O direito de sigilo do doador versus o direito ao conhecimento da origem genética

As técnicas de Reprodução Assistida e os Direitos da Personalidade

18/11/2014 às 17:54
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Todos possuem o direito de constituir uma família, porém, pode-se privar alguém de conhecer os seus ascendentes, sem considerar os aspectos psicológicos da prole que, apesar de ainda não possuir um raciocínio lógico já tem seu direito subtraído.

Filiação

Todo ser humano provém de uma fecundação, que ocorre entre a união do gameta feminino (óvulos) com o gameta masculino (espermatozoide), consequentemente possui uma origem genética, independentemente de que maneira ocorreu essa fecundação, todos possuem genitores.

Como bem ilustra Silvio de Salvo Venosa, a procriação é um fato natural que ocorre por efeitos biológicos, no entanto a filiação é um fato jurídico, que atribuem direitos e obrigações.

“A procriação é, portanto, um fato natural. Sob o aspecto do Direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos [1].”

Filiação é um estado, conhecido pelo direito romano como o status familiae, considerado um traço de caráter personalíssimo à pessoa, portanto, intransmissível, irrenunciável, imprescritível, universal, indivisível, correlato e oponível[2].

O Código Civil de 1916 distinguia dos filhos entre legítimos, ilegítimos e adotivos. Eram considerados filhos legítimos aqueles que sobrevinham do casamento, portanto, aos filhos nascidos de relações extraconjugais estes não tinham qualquer amparo legal, pelo ordenamento jurídico, como bem ilustra Nelson Rosenvald:

“O tratamento era de tal discriminatório que, mesmo querendo, um homem casado não poderia reconhecer um filho oriundo de um relacionamento extraconjugal.[3]

Os filhos ilegítimos eram aqueles concebidos fora do casamento, que se classificavam em naturais e espúrios. Os naturais provinham de pessoas desimpedidas para o casamento e os espúrios quando havia impedimento normativo. Assim, aos filhos espúrios cabia a classificação de adulterinos, quando um dos genitores era casado e incestuoso quando existia um grau próximo de parentesco (Gonçalves, Carlos Roberto, 2011, p.319).

A adoção faz com que o adotante e o adotado constituam vínculos de filiação, assim, ela não possui caráter biológico mais afetivo. No entanto, estes não possuíam os mesmos direitos que os filhos naturais como, por exemplo, no direito sucessório. Atualmente, a adoção possui efeitos de ordem pessoal, ou seja, o parentesco e de ordem patrimonial, relacionados à sucessão e os alimentos.

Assim, com o advento da Constituição de 1988 em seu artigo 227, § 6º houve a igualdade dos filhos não mais existindo qualquer distinção entre eles:

“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação[4].”

Do mesmo modo, o Código Civil de 2002 em seu artigo 1.597:

“Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação[5].”

Assim, ao longo dos anos a maternidade sempre foi certa, permeando dúvidas tão somente sobre paternidade, que, no entanto, com os avanços tecnológicos, a maternidade também se tornou incerta, podendo uma mulher carregar uma gestação de um filho que não tem qualquer herança genética, as chamadas “barriga de aluguel’”.

A presunção da paternidade por muito tempo se deu apenas em aspectos genéticos, porém, atualmente pode ser por questões afetivas, como bem elucida Nelson Rosenvald:

“Sem dúvida, a prova da filiação pode decorrer da reciprocidade de tratamento afetivo entre determinadas pessoas, comportando-se como pais e filhos e se apresentando como tal aos olhos de todos.[6]

         CONCEITO E AS PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Conceito

Diante dos avanços científicos e da impossibilidade de alguns casais terem filhos de maneira natural, diversas são as técnicas apresentadas pela medicina, para que um casal possa realizar tal desejo.

Pela Organização Mundial de Saúde considera-se infértil ou estéril uma pessoa que possui uma vida sexualmente ativa, sem utilizar qualquer método contraceptivo e após um ano não consegue engravidar.[7]

A reprodução humana assistida é maneira artificial de ser unir o gameta feminino ao masculino, gerando a fecundação dando origem do ovo ou zigoto. Os métodos são o ZIFT ou GIFT.

O método ZIFT (Zibot Intra Fallopian Transfer) também conhecido como fertilização in vitro, consiste na retirada do óvulo da mulher para fecunda-lo em proveta, com sêmen do marido ou de doador. Depois da fecundação o zigoto será implantado no útero da mulher ou de doadora, seguindo a gestação normal.

