ou particular; no caso do consórcio, comumente se apresenta de forma particular, inicialmente através de uma proposta de participação a grupo de consórcio e de seu regulamento.
Observe-se que o legislador buscou disciplinar inteiramente o contrato, tipificando-o.
O capítulo III, por sua vez, dividido em quatro seções, cuidou do funcionamento, da operacionalização do grupo de consórcio, desde sua constituição, das assembleias gerais ordinárias destinadas à realização das contemplações dos consorciados (sorteios e lances) e também para as necessárias prestações de contas (similares às de condomínios edilícios), do destino dos recursos financeiros do grupo e da obrigatoriedade de depósitos em instituição financeira e aplicação na forma estabelecida pelo Banco Central do Brasil e, finalmente, da exclusão do consorciado do grupo, a forma e o momento de restituição das importâncias por ele pagas.
No capítulo seguinte, o IV, o legislador tratou do encerramento do grupo, da disponibilização dos valores a serem entregues ou restituídos aos consorciados e ainda fixou o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para as pretensões do consorciado ou da administradora. Esse assunto – prescrição - será tratado mais adiante em capítulo específico.
O capítulo V foi destinado a regular os recursos não procurados após o encerramento do grupo, autorizando a administradora a cobrar taxa de permanência sobre tais valores não procurados.
Já no capítulo VI, houve a previsão do regime de administração especial ou de liquidação extrajudicial a que poderão se submeter as empresas administradoras de consórcio, situações essas que serão regidas pela Lei nº 6.024/1974, Decreto-Lei nº 2.321/1987 e Lei nº 9.447/1997. Fica claro assim que às administradoras de consórcios não se aplica a Lei de Falência e de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), porque tal lei, em seu art. 2º, inciso II, exclui expressamente. [11]
As sanções administrativas a que estão sujeitas as empresas de consórcios e também seus administradores, foram previstas no Capítulo VII, e vão desde a advertência, suspensão, regime especial de fiscalização, multa até a cassação de autorização de funcionamento.
O último capítulo – o VIII, foi dedicado às disposições finais, aqui chamando atenção para a dispensa de solenidade (entenda-se escritura pública) para o contrato de compra e venda de imóvel por meio do sistema de consórcio, que evidentemente não deixa de ser formal, pois indispensável será a forma escrita – instrumento particular. Exatamente o entendimento do Prof. Silvio de Sálvio Venosa, para quem “o contrato solene entre nós é aquele que exige escritura pública. Outros contratos exigem a forma escrita, o que os torna formais, porém não solenes”. [12]
Nunca é demais ressaltar que o legislador, ao dispensar a escritura pública (solenidade), o fez independentemente do valor do imóvel, criando assim exceção ao Código Civil que exige a solenidade para os negócios jurídicos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente (art. 108).
Feitas essas considerações, possível se torna a abordagem da restituição dos valores pagos pelos consorciados desistentes/excluídos, assunto que ainda tem sido recorrente no Judiciário, atualmente em número bem menor, é verdade.