Observa-se que, na atualidade, o Direito é percebido, por muitas pessoas, leigas e não leigas, como um conjunto de leis, em sentido lato, que regem a vida em sociedade.
O Direito vai muito além deste corpo de regras reguladoras da vida entre pessoas. O Direito pode e deve ser visto como expressão dos princípios fundamentais, dos valores, dos sentimentos e das aspirações de uma sociedade, que se materializam por intermédio das normas constitucionais, infraconstitucionais, costumeiras, entre outras, redundando na pacificação, na organização e na racionalização da vida em sociedade. O Direito reflete aquilo que o povo deseja para o presente e para o futuro, não obstante, muitas vezes, ele venha a posteriori regular e corrigir os desvios ocasionados pelos avanços e pelas transformações da sociedade, a exemplo das regras que passaram a disciplinar as relações provenientes do surgimento da Internet, bem como daquelas que tipificaram novos crimes decorrentes de mudanças sociais contemporâneas.
O Direito não pode ser interpretado e aplicado pela literalidade da lei. Ao se interpretá-la ou aplicá-la, há de se ter sempre em mente o seu propósito, as razões de sua elaboração, seus fundamentos, os valores que estão sendo tutelados, o seu “espírito”, a sua correlação com a realidade fática e as especificidades do caso concreto sobre o qual recairão as disposições legais.
No estágio atual em que se encontra o nosso Direito, não mais se espera que operadores do direito adotem condutas que possam ser classificadas como “positivitas” e legalistas, nos moldes das intelecções e das ações jurídicas ocorridas na 1ª metade do século XX. Eventual constatação deve ser considerada demasiado preocupante, tendo em vista a evolução por que passou o Direito e a Filosofia nas últimas décadas, as quais consagraram a dignidade do homem com o fim último a ser alcançado e dando especial prevalência aos princípios e normas constitucionais, haja vista a filosofia pós-positivista e o modelo neoconstitucionalista vigente no Brasil e na Europa.
Importa lembrar que, subjacente a todo e qualquer processo judicial, há sempre o interesse, legítimo ou não, de um ser humano, razão que, por si só, justifica e exige, do ponto de vista moral, ético e jurídico, uma reflexão, por parte do juiz, do promotor, do advogado, do assessor, do serventuário, entre outros, mais aprofundada sobre a questão de fundo que ali se apresenta, levando-se em consideração a complexidade das relações sociais existentes, a fragilidade do homem, a sua singularidade, a multiplicidade dos fatores envolvidos, as causas, os antecedentes e a história sociais, de forma a se concretizar a solução mais justa possível para o caso.
Não se pode ignorar que o crescimento do número de demandas e, por conseguinte, de processos a serem julgados, das metas a serem alcançadas, da cobrança dos Órgãos de controle, das exigências da sociedade por tramitações processuais mais céleres, por uma rápida atuação por parte do Ministério Público e por parte dos defensores, da pronta atuação dos meios de comunicação e da afirmação e reafirmação do Princípio do pleno acesso ao judiciário dificultam sobremaneira a concretização deste “olhar jurídico”, objeto da análise em epígrafe.
Não obstante os obstáculos listados no parágrafo anterior, a proposta destas breves linhas é a de propor uma reflexão sobre a interpretação e aplicação do Direito no caso concreto, levando-se em consideração que leis estabelecidas a priori, quando aplicadas em sua literalidade a situações diversas, desconsiderando-se as peculiaridades de cada caso, pode gerar uma grande injustiça aos envolvidos.
Por fim, ressalta-se que o Direito se constrói e se desenvolve a partir de profundas reflexões sobre seus institutos, sobre suas regras, sobre seus princípios, sobre o “caminhar” da sociedade, acarretando mudanças de prioridades e de valores, sobre a análise cuidadosa de cada caso concreto, seja submetido a julgamento, seja submetido a apreciação do ministério público, seja submetido à análise de um advogado. A sociedade não pode deixar que a operação do Direito ocorra como se fosse um linha de produção e o seu objeto se torne um bem de consumo.