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Sujeição passiva tributária do nascituro

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O nascituro, ainda que não seja considerado como ente dotado de personalidade jurídica, como quer a teoria natalista, poderá ser sujeito passivo de obrigação tributária.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a hipótese de o nascituro ser sujeito passivo de relação jurídica tributária, apesar da falta de previsão legal expressa. No Direito Brasileiro, a condição de contribuinte independe de ter o sujeito capacidade civil, de forma que uma criança pode ser contribuinte. Em algumas situações, a sujeição passiva independe, inclusive, da personalidade jurídica, como é o caso de entes despersonificados, como a massa falida e o espólio. Neste caso, apesar da falta de norma jurídica expressa, o nascituro poderia ser contribuinte? Também será abordado neste trabalho o embate entre as correntes que discutem se o nascituro tem personalidade jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: nascituro. Sujeito passivo. Tributário

SUMÁRIO: Introdução – 1. Relação jurídica tributária e seu sujeito passivo - 2. Relação jurídica tributária e seu sujeito passivo. 3. O nascituro como sujeito passivo da relação jurídica tributária. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o escopo de analisar o alcance da sujeição passiva tributária, assim entendida como a aptidão para ser sujeito passivo da relação jurídica tributária, e se aquela alcançaria a figura do nascituro. Cremos que a questão é merecedora de pesquisa uma vez que é possível a ocorrência de fato gerador de alguns tributos a partir de um negócio jurídico que envolva o nascituro, como, por exemplo, um contrato de doação onde figura este como donatário. A questão envolve, em primeiro lugar, questões atinentes ao Direito Tributário, ramo do direito classificado como de Direito Público, em que há o apego à legalidade: seria o nascituro sujeito passivo da obrigação tributária apesar da falta de previsão legal? O Código Tributário Nacional, no seu art. 134, I, traz da possibilidade de um filho menor ser sujeito passivo de tributo, figurando seus pais como responsáveis tributários. O mesmo Codex silencia no tocante ao nascituro. Repisamos: a falta de previsão legal importaria em não ter o nascituro o status de contribuinte, mesmo diante da ocorrência de fato gerador em que o nascituro tivesse relação pessoal e direta? Além desta temática central, não se poderia deixar de analisar a sempre rica discussão que a doutrina do Direito Civil trava em relação ao início da personalidade jurídica da pessoa natural – se esta se daria com o nascimento com vida ou se com a concepção - e se o nascituro teria, por consequência, personalidade jurídica. Tal problema tem relação com a questão nodal deste trabalho, pois também analisaremos se a sujeição passiva tributária, que independe da capacidade civil das pessoas naturais, também independeria da personalidade jurídica. Se a massa falida e o espólio podem ser sujeitos passivos da obrigação tributária, mesmo sendo entes despersonificados, o nascituro, que não seria sujeito de direito, desprovido de personalidade para os adeptos da teoria natalista, também poderia ser contribuinte? Que repercussão tributária teria uma doação realizada a um nascituro que não nascesse com vida? Estas questões serão desenvolvidas no decorrer deste trabalho. O aviamento do presente artigo se deu através de pesquisa bibliográfica em obras de Direito Civil e Direito Tributário, além da análise da interpretação, inclusive jurisprudencial, de dispositivos do Código Tributário Nacional e de pesquisa em sítios jurídicos.


2. RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA E SEU SUJEITO PASSIVO

O Código Tributário Nacional, lei nº 5172/66, estabelece o conceito de tributo no seu art. 3º:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Tributo é entendido como prestação obrigatória que, para FALCÃO (1981, p. 25), significa “ato de dar ou fazer alguma coisa, ato de pagar”. Assim cabe ao devedor entregar ao Estado, compulsoriamente, parte de seu patrimônio a Fazenda Pública, em pecúnia ou em forma que a expresse, que a ela tenha referência. Essa obrigação decorrente da lei e nasce a partir da prática de um ato lícito realizado, diferenciando, diametralmente, o tributo da multa. A atividade do fisco em calcular e cobrar o montante do tributo devido se dá a partir de um procedimento administrativo vinculado denominado lançamento tributário.

