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O crime de tráfico de drogas cometido em transporte público

14/11/2014 às 10:38
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O artigo discute o alcance da incidência da majorante inserta no art. 40, III, da Lei nº 11.343/06, nos casos de tráfico de drogas em transporte público.

O art. 40, III, da Lei 11.343/06, prevê, in verbis:

“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

(…)

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; (...)” (grifo nosso).

Cabe, portanto, perquirir a exegese mais adequada, em relação à citada causa de aumento pena. Nesse sentido, indaga-se: a majorante sob comento incide com a mera utilização do transporte público, ou demanda a efetiva venda, ou entrega dos entorpecentes no interior do veículo de transporte?

Inicialmente, os Tribunais Superiores firmaram compreensão no sentido de que a utilização do transporte público, por si só, atraí a incidência da citada majorante, independentemente da venda de entorpecentes dentro do veículo.

Nesse passo, traz-se a cotejo os seguintes julgados[1]:

“(...) 1. A utilização do transporte público como meio para a prática do tráfico de drogas é suficiente para o reconhecimento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, porque a majorante é de natureza objetiva e aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator. Precedente. (...)” (STF, HC 109411, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011).

“(...) A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a simples utilização de transporte público para a circulação da substância entorpecente ilícita já é motivo suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/2006 (...)”
(STF, HC 108523, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 13-03-2012 PUBLIC 14-03-2012).

“(...) Pacificou-se nesta Corte Superior de Justiça o entendimento de que o simples fato de transportar a droga em transporte público permite a aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, que faz expressa remissão ao art. 33 da mencionada lei. (...)” (STJ, AgRg no REsp 1444666/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/06/2014, DJe 04/08/2014).

“(...) Segundo o critério adotado pela Sexta Turma, de natureza objetiva, para a incidência da causa de aumento do art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006, basta ter havido a utilização do transporte público para a prática delitiva.(...)” (AgRg no REsp 1271189/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 26/08/2014).

Todavia, recentemente, as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal mudaram o entendimento e decidiram que a causa de aumento de pena sob enfoque demanda a venda, ou entrega do entorpecente no veículo de transporte público.

Nessa linha de entendimento, traz-se à colação os seguintes precedentes[2]:

“(...) I - A mera utilização do transporte público para o carregamento do entorpecente não é suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei 11.343/2006. Precedentes de ambas as Turmas. Orientação consolidada. II - A teleologia da norma é conferir maior reprovação ao traficante que pode atingir um grande número de pessoas, as quais se encontram em particular situação de vulnerabilidade. III – Ordem concedida para afastar a aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei 11.343/2006. (...)”
(STF, HC 120624, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 03/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 09-10-2014 PUBLIC 10-10-2014)

“(...) 1. O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. (...)” (STF, HC 119811, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07-2014).

            Sobreleve-se que a mudança de posicionamento da Suprema Corte propiciou a alteração do entendimento do Superior Tribunal de Justiça. No particular, traz-se a cotejo os seguintes procedentes[3]:

“(...) Embora essa Eg. Turma entenda que a mera utilização de transporte público para a circulação da droga é suficiente para a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas, a Quinta Turma desta Corte, acolhendo o posicionamento do STF, alterou o entendimento no sentido de ser necessária a efetiva comercialização do entorpecente.

2. Além de um critério de segurança jurídica recomendar ao Colegiado Superior adotar a compreensão dada pela Suprema Corte, garantindo a estabilidade e previsibilidade das decisões judiciais, efetivamente o desvalor maior penalizado se dá na transferência da droga a terceiros em transporte público, o que não ocorreria pela ocasional descoberta de que neste meio transitava agente portando de modo escondido a substância entorpecente. (...)” (REsp 1199561/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 29/09/2014).

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“(...) A causa de aumento do art. 40, inciso III, da Lei n. 11.343/2006 deve incidir somente quando constatada a efetiva comercialização da substância entorpecente no interior do transporte público. Precedentes do STF e do STJ. (...)” (AgRg no AREsp 522.025/MS, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 05/11/2014).

Sublinhe-se que, ante os julgados das Turmas da Suprema Corte, o Min. Teori Zavascki deferiu, monocraticamente, ordem de habeas corpus (HC 124483) para afastar o reconhecimento da causa de aumento de pena, considerando-se que o paciente não havia comercializado drogas no veículo de transporte.

Nota-se, portanto, que o tema resta pacificado, no âmbito do Pretório Excelso, tanto que autorizou o julgamento, por decisão monocrática, de ação de habeas corpus.

