Em caso noticiado pela imprensa, o Juízo da 29ª Vara Criminal do Rio de Janeiro rejeitou denúncia formulada pelo Ministério Público contra o jogador ADRIANO nos seguintes termos:
“A denúncia, nos termos em que foi formulada, deve ser rejeitada, pois contém vícios insanáveis.
Embora não seja este o momento para o exame aprofundado da prova, o Código de Processo Penal, no seu art. 395, III, exige a justa causa para o exercício da ação penal. Assim, a lei estabelece que para o recebimento da denúncia é necessário lastro probatório mínimo a comprovar a imputação.
Quanto ao crime de tráfico de drogas (na forma equiparada), feita aos dois primeiros denunciados, inexistem sequer indícios da efetiva utilização das referidas motocicletas visando o tráfico de entorpecentes.
Tanto isso é verdade, que no inquérito que instrui a denúncia consta a "Informação sobre Investigação", firmada pela Inspetora da Polícia Civil arrolada como testemunha, que registrou:
"FORAM FEITAS DILIGÊNCIAS NOS SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL A FIM DE VERIFICAR O ENVOLVIMENTO DE ADRIANO NO TRÁFICO DE DROGAS NA VILA CRUZEIRO, PORÉM, NADA DE CONCRETO FOI APURADO." (fls. 158).
Quanto a MARCOS JOSÉ, consta da própria denúncia o seguinte: "IMPORTANTE FRISAR QUE O SEGUNDO DENUNCIADO É PESSOA SEM ANTECEDENTES LIGADOS AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES".
Fato é que não há nos autos do inquérito ou dos apensos, repito, um só elemento que indique que os dois denunciados consentiram que pessoas usassem as motocicletas para as atividades relacionadas ao tráfico de drogas.
Aliás, devo registrar que após a "Informação sobre Investigação" referida, datada de 09/08/2010, foi realizada a oitiva de PAULO ROGÉRIO, que estava preso em 23/02/2012 (fls. 164/166), a acareação entre ADRIANO e MARCOS, em 04/08/2014 (fls. 174/175) e a oitiva do primo de ADRIANO, em 07/08/2014 (fls. 176/178), diligências que nada acrescentaram de relevante às investigações. Em seguida, o Delegado juntou o Relatório de Inquérito (Inicial), sem que tenha havido o indiciamento dos denunciados.
Mesmo assim, sobreveio a denúncia, descrevendo a 'facilitação ao tráfico' sem qualquer conexão com as peças que a instruem. Portanto, a hipótese é de rejeição por falta de justa causa.
No que diz respeito a segunda acusação, de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei 11.343/06), também formulada contra ADRIANO e MARCOS, a denúncia é inepta.
Como visto acima, o MP, após descrever os fatos que, em tese, configuram o crime equiparado ao tráfico de entorpecentes, lançou na denúncia que "ao colaborarem para a atividade do tráfico de entorpecentes, os denunciados se associaram aos traficantes em atividade na Vila Cruzeiro, com a finalidade de facilitar o tráfico ilícito de drogas e as atividades afins."
Ora, se a "colaboração para a atividade do tráfico" constitui o crime previsto no art. 33, parágrafo 1º, III da Lei 11.343/06, como sustenta o MP, essa mesma "colaboração" não pode caracterizar o crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06), sob pena de caracterizar dupla punição pelo mesmo fato, o que constitui violação ao basilar princípio non bis in idem.
Resta, portanto, a análise da imputação do crime de falsidade ideológica, já que segundo a denúncia, "ao fazer constar no certificado de registro a propriedade da moto em nome de Marlene Pereira, os denunciados fizeram inserir declaração falsa com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante". Nessa parte a denúncia é inepta e carece de justa causa.
Primeiro, porque o MP não descreveu qual a relevância do fato cuja verdade teria seria alterada, prejudicando o exercício da ampla defesa. Ou será que o fato de "colocar uma motocicleta em nome da mãe de um suposto chefe do tráfico", POR SI SÓ, seria juridicamente revelante?
Segundo, porque também não há suporte probatório mínimo quanto à autoria desse delito, conforme os procedimentos instaurados pelo DETRAN, juntados pelo próprio MP. De acordo com o Procurador do Estado que subscreveu a promoção de fls. 82/83 do apenso VII, instaurado com relação a motocicleta registrada em nome de MARLENE, houve "extravio do procedimento administrativo" da primeira licença do veículo.
Ao que tudo indica, houve precipitação dos i. Promotores de Justiça que subscreveram a denúncia, deixando de formular adequadamente a acusação, violando a possibilidade de defesa os denunciados, além de tê-la oferecido sem indícios mínimos de autoria, como demonstrado.
Assim sendo, rejeito a denúncia, nos termos do art. 395, I e III do Código de Processo Penal.
Indefiro as medidas cautelares pretendidas.
Int.-se.”
Dois foram os vícios reconhecidos: inépcia da denúncia e falta de justa causa.