Diferenciando do método GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer) que se refere à fecundação in vivo, na qual ocorrerá a inoculação do sêmen no útero da melhor, não existindo qualquer manipulação embrionária fora do útero.

Diante da lacuna jurídica, o Conselho Federal de Medicina apresenta os limites éticos aos quais os médicos devem se submeter, dentre eles se destacam a probabilidade de sucesso, a aplicação da técnica não pode selecionar qualquer característica biológica, exceto para evitar doenças ligadas ao sexo, impõe o limite de idade, o limite de embriões que devem ser implantados conforme a faixa etária, bem como a proibição da fecundação humana para qualquer outra finalidade que não seja a procriação[8].

Do mesmo modo, a Resolução autoriza o descarte dos embriões excedentários, que foram criopreservados por mais de 5 (cinco) anos, dando a estes não só uma finalidade de pesquisa.

 Técnica Homóloga

Na técnica homóloga, o material genético utilizado é do próprio casal, que por motivos de infertilidade não conseguem procriar.

Era necessário que as pessoas que se submetessem a técnica homólogo fossem casadas ou convivessem em união estável.

Atualmente, a Resolução 2013/2013 do Conselho regional de medicina autoriza que pessoas solteiras se submetam a técnica, sem que para isso possuam qualquer tipo de relacionamento, porém, ainda se faz necessário que conheçam os procedimentos aos quais serão submetidos e que autorizem de maneira expressa a coleta do material genético, em virtude da disponibilidade de partes dos seus corpos.

Para a utilização de material genético de pessoa já falecida, a Resolução 2013/2013 do Conselho Regional de Medicina determina que o falecido autorize previamente e de modo expresso a utilização do material congelado.

A inseminação post mortem é o grande desafio para o direito sucessório, tendo em vista que, estes não serão considerados herdeiros, conforme previsão no artigo 1.798 do Código Civil de 2002;

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

 Técnica Heteróloga

A técnica heteróloga é a mais polêmica, tendo em vista que nela se utiliza material genético de terceiro.

O material genético utilizado é de doador, cabe aos centros médicos o controle de possíveis doenças ou anomalias genéticas, bem como a compatibilidade de possíveis rejeições pela doadora. Não pode existir qualquer vinculo comercial, assim a única maneira é a doação[9].

Não podem ser doadores, os médicos ou qualquer pessoa da equipe médica que atue na reprodução assistida, o doador tem que apresentar a maior semelhança fenotípica com os receptores[10].

A idade limite para a doação é de 35 anos para as mulheres e 50 anos para os homens. O sigilo é obrigatório para ambas às partes, só poderá ser quebrado por motivações médicas e serão fornecidas exclusivamente ao médico, que terá que não poderá divulgar[11].

A Resolução 1.957/2010 do Conselho Regional de Medicina previa a expressa autorização dos cônjuges ou companheiros, para que a pessoa se submetesse à técnica de reprodução assistida, sendo vetada em nosso ordenamento a chamada “produção independente”. No entanto, a Resolução 2013/2013 autoriza que pessoas solteiras e que possuam um relacionamento homoafetivo se submetam a técnica, respeitando o direito de objeção do médico.

Deste modo, caberá ao médico realizar a avaliação do perfil do paciente e decidir se a técnica de reprodução assistida poderá ser feita ou não.

O médico tem a responsabilidade de explicar de maneira clara todos os procedimentos que serão realizados, desde a coleta do material genético até implantação do embrião, bem como sobre a responsabilidade com a criança que será gerada.

A coleta do material só pode ser realizada em pessoas vivas, por isso a anuência tem de ser expressa, não existindo o direito de arrependimento depois que a técnica for realizada.

O Código Civil de 2002 aborda de maneira muito limitada a filiação derivada de reprodução assistida, no caso da técnica heteróloga o ordenamento presumiu a paternidade, e a considera como concebidos na constância do casamento, conforme o texto da lei:

Art. 1.597 Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Do mesmo modo, o Enunciado 258 da Jornada de Direito Civil determina que a paternidade terá presunção absoluta se a filiação tiver origem em reprodução assistida heteróloga:

“Não cabe a ação prevista no art. 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inciso V do art.1597, cuja paternidade configura presunção absoluta.”