Merece destaque que a palavra tributo comporta várias acepções, embora análogas: quantia em dinheiro, prestação (dever); direito do sujeito ativo; relação jurídica; norma; norma, fato e relação jurídica.

Como obrigação ex lege, é preciso que a norma legal traga a previsão, in abstrato, de uma situação hábil a deflagrar, a fazer nascer a relação jurídica tributária: a hipótese de incidência, que ATALIBA (2001, p. 58) assim leciona:

A h.i. é primeiramente a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato, é seu desenho).

É, portanto, mero conceito, necessariamente abstrato. É formulado pelo legislador fazendo abstração de qualquer fato concreto. Por isso é mera “previsão legal” (a lei é, por definição, abstrata, pessoal e geral).

Para que surja o liame obrigacional entre Estado – credor da obrigação - e o devedor da prestação, é necessária que a hipótese de incidência se realize no mundo fático, seja concretizada. Imprescindível que ocorra, pois, o fato gerador ou fato imponível, que é o fato concreto ocorrido que corresponde rigorosamente a descrição formulada abstratamente na formulação legal da hipótese de incidência. Deve haver o fato gerador e a subsunção, que é “o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética em lei” ATALIBA (2001, p. 69).

Realizado o fato gerador e havendo a subsunção do fato a norma, a obrigação tributária se estabelece, tendo esta como elementos: sujeito ativo (credor da obrigação), que segundo o art. 119 do Código Tributário Nacional - CTN, “é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”, embora seja admitida a delegação da aptidão para cobrar, fiscalizar e cobrar tributos – a capacidade tributária ativa – a um ente parafiscal; sujeito passivo e a própria prestação que, segundo o art. 113 e parágrafos do CTN, poderá ser principal e acessória: esta como obrigação instrumental, que tem como “objeto as prestações positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos” e aquelas entendidas como a obrigação que tem como “objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”.

O sujeito passivo é o devedor da obrigação tributária, da prestação. O CTN traça quem pode ser sujeito passivo da obrigação tributária ao definir a sujeição tributaria passiva no seu art. 126:

Art. 126. A capacidade tributária passiva independe:

I - da capacidade civil das pessoas naturais;

II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;

III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.

Para CARVALHO (2007, p. 338), capacidade tributária passiva é a “habilitação que a pessoa, titular de direitos fundamentais, tem para ocupar o papel de sujeito passivo de relações jurídicas de natureza fiscal”.

Denota-se que a intenção do legislador foi a de tornar bastante amplo o alcance do conceito de sujeito passivo da obrigação tributária, pois tanto o civilmente capaz quanto o incapaz são sujeitos passivos; tanto a pessoa natural que sofra alguma restrição em sua atividade civil, comercial ou profissional como a pessoa natural em situação regular também o será, assim como a pessoa jurídica, regularmente constituída ou não. Parece-nos que o legislador, ao estabelecer a capacidade tributária passiva com a redação do art 126, CTN, que afirma que a capacidade tributária passiva independe das situações dos incisos I, II e III, quis dar a aquela contornos com a maior envergadura possível.

Não concordamos com a posição de COSTA (2014, p. 214-215), que sustenta que

Distingue essa capacidade para figurar no polo passivo da obrigação tributária daquela capacidade para realizar o fato jurídico tributário, esta sim passível de ser desfrutada por ente ao qual o direito positivo não atribua sequer personalidade jurídica. Conclui, dessarte, que o sujeito capaz de realizar o fato jurídico tributário, ou dele participar, pode, perfeitamente, não ter personalidade jurídica de direito privado; contudo, o sujeito passivo da obrigação tributária haverá de tê-lo, impreterivelmente.