Diante do artigo 395 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, aponto as causas para rejeição da denúncia:
- Quando a denúncia for manifestadamente inepta;
- Faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
- Falta justa causa para o exercício da ação penal.
Anoto que a rejeição prevista no artigo 395, caput, corresponde aquilo que grande parcela da doutrina e da jurisprudência chamava de ¨não recebimento¨, com a finalidade de distinguir o ato de ¨rejeição¨, por razões de mérito (materiais) do indeferimento da inicial fundado em aspectos processuais (formais ou preliminares de mérito). Era o que se tinha da Súmula 60 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando se dizia: ¨da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido estrito.¨
O antigo não-recebimento – agora rejeição – sempre foi insuscetível de gerar coisa julgada material. Assim, sanado o vício, era perfeitamente possível a repropositura da demanda, tantas vezes quantas necessárias fossem. É o quese via, por exemplo, com relação a pouca atenção dada à descrição da conduta dos acusados, como a falta de menção às características que compõem a narrativa dos fatos. Era o caso, outrossim, da descrição genérica na conduta dos acusados, nos crimes societários.
A antiga rejeição – hoje, absolvição sumária – faz hoje, como antes fazia, coisa julgada material, como se dá com o julgamento antecipado do mérito (artigo 330 do Código de Processo Civil), impedindo a rediscussão dos fatos após a preclusão da sentença ou o exaurimento das vias recursais. Era o caso da atipicidade de conduta, a existência de obstáculo à ilicitude ou à culpabilidade, a extinção da punibilidade – por morte, reparação do dano, pagamento de tributo, nos crimes tributários, onde a acusação não poderia reiterar em nova demanda o pedido de condenação.
A justa causa è a necessidade de lastro mínimo para o exercício da ação, onde se exigem indícios de autoria e de materialidade, que são coligidos, geralmente de inquérito policial aberto para tanto, ou ainda um outro procedimento aberto como, por exemplo, investigação ministerial. Indícios são certas circunstâncias que permitir chegar à verificação da existência de um fato. Indício é uma circunstância certa e que se realizou ao passo que na presunção considera como realizado um fato não provado, fundando-se, entretanto, na experiência. Por um raciocínio intelectual a partir de um fato conhecido e demonstrado (indício), chega-se, por presunção, à demonstração de outro fato.
Se o crime deixar vestígios é necessário que a petição inicial se faça acompanhar de laudo pericial. Não sendo possível a sua utilização a hipótese é de apresentação de prova testemunhal.
Sustentava Afrânio Silva Jardim (Direito Processual Penal, 1999, pág. 54) que além das já conhecidas condições de ação a quarta delas seria a justa causa. Para ele, o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade em que desenvolve as suas atividades. Por essa razão, a peça acusatória deve vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem as quais a acusação careceria de admissibilidade.
Para Rogério Lauria Tucci (Teoria do Direito Processual Penal: jurisdição, ação e processo penal, 2002, pág. 95) inclui-se a justa causa entre as condições da ação uma vez que é ligada a um legitimo interesse na instauração da ação, apto a condicionar a admissibilidade do julgamento do mérito – interesse de agir.
Disse o Ministro Celso de Mello, no julgamento do HC 82.393/RJ (Informativo 317, 2003), que “o reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de liquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal.”
Sabe-se que o habeas corpus é instrumento hábil para trancar ação penal por ausência de suporte mínimo de prova (STF, HC 81.324/SP, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 23 de agosto de 2002.
Configura-se a inépcia da denúncia quando não se prestar aos fins aos quais se destina, vale dizer, não possuir a menor aptidão para concentrar, de forma concatenada, em detalhes, o conteúdo da imputação, permitindo ao réu a exata compreensão da amplitude da acusação, garantido-lhe a possibilidade de exercer o contraditório e a ampla defesa. Isso pode acontecer nas seguintes hipóteses: a descrição dos fatos ocorreu de maneira truncada, lacunosa ou em desacerto com os dados constantes no inquérito; a inserção de coautores ou partícipes inexistentes na investigação policial; a narrativa tendente a firmar um determinado tipo penal, mas cuja conclusão aponta para outro; d) a menção a elemento subjetivo calcado em dolo, porém com descrição de componentes da culpa (negligência, imperícia, imprudência); a descrição dos fatos que torna incompreensível o cerne da imputação; a descrição confusa e misturada dos fatos típicos incriminadores diversos.
Seja pela falta de justa causa (falta de interesse de agir) ou ainda inépcia da denúncia, poderá o Ministério Público, caso não entenda de recorrer, apresentar, no futuro, respeitado o prazo prescricional, nova peça acusatória, apresentando novos elementos de prova, uma vez que a decisão que rejeita a denúncia, por esses pontos, não impedirá novo pedido de julgamento do mérito.
Discute-se o recurso para combater a rejeição da denúncia.
O recurso cabível para combater a rejeição da denúncia ou queixa, como se lê do artigo 581, I, do Código de Processo Penal, é o recurso em sentido estrito, onde se pedirá ao juízo singular a retratação da decisão ou, se for o caso, exame pelo Tribunal de Justiça.