Introdução
A ideia de sucessão vem desde a antiguidade, ou seja, bem antes da Era Cristã tem-se a ideia de transmissão de bens do “de cujus”. Assim como há o direito sucessório - o direito de transmissão dos bens “causa mortis” - temos hipóteses em que o herdeiro é excluído, se mostrando não merecedor da herança, “pois a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucesssor, afeição que deve despertar neste último um sentimento de gratidão”. A quebra desse dever acarreta a perda da sucessão, combinando a indignidade e a deserdação. Tais hipóteses decorrem de fatores dos quais passaremos a analisar no decorrer de nosso trabalho.
Embora haja exclusão da sucessão por premoriência, comoriência, renúncia, indignidade e deserdação, passaremos a abordar somente os dois últimos por ser esse objeto de nosso trabalho.
Para darmos continuidade ao trabalho, é mister fazermos a diferenciação entre capacidade de suceder com capacidade civil. Como poderemos observar, são institutos distintos e não podem ser confundidos, pois a capacidade civil diz respeito à aptidão que o individuo tem de suceder, por si, todos os atos da vida civil; é o poder de ação no mundo jurídico. A capacidade sucessória é a aptidão específica da pessoa para receber os bens deixados pelo “de cujus”. Para melhor entendimento, Maria Helena Diniz, citando a obra de Caio Mario da Silva Pereira, fala que “uma pessoa pode ser incapaz para praticar atos da vida civil e ter capacidade para suceder; igualmente, alguém pode ser incapaz de suceder, apesar de gozar de plena capacidade civil, como ocorre com o indigno de suceder, que não sofre nenhuma diminuição na capacidade para os atos da vida civil”.
Resta salientar que o novo Código Civil (art. 1798) abandonou a expressão “capacidade” para suceder preferindo falar de “legitimação’’ para suceder.
A legitimidade do direito de suceder inicia-se com a morte, e se perde em decorrência de alguns casos, como por exemplo, a indignidade ou deserdação que passaremos a examinar.
Capacidade para Suceder
A capacidade para suceder é a habilidade, ou seja, a aptidão para se tornar herdeiro, encontrando fundamento legal, sendo assim uma norma abstrata. Conforme descrito no Código Civil são chamados para suceder “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” também os descendentes, em sua falta os ascendentes, cônjuge, colaterais até quarto grau e o Estado.
Quando ocorre a morte, passamos a analisar quais as pessoas que tem capacidade legítima para suceder determinada herança, uma vez que esta capacidade é um direito concreto onde pressupõem que todos os direitos e obrigações serão cumpridos por aqueles que possuam capacidade geral para sucessão.
Não somente o nascituro possui legitimidade para ser herdeiro, conforme acrescenta o artigo 1.799 do Código Civil de 2002, podem também suceder:
I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II – as pessoas jurídicas;
III – as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob forma de fundação.
Com relação aos herdeiros ainda não concebidos, os bens serão confiados, a um responsável nomeado pelo juiz. Na questão do nascituro espera o mesmo nascer para concluir sua vida ou não, agora passados dois anos e não advier o herdeiro esperado os bens que foram reservados para este serão distribuídos para os herdeiros legítimos, salvo disposição contrária realizada pelo testador.
Fato que ocorre quando for questão tratando diretamente de inseminação artificial, bem como fertilização, ou seja, quando podem ser gerados filhos após a morte do de cujos, tais hipóteses acima só terão efeitos jurídicos se forem previstas no testamento para que estes filhos que serão gerados após a morte dos pais.
As pessoas jurídicas podem ser beneficiadas em testamento, bem como as pessoas jurídicas futuras cuja organização estiver sido determinada pelo testador sob a forma de fundação, contudo deve ter observado os requisitos caput do artigo 62 do Código Civil onde relata que: para criar uma fundação, o seu instituidor fará por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser a maneira de administrá-la (grifo nosso).