Todavia, concessa venia, não concordamos com o entendimento ora esposado pelos Tribunais Superiores.

Com efeito, o art. 40, III, da Lei 11343/06, especifica que a reprimenda será majorada se “a infração tiver sido cometida (...) em transportes públicos”. Ora, é cediço que o crime de tráfico de drogas  é de ação múltipla e conteúdo variado, de modo que a prática de qualquer dos núcleos típicos do art. 33, da Lei 11343/06, é suficiente para a configuração do delito, sendo prescindível, portanto, que o agente seja flagrado enquanto vende ou efetua a entrega da droga.

Assim sendo qualquer conduta (inclusive o simples transporte do entorpecente) que caracterize o crime de tráfico de drogas, desde que cometida no transporte público, é suficiente para a incidência da majorante.

Numa palavra, se a infração penal se perfaz com o mero transporte da droga e este é praticado, por meio de veículo de transporte público, a incidência da majorante é medida que, logicamente, se impõe.

Noutro giro verbal, se a mercancia não é exigível para a caracterização do tráfico, não pode o ser para a configuração da causa de aumento de pena, quando do uso do transporte público.  

Vale frisar que se o legislador almejasse restringir o alcance da citada causa de aumento de pena, a redação seria “se a venda ou entrega da droga tiver sido cometida em transporte público”. Como o legislador não restringiu, não cabe ao interprete fazê-lo.   

Com a devida venia, a corrente ora adotada pela maioria dos integrantes da Suprema Corte pode trazer consequências práticas graves. Por exemplo, alguém que trouxer consigo consigo droga nas dependências de estabelecimento prisional não será alvo da incidência da majorante, pois não chegou a vender, ou fazer a entrega do entorpecente. Essa interpretação, portanto, não é razoável, pois a existência de drogas, no presídio ou em suas imediações é fator de potencial risco social.

Ademais, ponha-se em relevo que os locais indicados no art. 40, III, da Lei 11343/06, demonstram maior grau de censura da conduta do traficante e maior potencial lesivo do próprio tráfico. Logo, a majorante é, nitidamente, de natureza objetiva, de modo não é devida exigência da mercancia ou entrega nos referidos locais.

Cabe transcrever, por oportuno, trecho do voto da Min. Carmen Lucia no HC 109411, in verbis:

“A majorante é de natureza objetiva e, por conseguinte, aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, no caso, em transporte público, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator.

Naquele ambiente, é facilitada a atuação do agente, porque o maior número de pessoas presentes no interior do meio de transporte dificulta a ação fiscalizadora e, por conseguinte, facilita a disseminação da droga no meio social”.

Em síntese, o uso do transporte público para levar a droga para outro local é um fato objetivo que propicia a maior difusão do entorpecente. Logo, ofende os princípios da razoabilidade e proporcionalidade equiparar a conduta de quem traz consigo ou transporta droga em veículo coletivo com a daquele que não o faz.

Vale dizer, é maior o desvalor da conduta de quem usa o transporte público para praticar qualquer dos núcleos típicos do art. 33, caput, da Lei 11343/06, de modo que a reprimenda deve sofrer majoração.

Em resumo, o uso do transporte coletivo, ainda que para transporte da droga, é fator de potencial desestabilização social, o que atraí a incidência da majorante sob estudo. Diante de todo o exposto, entendemos adequado o entendimento, segundo o qual a mera utilização de transporte público para a circulação da droga é suficiente para a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas.

Assim sendo, a nosso sentir, a configuração da mencionada causa de aumento não exige a venda ou entrega a terceiros no interior do transporte coletivo.


Notas

[1]     Disponíveis em <www.stf.jus.br> e <www.stj.jus.br> Acesso em: 10 de novembro de 2014.

[2]     Disponíveis em <www.stf.jus.br> . Acesso em: 10 de novembro de 2014.

[3]     Disponíveis em <www.stj.jus.br> . Acesso em: 10 de novembro de 2014.

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Sobre o autor
Thomás Luz Raimundo Brito

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia.Ex-Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça da BahiaCoautor do livro "Constitucionalismo - Os desafios do Terceiro Milênio" (Editora Forum).Autor do Livro "Mandado de Injunção - A decisão, os seus efeitos e a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no combate à omissão legislativa" (Editora Nuria Fabris)Autor de outros artigos jurídicos publicados em sites especializados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Thomás Luz Raimundo. O crime de tráfico de drogas cometido em transporte público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33887. Acesso em: 22 nov. 2024.

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