Todavia, essa presunção não abrange a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição, conforme o Enunciado. 257 da Jornada de Direito Civil:

“As expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial’ e “inseminação artificial, constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1597 do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição.”

 Métodos Utilizados

Diante das técnicas apresentadas, inúmeras são os métodos que o casal pode se submeter, a fecundação pode ocorrer em proveta chamada fertilização in vitro ou a inoculação do sêmen no canal vaginal, denominada fertilização in vivo.

Na fertilização in vitro o material pode ser tanto homólogo ou heterólogo, a fecundação ocorrerá em um tubo de ensaio, o tempo máximo que o embrião poderá permanecer em desenvolvimento fora do corpo humano é de 14 dias.

A mulher passa por um processo de ovulação, através do estimulo de hormônios, nos quais os óvulos irão amadurecer e posteriormente será feita uma punção vaginal para a retirada. Ao mesmo tempo é feita a coleta do sêmen, ambos os materiais genéticos coletados passam por avaliações e tratamentos. Após, óvulos e espermatozoides são colocados em contatos e incubados pelo tempo aproximado de 17 a 20 horas.

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Depois da fecundação o embrião é transferido ao útero, o número de embriões implantados dependerá da idade da receptora tendo como mínimo 2 e o máximo de 4 embriões, o que determinará o número de embriões implantados é a idade da paciente, conforme dispõe o Conselho Federal de Medicina:

“ I - Princípios Gerais:

6- O número máximo de ócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Quanto ao número de embriões a serem transferidos faz-se as seguintes recomendações: a-) mulheres com até 35 anos; até 2 embriões; b-) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c-) mulheres entre 40 e 50 anos: até 4 embriões; d-) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos óvulos.[12]

Ocorrendo a gravidez múltipla é vedada a utilização de técnicas para a redução de embriões.

 O DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR

Garantia de Sigilo

Um dos maiores desafios da reprodução assistida, utilizando a técnica heteróloga, é a garantia de sigilo dos doadores.

Diante da lacuna do ordenamento jurídico, o Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 2013/2013, de maneira expressa, determinar que os doadores assim como os receptores tenham a suas identidades sob sigilo:

IV – Doação de Gametas e Embriões;

(...) 2- Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa[13].

Do mesmo modo, determina que as clínicas tenham um controle e registros dos nascimentos para que um doador não produza mais de uma gestação de crianças do mesmo sexo em uma determinada localização, com a finalidade de se evitar, futuramente, o incesto entre irmãos e pais.

Contudo, o sigilo também sofre algumas exceções, por exemplo, em casos de condições médicas, o medico está autorizado à quebra do sigilo, porém, não pode divulgar as informações para terceiros:

IV – Doação de Gametas ou Embriões:

4- Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.[14]

O caráter sigiloso da reprodução assistida visa garantir ao doador que este não terá responsabilidades com a prole que será gerada, não existindo, portanto, um vínculo entre os envolvidos ressalvados o genético. No entanto, esse sigilo merece uma flexibilização, nos casos que envolvam interesses maiores, como menciona Nelson Rosenvald:

“Malgrado mereçam ser avalizadas as referidas palavras, observamos que o anonimato poderá, em ponderação de interesses, merecer flexibilização, em casos nos quais se justifique em nome de interesses maiores, como, e.g., na hipótese de tratamento de saúde que necessite, entendemos possível quebrar o sigilo, através de decisão judicial.[15]

Assim, Silvio de Salvo Venosa ressalta um ponto importante para que diante de tanta inconstância, o número de doadores não venha diminuir tornando inviável a reprodução assistida:

“A situação é tormentosa, exigindo posição do legislador, mormente no tocante às implicações de direito hereditário, sob pena de ser dificultada a doação de esperma por terceiros, inviabilizando a tão desejada paternidade por grandes números de casais.[16]

 Não pretensão de vínculo

A não pretensão de vinculo é uma garantia ao doador para que este, futuramente, não seja surpreendido com uma reclamação de paternidade ou maternidade.

Ao doar o material genético, o doador renúncia qualquer direito e obrigação sobre a prole, tendo em vista que a sua participação é apenas genética.