Diante disso a pessoa jurídica tem de existir, salvo o caso de fundação, há mesma deverá ter personalidade no momento da abertura da sucessão, caso não haja poderá acarretar em dúvida quanto a não constituição de pessoa jurídica ou em formação, devendo apurar se houve a intenção de acontecer uma fraude por meio da sucessão.
Afirma Sílvio de Salvo Venosa (2010, p. 55):
“Assim a capacidade para suceder é aferida no momento da morte. Não há mais que se falar em certas incapacidades do direito precodificado que surgiam com a morte civil ou a condição de estrangeiro.”
Diante disso, para suceder não basta somente ter a vocação hereditária, ou seja, o seu aquinhoamento no testamento se faz necessário verificar principalmente se tal herdeiro possui alguns requisitos tais como, estar vivo, ser capaz e não sei indigno.
Desse modo, para suceder é necessário que o sucessor exista no ato da delação, ou seja, já tenha nascido, contudo já foi esclarecido o direito ao nascituro, sendo uma situação bem especial, onde seus direitos só ganharão forma após o nascimento com vida.
Por fim, outra condição é se a pessoa tem a capacidade para suceder deve observar que a mesma não seja incapaz, lembrando que a regra é que todos são capazes, porém algumas pessoas não possuem tal capacidade tais como as pessoas que preenchem os requisitos do artigo 1.801 do Código Civil de 2002:
“Não podem ser nomeados herdeiros, nem legatários:
I – a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II – as testemunhas do testamento;
III – o concubinato do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge, há mais de cinco anos;
IV – o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, ou aprovar o testamento.”
2.1 Dos excluídos da Sucessão
O nosso ordenamento jurídico prevê duas formas distintas de afastamento da herança, sendo a indignidade que está prevista nos artigos 1814 a 1818, bem como a deserdação prevista nos artigos 1961 a 1818 do Código Civil vigente.
A exclusão por indignidade é uma pena civil aplicável ao sucessor legítimo ou testamentário que houver praticado atos de ingratidão contra o de cujus, sendo que esta traduz na privação de um direito imposta a um herdeiro indigno.
A deserdação em contrapartida é mais restrita, posto que somente pode ser aplicada por testamento em face de herdeiros necessários. A exclusão por indignidade aplica-se a qualquer sucessor, legítimo ou testamentário, sendo muito mais ampla.
Podem ser afastados por indignidade os herdeiros, legatários e o cônjuge. Não podemos confundir o cônjuge herdeiro ou legatário, com o cônjuge meeiro. Portanto se o cônjuge comete um ato de indignidade, não deixará de receber a meação.
Segundo o artigo 1.831 do Código Civil vigente o cônjuge é herdeiro necessário quanto ao direito real de habitação, porém cometendo um ato de indignidade não é justo que o cônjuge indigno se beneficie com esse direito sobre o patrimônio do de cujus. Por ser uma pena, a indignidade deve ser analisada com interpretação restritiva. Não podendo estender a outras condutas parecidas, se não previstas.
2.2 Herdeiro Aparente
É aquele que, não sendo titular dos direitos sucessórios, é tido, entretanto, como legítimo proprietário da herança.
Sendo possível que uma única pessoa reúna, ao mesmo tempo, a condição de herdeiro real e herdeiro aparente.
2.3 Validade dos atos praticados pelo herdeiro aparente
Conforme elencado no artigo 1.827 do Código Civil de 2002 onde prevê a eficácia dos atos praticados pelo herdeiro aparente com terceiros de boa-fé.
As alienações a título oneroso feitas com adquirente de boa fé e os atos de administração praticados pelo herdeiro aparente são válidos.
As alienações a título gratuito não são mantidas, por não gerarem prejuízo.
INDIGNIDADE
A indignidade é a privação do direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando, ou seja, o legislador cria uma pena, que consistente na perda da herança, aplicável ao sucessor legítimo ou testamentário que houver praticado certos atos de ingratidão contra o de cujus.
