Texto elaborado sob a vigência da Lei nº 1.533/51, já revogada.
O mandado de segurança é e sempre será assunto para colóquios, congressos e publicações jurídicas, não se vislumbrando, ao menos por enquanto, qualquer possibilidade de arrefecimento das inúmeras controvérsias a seu respeito. Em meio às comemorações pelo cinqüentenário da edição da lei que regulamenta a garantia constitucional, venho apresentar a minha contribuição, ainda que de forma serôdia, à solução de uma tormentosa questão, objeto de discussões há mais de trinta anos: a recorribilidade das decisões interlocutórias em mandado de segurança —e, aqui, avulta a importância na análise da recorribilidade da decisão que nega ou concede a liminar.
O tema, como disse, não é novo. Duas são, basicamente, as correntes em derredor do assunto: a) a que admite a recorribilidade das decisões interlocutórias em mandado de segurança, aplicando-se o recurso de agravo previsto no CPC; b) a que defende a irrecorribilidade, ao fundamento da especialidade do rito, que, com a marca da celeridade, não poderia permitir o retardamento com a interposição do recurso contra as decisões não-finais. Já o enfrentaram inúmeros mestres. Não é o caso de citá-los todos, bastando a referência a três conhecidos ensaios a respeito do tema: a) a favor da recorribilidade, consultem-se, por todos, Cássio Scarpinella Bueno. Liminar em mandado de segurança. 2ª. ed. São Paulo: RT, 131-137; Teresa Arruda Alvim Wambier. Os agravos no CPC brasileiro. 3ª. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 478-484; b) pugnando pela irrecorribilidade, com ampla demonstração dos fundamentos levantados pela doutrina e pela jurisprudência, Araken de Assis. Doutrina e Prática do Processo Civil Contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 277-290. Ao que parece, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia se vem inclinando para a corrente restritiva.
Apesar da intensa e valiosa discussão, ao que parece o problema já foi resolvido de lege lata. Há dispositivos legais que regulamentam o assunto, prevendo expressamente o cabimento do agravo de instrumento contra a decisão liminar.
A Lê Federal n. 4.348/64 é uma das várias que regra o instituto do mandado de segurança, sendo importantíssima exatamente no que diz respeito ao estudo do provimento antecipatório (liminar) nele previsto. O seu art. 4º., §2º, manda sejam aplicados ao mandado de segurança os dispositivos normativos constantes na Lei Federal 8.437/92, mais especificamente os §§5º a 8º do art. 4º dessa lei. Forma-se um sistema de "vasos comunicantes" entre os dois diplomas legislativos, que devem ser interpretados, portanto, conjunta e harmoniosamente.
O §6º do art. 4º da lei de 1992 (acrescentado pela MP 2.180-35/2001) está assim redigido: "A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo". A leitura desse texto nos leva a três inexoráveis conclusões: a) permite-se expressamente a interposição simultânea de agravo e do pedido de suspensão da segurança contra decisões liminares; b) esta permissão, por força do quanto prescrito na LF 4.348/64, aplica-se ao mandado de segurança; c) prevê-se, pois, explicitamente, o cabimento do agravo contra a decisão liminar em mandado de segurança.
Nem precisava disto, é verdade, para que se entendessem recorríveis as interlocutórias em mandado de segurança. O Superior Tribunal de Justiça já o havia feito, como constatou o Min. José Delgado, relatando o Recurso Especial n.º 426439-MG, em 09.09.2002. Mas como o principal argumento utilizado pelos que não admitiam o agravo era a suposta existência de um regime recursal independente, previsto na lei de mandado de segurança (que exatamente por ser de 1951 não contemplava o agravo nos moldes em que instituído em 1973), a vigência de texto expresso parece pôr a última pá de cal na discussão, inumando-a de uma vez. Oxalá!