Introdução
O juiz do século XXI não é mais um simples julgador, cuja profissão exige-lhe apenas o conhecimento das normas jurídicas e da interpretação a elas dada pelos Tribunais.
O magistrado hodierno deve ter conhecimentos que vão além daqueles que em regra sempre foram exigidos no concurso de ingresso na carreira, diga-se em regra, porque recentemente a Resolução 75 do Conselho Nacional de Justiça, já em vista dessa nova realidade, inseriu como conteúdo mínimo obrigatório a ser exigido durante as avaliações conhecimentos na área de filosofia, sociologia, psicologia jurídica.
Assim, desde o início das etapas busca-se na figura do juiz um julgador apto a entender a realidade que o circunda não só do ponto de vista jurídico, mas também sob a ótica que possa ser fornecida pelas demais áreas de formação, em especial a sociologia e psicologia.
Nesse sentido são as disposições deste artigo, a fim de se destacar a necessidade de uma formação mais humana e menos teórica do magistrado.
O perfil do novo Juiz
O filósofo Montesquieu, baseando-se nas obras de Aristóteles e de John Locke escreveu o Espírito das Leis, delineando a tripartição do Poder, qual seja, Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Montesquieu, em razão da realidade que vivenciava (regime absolutista na Europa, mandos e desmandos dos Reis, corrupção dos juízes), entendia que para evitar os abusos que presenciava, seria necessária a autonomia e limitação de cada um dos Poderes do Estado.
Nesse contexto, ao Poder Executivo caberia apenas a função de executar as leis, ao Poder Legislativo a de elaborá-las e o Poder Judiciário a aplicá-las ao caso concreto.
Cada esfera do Poder poderia atuar livremente, desde que respeitada a respectiva esfera de atuação, sendo que cada um dos poderes haveria de ter seus limites averiguados pelo outro, surgindo, assim, o sistema de pesos e contrapesos.
Como reflexo desse pensamento, e em razão do abuso dos déspostas, incluindo dos juízes que estavam a serviço da Corte, defendia-se, na revolução francesa e durante muito tempo depois, que o juiz seria um mero escravo da lei, ou seja, caberia apenas aplicar a letra fria da lei, sendo-lhe vedado interpretações.
Nascia assim a igualdade formal, na qual todos são iguais perante a lei, estando todos de igual forma sujeito a ela, não importando a condição pessoal, econômica, social ou qualquer outro fato de discriminação.
Todavia, com o passar do tempo percebeu-se que este sistema trazia falhas, posto que ao tratar desiguais de forma igual acabou por se cria uma outra justiça
Do mesmo modo, o pensamento foi evoluindo e o magistrado deixou de ser um mero escravo da lei para se tornar o aplicador, isto é buscar, o sentido real da norma, de modo que efetivamente as suas decisões tenham esteio no conceito de justiça e possa trazer paz social.
Ocorre que para ser um bom intérprete e exercer fielmente o mister conferido pela Carta Magna, não basta que o julgador tenha o conhecimento adquirido apenas pelos anos de leitura e estudo necessários para lograr a aprovação no concurso , é fundamental que busque adentrar em áreas diversas de sua formação acadêmica, e aqui quando se diz conhecimento, este traduz-se na vivência, na sua experiência como julgador, como cidadão e como homem que deseja e luta pela solução dos conflitos e paz social.
Até mesmo porque se de conhecimento pleno e profundo se tratasse, exigir-se-ia que também curssasse outras faculdades que não apenas a de ciências sociais.
Hodiernamente a sociedade não espera que o juiz seja o cume da cultura jurídica e senhor das palavras, embora não se possa negar que sendo a palavra a sua ferramenta de trabalho tenha ele um domínio maior da linguistica do que de outra área, todavia, não se pode admitir que o pretor tenha um conhecimento aprofundado das leis, sem que conheça, ainda, que de forma razoável a sociedade que o cerca.
Ora, como um julgador poderá ser justo, no sentido mais puro da palavra, se não é capaz de olhar ao seu redor e conhecer a realidade que o cerca, como será capaz de solucionar os conflitos que lhe são postos se a problemática for analisada apenas com os conhecimentos jurídicos que formam avaliados durante as etapas do concurso?
Indispensável que abra a cortina de seu gabinete, respire e observe a realidade de sua comarca.
O juiz do século XXI deve ter conhecimentos que ultrapassam os meramente acadêmicos, a sua vida profissional não se resume apenas no conhecimento do direito posto, qual seja, a lei, doutrina e jurisprudências atuais, além das novas exposições que caminham para a mudança do paradigma vigente.
O juiz em sua função constitucional não tem apenas o dever simplório de julgar a lide que lhe é apresentada, mas principalmente de assegurar a paz social e o mérito do Estado Democrático do Direito.
E para alcançar tão nobre função, o juiz deve ser múltiplo, porquanto há necessidade que seus conhecimentos estejam além daqueles exigidos para a aprovação no concurso.
Hoje o julgador para que possa atingir a tão sonhada justiça em seu sentido mais puro, deve aliar-se dos conhecimentos de outras áreas como a sociologia e psicologia, mas quando diz-se aliar não é só no sentido de utilizar do conhecimento dos profissionais das respectivas áreas.
O conhecimento em psicologia faz-se fundamental, por exemplo, quando estiver lidando com o depoimento das partes e testemunhas, posto que a partir de gestos, postura, tom de voz, dentre outros e mediante o processo de observação poderá dar guarida a validade da prova oral.