Consistindo assim em pena civil que priva o direito à herança não só para o herdeiro, mas também ao legatário que cometeu atos criminosos, ofensivos ou reprováveis, taxativamente enumerados em lei, contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de seus familiares.
Sendo que a legislação, ao permitir o afastamento do indigno, faz um juízo de reprovação, em função da gravidade dos atos praticados. É moral e lógico que quem pratica atos de desdouro contra quem vai lhe transmitir uma herança torna-se indigno de recebê-la. Daí porque a lei traz descritos os casos de indignidade, isto é, fatos típicos que, se praticados, excluem o herdeiro da sucessão hereditária.
A indignidade exposta na lei não se opera automaticamente, havendo a necessidade da propositura de uma ação de rito ordinário, movida por quem tenha interesse na sucessão e na exclusão do indigno, sendo que os casos descritos no rol taxativo do artigo 1.814 do Código Civil de 2002 devem ser provados no curso da ação.
Diante disso a indignidade supõe capacidade para suceder e se funda em motivos pessoais do indigno. O indigno adquire a herança e a conserva até que passe em julgado a sentença que o exclui da sucessão.
Conforme descrito no artigo 1.814 do Código Civil vigente são comuns à indignidade e à deserdação. Para a deserdação, abrem-se outras possibilidades que estão descritas nos artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil pátrio. Porém, o fundamento de ambos os institutos é idêntico, necessitando-se de uma ação e de uma sentença, para afastar o sucessor indigno ou deserdado.
Segundo artigo publicado por José Carlos Teixeira Giorgi a recente divulgação do afastamento de filha acusada do assassinato dos pais pela justiça paulista trouxe ao cenário a discussão sobre a indignidade.
Como sabido, o testador tem a liberdade em legar, desde que respeite o direito de seus herdeiros necessários, não podendo dispor além da metade da legítima, fração reservada a ditos sucessores, salvo as hipóteses de deserdação ou indignidade.
A exclusão por indignidade é uma pena civil que priva o herdeiro ou legatário do direito à herança, e tem um fundamento ético, pois a sucessão se baseia na afeição que o hereditando dedica aos herdeiros e vice-versa, ocorrendo em vista do cometimento de ato criminoso ou ofensivo à vida, honra ou liberdade do titular da herança; assim, não é justo que se beneficiem quem ofendeu a vida ou a memória de outrem.
O banimento do direito hereditário acontece tanto na sucessão legítima como na testamentária, e tem suas causas determinadas numa relação taxativa, atingindo somente as pessoas ali referidas e pelos atos que estão expressamente enumerados no artigo 1.814 e respectivos incisos.
Entre eles, a prática de homicídio doloso, consumado ou tentado, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge ou companheiro.
Não se exige a prévia condenação criminal, bastando a prova produzida no Juízo cível, e afastado o homicídio culposo; não vale mera suspeita, e a exclusão não é afetada por eventual extinção da pena criminal pronunciada.
Outra situação é o exercício de denunciação caluniosa ou crime contra a honra do autor da herança, de seu cônjuge ou companheiro, desde que a acusação tenha sido formulada no juízo penal, e aí ocorrida a prévia condenação, não se aplicando quando o fato se deu no cível.
Finalmente também é fator que priva o herdeiro ou o legatário alguma atividade que ofenda a liberdade de testar, como obstar a execução da última vontade, fazer desaparecer dito instrumento, constranger a testar impedir de revogar ou usar de testamento falsificado.
A ação judicial para afastar por indignidade deve ser proposta pelo co-herdeiro, legatário, donatário, credor, fisco ou Ministério Público, quando presente interesse público (STJ), e até quatro anos da abertura da sucessão (data do óbito), extinguindo-se o direito além deste prazo ou com a morte do indigno.