Logo, um menor pode realizar o fato jurídico tributário: se auferir renda, nascerá a obrigação de pagar o IR. No entanto, não detém capacidade tributária passiva, pelo que, no polo passivo da respectiva obrigação, figurará pessoa capaz – pai ou responsável. Igualmente, uma sociedade de fato pode realizar operações mercantis e, com isso, dar ensejo à obrigações de pagar ICMS. No polo passivo da obrigação não pode figurar, porquanto destituída de personalidade jurídica. Responderão pelo débito tributário as pessoas físicas dela gestoras.  

O entendimento acima ventilado, “data maxima venia”, colide frontalmente com o que pensamos sobre o sujeito passivo da obrigação tributária e fere os arts. 126 e 134, I, CTN, dispositivo este que nos debruçaremos em seguida. O menor será contribuinte de IR no exemplo trazido pela autora: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis os pais pelos tributos devidos por seus filhos menores. Se o menor puder ser exigido em relação a obrigação tributária, ele figurará sozinho no polo passivo. O pai será devedor em caso de ocorrer a referida impossibilidade.

Deste modo, pensamos como SCHOUERI (2011, P. 475) que leciona que

Não se confunde, portanto, com a capacidade de direito, regulada pela legislação civil.

Por isso mesmo, a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil das pessoas físicas, de interdições ou de ter sido a pessoa jurídica regularmente constituída como tal.

Assim, não deve causa espécie o fato de um menor incapaz poder ser contribuinte de qualquer imposto. Basta, por exemplo, que seja proprietário de um imóvel, para ser contribuinte do IPTU; auferindo algum rendimento, incorrerá no fato jurídico tributário próprio do Imposto de Renda e assim sucessivamente.

De igual modo, uma sociedade irregular, posto que não dotada de personalidade jurídica, poderá constituir unidade autônoma, auferindo lucro, para efeito de Imposto de Renda.

Por fim, o art. 121, parágrafo único, incisos I e II, do CTN, trata do sujeito passivo da obrigação principal tributária e as suas duas espécies: “contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; ou responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.


3. Personalidade Jurídica e Nascituro.

Nascituro é um indivíduo que já foi concebido mas não nasceu, o que está ainda no ventre da mãe. Discute-se se o nascituro teria personalidade jurídica ou não, esta entendida nos seguintes termos por BEVILÁQUA (1999, p.81), que assim leciona:

“a personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem essa última, não se poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se confundem. Certamente o indivíduo vê na sua personalidade jurídica a projeção de sua personalidade psíquica, ou, antes, um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se ou adquirindo novas qualidades. Todavia, na personalidade jurídica intervém um elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende essencialmente, do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a força ativa. Assim, a personalidade jurídica é mais que processo superior da atividade psíquica; é uma criação social, exigida pela necessidade de pôr em movimento o aparelho jurídico, e que, portanto, é modelada pela ordem jurídica”.

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Destaca Beviláqua que a personalidade jurídica tem relação íntima com a personalidade psíquica. Em primeiro lugar, é preciso que o sujeito de direitos tenha personalidade psíquica para, em um segundo momento, o ordenamento jurídico conferir a todos que tem personalidade psíquica a personalidade jurídica.

Segundo GOMES (2001, p. 141), a personalidade jurídica  

“é um atributo jurídico. Todo homem, atualmente, tem aptidão para desempenhar na sociedade um papel jurídico, como sujeito de direitos e obrigações. Sua personalidade é institucionalizada num complexo de regras declaratórias das condições de sua atividade jurídica e dos limites a que se deve circunscrever. O conhecimento dessas normas interessa a todo o Direito Privado, porque se dirige à pessoa humana considerada na sua aptidão para agir juridicamente. Têm-se também os grupos de indivíduos constituídos na forma da lei”. 