Considerando o elucidado, o vinculo de filiação, somente se daria entre a prole gerada e os seus receptores, não gerando, portanto pleito judicial, como bem aborda Silvio Salvo Venosa:

“É importante adicionar que no mundo contemporâneo a origem genética da paternidade não significa mais direito à filiação. Quando há inseminação artificial heterologa, quando há doação ou quando as circunstancias apontam para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, o vinculo jurídico fica em absoluto segundo plano, para a maioria dos efeitos jurídicos.[17]

 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

 Do direito de conhecimento da origem genética

São considerados direitos da personalidade aqueles que são próprios da pessoa em si e que transcendem o campo jurídico, tido como um direito natural.

Desta maneira conceitua Carlos Alberto Bittar:

“São direitos essenciais da pessoa, que constituem componentes indissociáveis de sua personalidade. São, pois, direitos natos – como a maioria dos escritores atesta -, cabendo ao Estado apenas reconhece-los e sancioná-los em outro plano do direito positivo.[18]

Ainda, Orlando Gomes declara que os direitos da personalidade não podem ser classificados entre os direitos pessoais ou reais:

“Traços comuns indicam, porém, que constituem categoria à parte das formas tradicionais do Direito Privado, possível não sendo classifica-los entre os direitos pessoais ou reais. Distinguem-se, realmente, por certos caracteres que em todos se encontram. Os direitos de personalidade são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios e necessários, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.[19]

Portanto, por serem direitos natos intimamente ligados ao homem estes merecem amparo legal, e com a Constituição de 1988, o legislador os elencou de maneira expressa em seu artigo 1º, III, através do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando assim sua tutela.

Os direitos da personalidade decorrem da condição de ser humano, firmando-se depois da Segunda Guerra Mundial com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, diante de tantas violações ocorridas no passado.

Como já explanado em capítulo anterior tanto a filiação como a personalidade possuem caráter personalíssimos, preservando assim suas características, como elucida Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

“Com os direitos da personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o direito à liberdade, o direito à honra, o direito à imagem, o direito à identidade, dentre outros.[20]

Assim, mesmo que não exista expressa previsão normativa a dignidade da pessoa humana é assegurada, como esclarece Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

“A dignidade da pessoa humana precede ao Direito e, logicamente, não deve ser apenas reconhecida quando determinada ordem jurídica a prevê expressamente. Daí a conclusão segundo a qual, mesmo que não exista previsão expressa na normativa jurídica a respeito do atributo intrínseco à pessoa humana, especialmente a partir da tutela de vários bens jurídicos que se vinculam à dignidade, como a vida, a integridade física, a higidez moral e psíquica, a intimidade, em diferentes graus.[21]

Nesta mesma linha explana Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

“Como se tratam de uma conquista na história do direito contemporâneo, mesmo que não haja positivação estatal expressa nominando-os, os direitos da personalidade decorrem de conjunturas sociais, políticas, econômicas (...) Logo, é preciso compreender que os direitos da personalidade não são numerus clausus. O catálogo está em contínua expansão, constituindo uma série aberta de vários tipos ou, também, conforme a doutrina italiana pode-se falar de um direito geral de personalidade, que abarcaria todas as espécies de direitos da personalidade, presentes e futuras.”

Para muitos doutrinadores, maior que a pretensão de qualquer vínculo, existe a preocupação e os efeitos psicológicos de pessoas nascidas de técnicas de reprodução assistida, assim menciona Maria Helena Diniz:

“Criação de meios para prevenção e preservação da saúde mental, pois marcas pré-natais ficam, apesar de o ser humano viver da ressignificação, como diz Halina Grymberg, pois um fato ocorrido ontem poderá ser vivido hoje de modo diverso. Por isso, urge que haja condições para essa ressignificação e com aquilo que vai ser dito à criança sobre o seu nascimento, que será elaborado na dinâmica afetiva da família. Trata-se da reorganização mental, criada pela forma como os pais legais vão viver essa relação entre pais e filho.[22]

De modo igual, Nelson Rosenvald elucida que ao nascido de reprodução heteróloga cabe o direito a investigação de sua ancestralidade e não a investigação de paternidade, tendo em vista que esta já foi estabelecida por outros critérios. Ainda, esclarece que se faz necessário uma ponderação de interesses, com a finalidade de proteger e preservar a personalidade:

“Passando em revista, a título de síntese: apesar de assegurado o sigilo sobre a identidade do doador, não se pode deixar de pontuar o cabimento da ação de investigação de origem genética contra ele – não para determinar o vínculo parental, mas sim para reconhecer a ancestralidade para fins de proteção e preservação da personalidade, incluída a saúde. De qualquer modo, somente terá guarida esta ação de investigação de origem genética em situações especiais, nas quais, através de ponderação de interesses, esteja evidente a necessidade de proteção de determinados interesses do filho, como, por exemplo, no caso de tratamento de saúde.[23]

Assim sendo, podemos notar que para alguns doutrinadores, o direito à origem genética se sobrepõe ao direito de sigilo do doador, por está ligado intimamente à pessoa e a sua ancestralidade, ou seja, a sua origem genética, tendo em vista que isso faz parte do pleno desenvolvimento da pessoa, sem que exista qualquer expectativa de vínculo como, por exemplo, Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

“O direito à identidade pessoal deve abranger a historicidade pessoal e, aí inserida a vertente biológica da identidade, sem que seja reconhecido qualquer vínculo parental entre as duas pessoas que, biologicamente, são genitor e gerado, mas que juridicamente nunca tiveram qualquer vínculo de parentesco. (...) O direito à identidade pessoal, com importantes reflexos no pleno desenvolvimento da pessoa humana no contexto de uma vida sadia, deve prevalecer, como regra, ao direito à intimidade do doador.[24]


[1] Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil, São Paulo, Editora Atlas, ed.11, 2011, v.4, p.223.

[2] Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil, São Paulo, Editora Atlas, ed.11, 2011, v.4, p. 18-19

[3]Farias, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson, Direito das Famílias – de acordo com a lei nº 11.441/07 – Lei de separação, divórcio e inventário extrajudiciais. 2 triagem. Editora Lumen Juris, 2009, p.545

[4] _____Constituição Federal 1988.

[5] _____Código Civil, 2002

[6]  [6]Farias, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson, Direito das Famílias – de acordo com a lei nº 11.441/07 – Lei de separação, divórcio e inventário extrajudiciais. 2 triagem. Editora Lumen Juris, 2009, p.547

[7] Portaria n. 426, de 22 de março de 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/portaria_426_ac.htm. Acesso em 28.03.2014, às 23:35.

[8] RESOLUÇÃO CFM nº 2013/2013. Disponível em : http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 15/11/2013, às 20:40 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, Seção I, p.119).

[9] ,  RESOLUÇÃO CFM nº 2013/2013. Disponível em : http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 15/11/2013, às 20:56 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, Seção I, p.119).

[10] Ibid.,

[11] Ibid.,

[12] RESOLUÇÃO CFM nº 2013/2013. Disponível em : http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 30/03/2014, às 20:56 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, Seção I, p.119)

[13] RESOLUÇÃO CFM nº 2013/2013. Disponível em : http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 15/11/2013, às 20:56 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, Seção I, p.119).

[14] RESOLUÇÃO CFM nº 2013/2013. Disponível em : http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 30/03/2014, às 15:56 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, Seção I, p.119).

[15]Farias, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson, Direito das Famílias – de acordo com a lei nº 11.441/07 – Lei de separação, divórcio e inventário extrajudiciais. 2 triagem. Editora Lumen Juris, 2009, p.578

[16]  Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil, São Paulo, Editora Atlas, ed.11, 2011, v.4, p. 239.

[17] Venosa, Sílvio de Salvo, Direito Civil, São Paulo, Editora Atlas, ed.11, 2011, v.4, p. 251

[18] Bittar, Carlos Alberto, Direito Civil Constitucional, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, ed.3, 2003, p. 48.

[19] Gomes, Orlando, Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, ed. 19ª, 2007, p.137.

[20] Borges, Roxana Cardoso Brasileiro, Bioética e Direitos Fundamentais, São Paulo, Saraiva, ed.1, 2012, p.153.

[21] Gama, Guilherme Calmon Nogueira, A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais, Rio de Janeiro, Renovar, ed.1, 2003, p.137.

[22] Diniz, Maria Helena, O Estado Atual do Biodireito, São Paulo, Saraiva, ed. 8, 2011, p.661.

[23] Farias, Cristiano Chaves de. Rosenvald, Nelson, Direito das Famílias – de acordo com a lei nº 11.441/07 – Lei de separação, divórcio e inventário extrajudiciais. 2 triagem. Editora Lumen Juris, 2009, p.540

[24] Gama, Guilherme Calmon Nogueira, A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais, Rio de Janeiro, Renovar, ed.1, 2003, p.907

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