O indigno recupera o direito de suceder quando for reabilitado pelo ofendido através de um testamento, por algum ato autêntico ou for contemplado por legado instituído quando o testador já conhecia a causa da exclusão, o que representa um perdão expresso ou tácito.
Como os efeitos da privação são pessoais, os descendentes do excluído sucedem em sua representação, como se morto ele estivesse antes da abertura da sucessão.
A sentença que declara a indignidade é retroativa, atingindo os atos praticados pelo herdeiro, que se tornam ineficazes, salvo a alienação de bens a terceiros de boa-fé e os atos de administração que tenha cometido antes da decisão que o afastou, cabendo aos outros herdeiros manejar perdas e danos, se prejudicados; também fica ele obrigado a restituir os frutos e os rendimentos dos bens que recebera, tocando ser indenizado com as despesas feitas na conservação do acervo.
DESERDAÇÃO
A deserdação é uma forma de exclusão de um ou mais herdeiros necessários, não se estendendo aos herdeiros do excluído, é feito pelo próprio testador, em relação a uma herança ou sucessão, que anteriormente lhe era devida.
Sendo que a mesma se manifesta por ato de vontade do autor da herança através do testamento, no qual somente este poderá deserdar. O prazo para ação de deserdação é de 4(quatro) anos, contados a partir da abertura da sucessão.
A deserdação só será válida se o testador justificar o motivo pelo qual tomou tal decisão. Sendo que, só atinge os herdeiros necessários, em relação aos demais, basta que o testador não os contemple.
Como outrora mencionado, para se dar à deserdação é necessário um fundamento, motivo pelo qual se deserdará alguém. Porém, não basta que o testador queira e dite um motivo qualquer.
Porquanto, a deserdação, deverá ser pautada mediante justificativa em cláusula testamentaria que esteja catalogado na própria Lei. Será considerada nula a cláusula de testamento em que o testador vir a deserdar, sem o devido fundamento. São causas para se deserdar, conforme dispõe o art.1814 do Código Civil:
São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Além das hipóteses acima também é autorizada à deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes pelos descendentes, quando houver, ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto, bem como quando houver o desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Contudo, essa exclusão sucessória, bem como a indignidade são sanções civis aplicáveis àqueles que não agiram bem com o autor da herança, sendo considerados incompatíveis com a herança.
Conclusão
O direito de sucessão está disposto no Livro V do Código Civil de 2002, nele estão elencadas as formas de sucessão e da perda do direito a ela.
De acordo com a norma vigente, são chamados para suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura do testamento, mas isto não exclui os descendentes, os ascendentes, cônjuge, colaterais até quarto grau e o Estado.
Aqueles que possuem a capacidade para suceder, não a têm de forma plena e definitiva, ou seja, o sucessor pode se tornar indigno, através da pena civil onde irá privá-lo do direito à herança, bem como quando afetar, o legario que comete ato criminoso, ofensivo ou reprovável, fatos esses que são taxativos, contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de seus familiares.
No entanto a deserdação é forma de exclusão de um ou mais herdeiros necessários, não se estendendo aos herdeiros do excluído, sendo assim um ato discricionário do próprio testador. Lembrando que este ato deve ser precedido de justificação e, na falta da mesma ou se esta não for pautada em lei, tornar-se-á inválida. Tal como a indignidade, a deserção é sanção civil aplicada àqueles que não agiram bem com o autor da herança.
Diante dos fatos narrados acima concluímos que não basta ter apenas a capacidade de suceder, é preciso entretanto preencher os requisitos legais, por ora citado, bem como, estar comtemplado pela vontade do testador e inclusive não cometer contra este, ato que possa motivá-lo a excluir do testamento ou que torne o sucessor indigno.
Referências:
FIUZA,César.Direito Civil: Curso Completo – 9. Ed - Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único – 3. Ed – São Paulo: Método, 2013.
Vade Mecum Compacto / Obra Coletiva. – 11. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões – 10. Ed – São Paulo: Atlas, 2010.