I – Definição e Aspectos Gerais do Orçamento Púbico
A noção de orçamento público é, sem sobra de dúvidas, uma das mais importantes para o estudo do Direito Financeiro e, mais especificamente, para o desempenho da atividade financeira do Estado. É nele que estão descritas as receitas e despesas de determinada circunscrição política, referentes normalmente ao período de um ano, a fim de que o Estado tenha o domínio – quase que exato - sobre sua arrecadação e respectivos gastos necessários à consecução das necessidades públicas em geral.
Na medida em que o conceito de orçamento se mostra crucial para o entendimento global da atividade financeira desempenhada pelo Estado, ele também passou por uma importante construção até chegarmos ao seu entendimento atual.
De acordo com o conceito clássico de orçamento, este seria simplesmente a peça que contém a aprovação prévia das despesas e receitas dentro de um determinado lapso temporal. Porém, anos depois, esta definição se mostrou insuficiente, em razão de carecer do elemento representativo da vontade popular, ou seja, a necessária atuação e aprovação do Poder Legislativo, a fim de legitimar a escolha governamental realizada pelo Executivo à vontade de seus governados, representados pelos membros do Legislativo.
Neste passo, segundo os louváveis ensinamentos de Aliomar Baleeiro, o orçamento público, nos Estados democráticos, pode ser definido como sendo:
o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei. (BALEEIRO, 2010, p. 521).
Além de sua extrema relevância, o orçamento possui assento constitucional consagrado a partir do art. 165 de nossa Lei Maior, o qual prevê que a obtenção das receitas e a consequente realização de despesas decorrem de três planejamentos orçamentários: o plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei orçamentária anual (LOA). Dessa forma, esses três mecanismos devem atuar de forma conjunta e harmônica, para que possam transmitir uma maior segurança e precisão a respeito da destinação das receitas e gastos públicos.
No que tange a natureza jurídica do orçamento, surgem certas controvérsias. Parte da doutrina nacional afirma que ele não poderia ser visto como lei do ponto de vista material, pois não é genérico, tampouco abstrato, nem permanente, devido ser formulado para uma realidade específica e com destinatários pré-determinados, além de possuir período de vigência prévio, que é o lapso temporal de 1 (um) ano. No entanto, em relação ao ponto de vista formal, o orçamento possui, sem discussão, natureza de lei conferida pela própria Constituição Federal ao longo de seus diversos dispositivos.
Deste modo, para Ricardo Lobo Torres (2013), o orçamento é lei formal, que prevê receitas públicas e autoriza as despesas a serem realizadas. Em outras palavras, o orçamento público é uma lei de vigência anual, com efeito concreto e destinatários próprios, onde consta a estimação de receita e a fixação de despesas necessárias à execução das necessidades públicas, em especial dos serviços e das políticas públicas.
II – As fases do ciclo orçamentário
Para buscarmos compreender o controle e a fiscalização orçamentária brasileira, devemos analisar, precipuamente, as fases do ciclo orçamentário, que, segundo Baleeiro (2010, p. 561), são as seguintes:
1ª) proposta do Executivo, sob a supervisão política do presidente da República e assistência de seus órgãos técnicos;
2ª) discussão e aprovação dessa proposta pelo Congresso;
3ª) sanção do Presidente da República e execução por ele e pelos Ministros;
4ª) controle da execução do orçamento e parecer final sobre as contas por parte do Tribunal de Contas;
5ª) julgamento das contas pelo Congresso, que tem competência para recusá-las e submeter o Presidente e Ministros a impeachment, em caso de atentado à probidade da Administração, à lei orçamentária, e à guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.
Portanto, o orçamento se inicia com a proposta formulada pelo Executivo, passa pelo debate e aprovação do Congresso Nacional, retorna ao Executivo, na pessoa do Presidente da República, que irá sancionar e executar a proposta e, durante essa execução, o Tribunal de Contas irá exercer o controle e a fiscalização sobre a gestão pública e os gastos que constam no orçamento em comparação àqueles que estão, de fato, ocorrendo, emitindo seu parecer final sobre as contas, podendo haver, em caso de constatação de atos de improbidade, a submissão do Presidente e Ministros a impeachment pelo Congresso Nacional. Findo está, assim, o ciclo orçamentário.