Isso é importante, porque ao reverso do que o senso comum pode dizer nem sempre o fato de uma testemunha gaguejar, apresentar um relato confuso ou, de outro passo, relatar com clareza de detalhes e concatenação lógica de fatos, seria sinal de mentira ou verdade de suas declarações.
Há vários fatores no depoimento das parte a serem analisados, tais como, o nervosismo que a testemunha pode apresentar por estar em frente a figura do juiz, a própria memória e a forma que o consciente e subconsciente armazenam os acontecimentos e tendem a misturar fantasia com realidade e assim por diante.
Já no campo da sociologia, o magistrado não pode ser alheio ao mundo que o cerca, em especial a realidade da comunidade na qual exerce a função judicante.
Não basta só querer aplicar a letra fria da lei, sem que antes o julgador saia de seu gabinete, espreite a realidade que o circunda e passe a interpretar as leis conforme as peculiaridades que lhe são apresentadas.
Não se quer aqui dizer,que o magistrado deve verter a aplicação da lei conforme o que lhe é apresentado, até porque, em sendo todos iguais, devem estar todos no mesmo patamar de igualdade e a lei deve atingir a todos da mesma forma, mas, sim, que o magistrado deve estar atento a essa realidade ao conduzir um processo e até mesmo a forma da audiência, ao escolher o linguajar de suas decisões.
Nas comarcas em que a população em sua maioria reside na área rural, o magistrado deve perquirir a distância entre a zona rural e urbana, a fim de designar o horário de uma audiência, posto que deve levar em conta o tipo de transporte, o acesso e outros fatores determinantes no tempo de viagem.
Também deve ter o traquejo e a paciência ao ouvir o sertanejo, gente simples e de fala mansa, talvez diferente do tom ligeiro e apressado dos habitantes de grandes centros.
Assim, ao se inteirar da realidade que o cerca, nada impede, pelo contrário é louvado que participe das atividades locais, inclusive como meio de compreender o meio que esta em sua volta.
De toda sorte, também ao conhecer a realidade, poderá se tornar um comunicador melhor, eis que em tendo conhecimento do linguajar local e da maneira com que os habitantes se expressam automaticamente as suas decisões, já antenadas com esses fatores, poderão ser mais facilmente compreendida pelos cidadãos.
Outra função que é exigida do magistrado é a de gestor, já que há necessidade de não só de exercer o seu mister, qual seja, proferir despachos, decisões e sentenças, mas deve organizar os serviços da escrivania na qual atua de modo que haja presteza no serviço e que efetivamente possa cumprir o princípio constitucional da duração razoável do processo. Ora, de que adianta ao magistrado decidir rapidamente, se a escrivania não for capaz de cumprir prontamente o comando judicial?
Daí, porque, há a necessidade do juiz conhecer os pontos altos e baixos da escrivania, traçar estratégias para corrigir as falhas e aprimorar as áreas que já apresentam sucesso.
Deve compreender a capacidade laborativa de seus servidores e a partir deste ponto organizar a distribuição e tarefas, ou seja, é preciso averiguar qual servidor melhor se adapta, por exemplo, ao atendimento ao balcão ou a expedição de documentos, ao passo que outro poderá melhor atuar na juntada e assim por diante.
O magistrado, portanto, ao estipular as metas de serviço, também deve levar em conta os anseios e perfis de seus auxiliares, de modo que possa melhor usufruir da capacidade laborativa de cada um, traduzindo-se em melhorias ao público, a qualidade do serviço prestado a e satisfação do servidor.
Estes são os desafios do novo magistrado, do juiz múltiplo, que longe de ser apenas um tratadista na área jurídica, senhor das leis, precisa estar conectado com a realidade de sua comarca e ter a vivência, conhecimento e virtudes que não são adquiridas apenas nos bancos da faculdade ou nas longas horas de leituras jurídicas, mas, sim, a partir da expensão de seu conhecimento, adentrando em outras áreas que hoje são tão necessárias para o bom desempenho da função quanto atualização acadêmica.
Conclusão
Do magistrado do mundo moderno exige-se uma infinidade de características, além daquelas que tradicionalmente se esperam da figura do julgador.
Não é suficiente, e também não mais atende aos reclamos do cerne social a figura de um magistrado culto, ou no dizer popular “ doutor da lei”.
Hoje o juiz além dos conhecimentos jurídicos que lhe são pertinentes a função constitucionalmente delineada, necessário que sua visão de aplicador da lei não se limita tão só ao conhecimento da norma, da doutrina e da jurisprudência, importantíssimo que detenha conhecimento do mundo que está a sua volta, que saiba compreender o agir da sociedade que representa. Saiba conciliar quando a presença de um conciliador se fizer necessária, saiba ouvir e interpretar a narrativa, entenda o lado humano, seja um pacificador, um gestor, nunca se olvidando que não é um agente do poder, é como tal deve pautar sua conduta tanto nos autos quanto fora dele.
O magistrado, como prefacia José Renato Nalini, deve estar atento a sua missão, pois ao julgar não aponta apenas o caminho do certo e do errado, mas sinaliza a sociedade a conduta almejada, os comportamentos que serão aceitos e aqueles que serão reprimidos.
Na falência da moral, a missão do juiz – fazer justiça – torna-se epopeia heroica.[...]Ao decidir o juiz sinaliza à sociedade o parâmetro da conduta desejável. Há uma Constituição principiologica e dirigente que permite a hermenêutica seminal, criativa de uma nova ética para a nacionalidade. O juiz não deve declinar de seu compromisso com a justiça. Todo despacho, qualquer decisão, o exercício funcional do magistrado reveste caráter eminentemente docente (NALINI, 2012, p. 65).
E com base nessas diretrizes há de cumprir sua missão.