Leciona Orlando Gomes que a personalidade jurídica é um atributo jurídico, sendo independente de qualquer manifestação do indivíduo ou mesmo de sua consciência ou nível de discernimento psíquico, sendo um status conferido pelo ordenamento jurídico. PEREIRA (1997, p. 142), citando DE PAGE, leciona que

“não depende esta da consciência ou da vontade do indivíduo. (...) a personalidade, atributo inseparável do homem dentro da ordem jurídica, qualidade que não decorre do preenchimento de qualquer requisito psíquico e também dele inseparável”.

GAGLIANO (2013, p. 128) é bem mais conciso ao afirmar que personalidade jurídica “é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito”.

O Código Civil brasileiro prevê em seu artigo 1º a regra de que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” e não toda homem, uma vez que tanto pessoas naturais quanto morais possuem personalidade jurídica, esta adquirindo com a sua regular constituição, o seu registro perante o órgão competente. Prevê o mesmo Código, no artigo seguinte, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Para VENOSA (2003, p. 161), o nascituro, embora não tenha personalidade jurídica, tem um regime de proteção no Direito Civil e no Direito Penal, uma vez que a interrupção de seu desenvolvimento constitui crime de aborto (art. 124 a 128, CP), além de poder ser objeto de reconhecimento voluntário de filiação, art. 1609, CC; deve ser nomeado curador se o pais vierem a falecer estando a mulher grávida e não tiver o pátrio poder, art. 1779, CC; pode ser beneficiário de doação pelos pais, art 542, CC. Além disso, o nascituro pode receber doação testamentária e pleitear alimentos gravídicos nos moldes da lei 11804/08.

Em relação ao início da personalidade jurídica da pessoa natural, a doutrina se divide em três principais correntes: para a teoria natalista, a aquisição da personalidade se dá com o nascimento com vida, não sendo sujeito de direitos, antes de seu nascimento, possuindo o nascituro mera expectativa de direito. PEREIRA (1997, p. 144) assinala que o Direito Romano adotava a teoria natalista, “uma vez que a personalidade jurídica coincidia com o nascimento, antes do qual não havia falar em sujeito ou objeto de direito”. O feto, nas entranhas maternas, era parte da mãe: “portio mulieris vel viscerum”. Aponta TARTUCE (2012, p. 118) o problema trazido pela teoria natalista, uma vez que se o nascituro não seria sujeito de direitos, ele seria coisa?

Para a teoria concepcionista, a aquisição da personalidade se dá com a concepção, sendo o nascituro pessoa humana. O Código Civil Argentino, inspirado no Esboço do Código Civil de Teixeira de Freitas, adota tal teoria:

TITULO IV

De la existencia de las personas antes del nacimiento

Art. 70. Desde la concepción en el seno materno comienza la existencia de las personas y antes de su nacimiento pueden adquirir algunos derechos, como si ya hubiesen nacido. Esos derechos quedan irrevocablemente adquiridos si los concebidos en el seno materno nacieren con vida, aunque fuera por instantes después de estar separados de su madre.

Art. 71. Naciendo con vida no habrá distinción entre el nacimiento espontáneo y el que se obtuviese por operación quirúrgica.

Art. 72. Tampoco importará que los nacidos con vida tengan imposibilidad de prolongarla, o que mueran después de nacer o por nacer antes de tiempo.

Art. 73. Repútase como cierto el nacimiento con vida, cuando las personas que asistieren al parto hubieren oído la respiración o la voz de los nacidos, o hubieren observado otros signos de vida.

Art. 74. Si muriesen antes de estar completamente separados del seno materno, serán considerados como si no hubiesen existido.

Art. 75. En caso de duda de si hubieran nacido o no con vida, se presume que nacieron vivos, incumbiendo la prueba al que alegare lo contrario.

Art. 76. La época de la concepción de los que naciesen vivos, queda fijada en todo el espacio de tiempo comprendido entre el máximum y el mínimum de la duración del embarazo.

Art. 77. El máximo de tiempo del embarazo se presume que es de trescientos días y el mínimo de ciento ochenta días, excluyendo el día del nacimiento. Esta presunción admite prueba en contrario.

