1. INTRODUÇÃO
A indagação decorre da terminologia utilizada para nomear o testamento vital, em paralelo ao testamento causa mortis. Para esclarecer a qual ramo da ciência do direito pertence o testamento vital é necessário confrontar seus elementos essenciais com os que constituem o testamento causa mortis, aquele disciplinado pelo Código Civil, e o testamento vital, para o qual não há tutela legal.
2. CONCEITOS
Definir essencialmente um objeto é explicitar as notas essenciais desse objeto de conhecimento[2].
A essência é a soma de predicados, que, por sua vez, dividem-se em dois grupos: predicados que convêm à substância, de tal sorte que se lhe faltasse um deles não seria o que é, e predicados que convêm à substância mas que ainda que algum deles faltasse, continuaria a ser a substância o que é. Aqueles primeiros são a essência propriamente dita, porque se algum deles faltar à substância, ela não seria aquilo que é; os segundos são o acidente porque o fato de tê-los, ou não, não impede de modo algum que seja aquilo que é[3].
2.1 TESTAMENTO VITAL
Tratando-se de definir institutos jurídicos, é pacífico na doutrina de que essa não é tarefa da qual deve o legislador se ocupar. Entretanto, a doutrina nacional ainda não esgotou a tarefa de traçar as linhas delineadoras do testamento vital, motivo pelo qual recorreu-se à legislação portuguesa que com a Lei 25/2012[4] regulou as diretivas antecipadas de vontade, que deverão se manifestar na forma de testamento vital, difinindo-o em seu artigo 2º, I:
documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal autonomamente.
Verifica-se do conceito utilizado pelo legislador português a referência a requisitos que deve preencher o sujeito que manifesta sua vontade. Salvo melhor julgamento, é tarefa desnecessária, pois maioridade e capacidade do testador não são elementos constitutivos do instituto do testamento vital, sendos estes o objeto do presente trabalho.
O legislador português cuidou das solenidades necessárias à validade do testamento vital no artigo 3º ao tratar da forma que o instrumento do testamento deve se apresentar:
Artigo 3ª: 1 - As diretivas antecipadas de vontade são formalizadas através de documento escrito, assinado presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital ou notário, do qual conste: a) A identificação completa do outorgante; b) O lugar, a data e a hora da sua assinatura; c) As situações clínicas em que as diretivas antecipadas de vontade produzem efeitos.
No artigo 12º, item 1 determinou a gratuidade em relação ao testamenteiro:
Artigo 12º: 1 — A procuração de cuidados de saúde é o documento pelo qual se atribui a uma pessoa, voluntariamente e de forma gratuita, poderes representativos em matéria de cuidados de saúde, para que aquela os exerça no caso de o outorgante se encontrar incapaz de expressar de forma pessoal e autónoma a sua vontade.
2.2 TESTAMENTO CAUSA MORTIS
Do exame da doutrina nacional, há unanimidade quanto à definição de testamento causa moris empregada por Maria Helena Diniz ao citar José Lopes de Oliveira como:
ato personalíssimo, unilateral, gratuito, solene e revogável, pelo qual alguém, segundo norma jurídica, dispõe, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte, ou determina providências de caráter pessoal ou familiar[5].
3. ELEMENTOS CONSTITUINTES
Analisando os elementos constituintes e as exigências quanto à forma e onerosidade do testamento vital, constata-se as respectivas características: a) unliateralidade; b) revogabilidade; c) caráter personalíssimo; d) solenidade e e) gratuidade.
Verifica-se, também, ser objeto do testamento vital cuidados de saúde que o testador deseja receber ou não, na hipótese da perda da capacidade de manifestar autonomamente sua vontade.
Interpretando o testamento causa mortis pelo mesmo método que interpretou-se o testamento vital, é possível encontrar elementos pertinentes aos dois institutos. Entretando, há diferenças quanto ao objeto sobre o qual recai a manifestação de vontade e a hipótese em que ela produz efeitos.
O objeto do testamento causa mortis pode ter natureza patrimonial e/ou não patrimonial. O objeto do testamento vital tem natureza não patrimonial. Entretanto, na hipótese de manifestação de vontade de natureza não patrimonial, no testamento causa mortis são inúmeras as possibilidades de objeto, ao passo que no testamento vital o objeto restringe-se aos cuidados de saúde que o testador deseja ou não receber.
Quanto à hipótese em que produzirão efeitos, o testamento causa mortis necessariamente produz efeito após o fenômeno morte do testador, enquanto o testamento vital produz efeito após o fenômeno que retira do testador a capacidade de manifestar a vontade autonomamente.
4. CONCLUSÃO
Feito o exercício de confrontar os conceitos de testamento causa mortis e testamento vital; analisar os elementos constituintes desses institutos; delimitar seus respectivos objetos e hipótese de produção de efeitos, sem esgotar o tema, conclui-se que, na ciência do direito, o testamento vital, apesar do nome que leva, não está contido no conjunto dos objetos tratado pelo direito das sucessões.
Referências
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à cidência do direito, 22 ed., São Paulo, Saraiva, 2011.
_________________. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 6, Direito das Sucessões, 27ª ed., Saraiva, 2013.
PORTUGAL. Lei nº 25/2012, de 16 de julho de 2012.
Notas
[2] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à cidência do direito, 22 ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 257 apud BERRÕN, 1972, p. 7.
[3] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à cidência do direito, 22 ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 257 apud MORRENTE, 1972, p. 76 e 96.
[4] PORTUGAL. Lei nº 25/2012, de 16 de julho de 2012.
[5]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 6, Direito das Sucessões, 27ª ed., Saraiva, 2013.