Ocorre que, no decorrer das fases do orçamento público do Brasil, a atuação dos Tribunais de Contas ganha extrema relevância e merece – como assim terá – explanação em seção própria, na qual analisaremos a trajetória histórica e a sua função frente ao controle e fiscalização do orçamento.
III – A trajetória do Tribunal de Contas no Brasil
Com suas linhas traçadas desde 1840, o Tribunal de Contas brasileiro surgiu logo após a proclamação da República, através do Decreto nº 966-A, de 07 de novembro de 1890. Muitas alterações legislativas após, a Constituição de 1934 o definiu, em seus arts. 99 a 102, como sendo o “órgão de cooperação das atividades governamentais”.
A Carta Magna de 1937 o manteve. Porém, o Decreto-lei nº 426, de 12 de maio de 1938, limitou as suas atribuições fiscalizadoras. No período do Estado Novo (1937 a 1945), no qual imperou a Era Vargas, o Tribunal de Contas perdeu o seu sentido político, visto que o orçamento foi elaborado e aprovado pelo próprio Poder Executivo, sem a mínima interferência daquele.
Fato curioso, mencionado por Baleeiro (2010), é que até o advento da Constituição de 1946, o Tribunal de Contas era incluído no quadro do Ministério da Fazenda, como se fosse subordinado a ele e apresentando-o os seus primeiros relatórios. Nos anos seguintes, a partir de 1912, os relatórios passaram a ser encaminhados para o Congresso Nacional.
Após a Constituição de 1934, o Tribunal apresentou parecer prévio sobre as contas do Presidente da República e um relatório sobre o exercício financeiro, sendo “a primeira vez, após 43 anos de fundado o Tribunal, que o Legislativo se pronunciou sobre as contas presidenciais” (BALEEIRO, 2010, p. 569).
Dessa forma, com a edição do Decreto-Lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967, a estrutura e a competência do Tribunal de Contas foi restruturada e possui hoje, um novo e ampliado rol de atribuições conferido pela Constituição Federal de 1988, o qual será exposto a seguir.
IV – A atual função do Tribunal de Contas
A Carga Magna vigente, em seu art. 71, prevê que o Tribunal de Contas é um órgão auxiliar do Congresso Nacional no desempenho do controle externo do orçamento público, exercendo a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Destarte, apesar de ser chamado de “tribunal”, está longe de integrar o Judiciário e, ainda que auxilie na fiscalização e controle do orçamento, não está inserido no Executivo, encontrando-se vinculado, na realidade, ao Poder Legislativo.
Dentre as atribuições do Tribunal de Contas da União previstas nos diversos incisos do art. 71, estão: a apreciação das contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento (inciso I); o julgamento das contas dos administrados e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário público (inciso II); a realização, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II (Inciso IV); a fiscalização da aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou ao Município (inciso VI) e a aplicação aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário (inciso VIII).
De acordo com o art. 73 da CF, o TCU possui sede no Distrito Federal, sendo integrado por nove ministros, além de possuir quadro de pessoal próprio e jurisdição em todo o território nacional. Além disso, as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (art. 70, § 3º), bem como há a determinação de que o Tribunal deverá encaminhar ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades (art. 70, § 4º).
Sendo assim, o Tribunal de Contas no Brasil possui uma atuação de extrema importância e abrangência, sendo um verdadeiro instrumento de fiscalização das contas públicas e controle da atuação dos gestores. Sobre esse fundamental papel, Baleeiro destaca que:
À primeira vista, o Tribunal de Contas poderá parecer simples órgão administrativo, colegiado, com funções jurisdicionais sobre os ordenadores e pagadores de dinheiros públicos, no interesse da probidade da Administração. Mas a análise da Constituição mostra que existe algo de mais importante e profundo nesse órgão imediato da Constituição: é a sua função essencialmente política, que decorre do papel de órgão de fiscalização do Congresso. (2010, p. 570).
E ainda complementa:
O Tribunal de Contas, no Brasil, é o órgão que se manifesta, não só no interesse da moralidade administrativa, mas também no da preservação dos objetivos pretendidos pelo Congresso quando autorizou despesas e receitas. Ele controle os pagamentos do Executivo, pode impedi-los, se não forem autorizados, e dá parecer sobre o conjunto e o detalhe da execução. [...] De nada valeria a competência do Poder Legislativo para aceitar ou rejeitar o programa de Governo, autorizar ou vedar receitas e despesas, se não tivesses meios e órgãos técnicos de fiscalização da execução orçamentária. (2010, p. 561).