Art. 78. No tendrá jamás lugar el reconocimiento judicial del embarazo, ni otras diligencias como depósito y guarda de la mujer embarazada, ni el reconocimiento del parto en el acto o después de tener lugar, ni a requerimiento de la propia mujer antes o después de la muerte del marido, ni a requerimiento de éste o de partes interesadas.

Ensina DINIZ (2012, p. 222) que haveria a personalidade jurídica em dois âmbitos: formal, relacionado com os direitos da personalidade, que o nascituro já tem desde a concepção; e material, relacionado com os direitos patrimoniais, estes só adquiridos com o nascimento com vida.

Também digno de nota a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal que reconheceu a personalidade jurídica do nascituro (Processo nº 436/07.6TBVRL.P1.S1, 2ª SECÇÃO, relator Álvaro Rodrigues; data do acórdão: 03/04/2014), decisão divulgada no Portal Consultor Jurídico:

“O nascituro é um ser humano vivo com toda a dignidade que é própria à pessoa humana. Não é uma coisa. Não é uma víscera da mãe.” A afirmação é do estudioso Pedro Pais de Vasconcelos, professor na Faculdade de Direito de Lisboa, e foi usada como fundamento pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal para decidir que um bebê tem direito de receber indenização por danos morais porque seu pai morreu antes dele nascer.

No julgamento, o STJ reconheceu em Portugal que, desde o momento da concepção até a morte, existe vida com personalidade jurídica, que deve ser protegida pelo Estado. Pelo entendimento consolidado, não cabe à lei nenhuma retirar qualquer direito de um nascituro. (...)

A discussão girou em torno da interpretação do artigo 66 do Código Civil de Portugal. O dispositivo estabelece: “A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”. Para o tribunal de segunda instância, o artigo deixa claro que o nascituro não tem personalidade jurídica e não pode, por isso, ter a sua dignidade ofendida.

Os juízes do STJ, no entanto, entenderam de maneira diferente. Eles foram buscar na doutrina do Direito Civil uma interpretação menos literal ao dispositivo. Concluíram que a partir do momento da concepção, já existe um ser humano dotado de personalidade jurídica. Não cabe à lei retirar esse direito.

Na mesma decisão, O STJ Português apreciou a natureza jurídica do nascituro, que não poderia ser uma “simples massa orgânica, uma parte do organismo da mãe ou, na clássica expressão latina, uma portio viscerum matris”. Para aquela corte, nascituro é um ser humano e, por isso, já com a dignidade da pessoa humana.

Por fim, a terceira corrente, que tem como expoentes Washington de Barros Monteiro, Miguel Maria de Serpa Lopes, Clóvis Beviláqua e Arnaldo Rizzardo, a teoria da personalidade condicionada em que temos um sujeito de direito desde a concepção com direitos sob condição suspensiva. A aquisição da personalidade se daria ainda no ventre materno, mas a titularidade de direitos com projeção patrimonial só ocorreria com o nascimento com vida. GAGLIANO (2013, p.131) arremata que:

“[...] essa personalidade confere aptidão apenas para a titularidade de direitos da personalidade (sem conteúdo patrimonial), a exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável, uma vez que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida (condição suspensiva).”

A personalidade jurídica tem como elementos a capacidade de direito ou de gozo, que é a capacidade de todos que detém a personalidade jurídica; e a capacidade de fato ou de exercício, relacionada com o exercício próprio dos atos da vida civil. Quem tem ambas tem capacidade civil.

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Sobre o autor
Cláudio Henrique Leitão Saraiva

Professor de Direito Tributário da Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Advogado Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduado (lato sensu) em Direito Civil pela Universidade de Fortaleza-CE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAIVA, Cláudio Henrique Leitão. Sujeição passiva tributária do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4409, 28 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34173. Acesso em: 25 abr. 2024.

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