Desse modo, o Tribunal de Contas está alocado no centro do controle e fiscalização do orçamento público, porém, ele não é a única medida que se destina a essa finalidade e faz parte de apenas uma forma de controle, conforme trataremos a seguir.
V – O controle e a fiscalização do orçamento público
A Carta da República estabelece, a partir de seu art. 70, que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Já no dispositivo seguinte, esclarece que o controle externo, que está a cargo do Poder Legislativo, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, enumerando as competências cabíveis a este, conforme aludido em tópico anterior.
Desse modo, o papel de controlar e fiscalizar as contas públicas se bifurca na atuação de um controle externo (com ênfase à atuação do Tribunal de Contas) e de um controle interno (exercido internamente por cada Poder).
Para reforço conceitual, trazemos à baila definição dos referidos controles, nas palavras de Nilde Balcão e Ana Cláudia Teixeira (2003, p. 17):
A Constituição brasileira estabelece mecanismos para controle interno e externo das finanças e do orçamento público. O controle é interno quando exercido por um outro órgão da mesma administração ou poder público, caracterizando-se como uma autotutela permanente para a garantia da legitimidade das contas. O controle externo é, por excelência, exercido pelo Tribunal de Contas - da União, do Estado e, em alguns casos, do Município – cuja função é exatamente essa. O Ministério Público e o poder Legislativo também tem entre suas atribuições a de controlar a probidade administrativa no manejo do dinheiro público. O Poder Judiciário dispõe de mecanismos para o controle orçamentário, mas exerce esse controle apenas quando acionado.
No art. 74 da CF, há a previsão expressa de que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, um sistema de controle interno com a finalidade de: avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União (inciso I); comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (inciso II); exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União (inciso III) e apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
No mesmo dispositivo, mas em seu parágrafo primeiro, assevera-se que os responsáveis pelo controle interno, caso tomem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. No parágrafo subsequente, há a previsão de que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU.
Sendo assim, as normas constitucionais que regulam o controle e fiscalização do orçamento possuem em seu bojo o fito de harmonizar a atuação do controle externo e interno, a fim de que um auxilie o outro no exercício de suas funções e na apuração de possíveis irregularidades na prestação de contas. Por conseguinte, a Constituição também se preocupou em legitimar a participação popular no controle das contas públicas através de denúncias perante o Tribunal de Contas, em caso de irregularidades ou ilegalidades, havendo verdadeiro controle social, paralelo aos já expressos controle interno e externo.
Sobre esse ponto, as referidas autoras aduzem que “a participação da sociedade civil no planejamento, gestão e controle do orçamento público é um dos elementos centrais para garantir uma efetiva democratização da sociedade brasileira” (2003, p. 11).
Ao perfeito encontro da previsão constitucional, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) também destinou capítulo próprio para regulamentar a transparência, controle e fiscalização da gestão pública, a partir de seu art. 48, afirmando que são instrumentos da gestão fiscal: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório da Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
No que tange a prestação de contas, a LRF assevera que as contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo, incluirão, além das suas próprias, as do Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e o Chefe do Ministério Público, as quais receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas.
Em seu art. 57, elucida que os Tribunais de Contas emitirão parecer prévio conclusivo sobre as contas no prazo de sessenta dias do recebimento, salvo previsão em contrário nas constituições estaduais ou nas leis orgânicas municipais. Por fim, a mesma lei prevê que o Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas da LRF, atuando com ênfase em diversas medidas previstas nos incisos do art. 59.
Posto isto, observa-se que há toda uma sistemática legislativa destinada ao controle e fiscalização do orçamento público, com o intuito de se estabelecer um maior rigor ao cumprimento das previsões estabelecidas nas leis orçamentárias pelos gestores públicos e, em caso de violações por estes, proceder à devida aplicação da sanção cabível, a fim de preservar os princípios reguladores do orçamento público e da atividade financeira do Estado em geral, além de evitar qualquer lesão ao erário e, sobretudo, ao interesse público e coletivo.
REFERÊNCIAS
BALCÃO, Nilde; TEIXEIRA, Ana Claudia (Org.) Controle social do orçamento público. São Paulo: Instituto Pólis, 2003.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. – 17ª ed. rev. e atualizada por Hugo de Brito Machado Segundo. – Rio de Janeiro: Forense, 2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. – 19ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2013.