6 Os “rolezinhos” e a perturbação do trabalho alheio
O que se percebe, por meio dos meios de comunicação, é que não constitui objetivo dos “rolezinhos” a promoção de atos que causem transtorno ao bom funcionamento dos shoppingcerters. De forma definitiva, a maioria dos jovens participantes dos eventos ora analisados não visainvadir lojas, pilhar mercadorias, provocar algazarras, promover correrias ou qualquer outro ato que embarace o funcionamento dos centros de compra.
Entretanto, também é evidente que por conta do excessivo número de participantes, os “rolezinhos” acabam, mesmo que involuntariamente, causando algum tipo de transtorno ao estabelecimento comercial, prejudicando o exercício da atividade laboral. Em um dos encontros, por exemplo, foram contabilizados 6.000 (seis mil) participantes. É quase impossível que, em um evento com esse porte, realizado em um espaço impróprio, não haja algum tipo de desalinho.
O Decreto-Lei 3.688/41estabelece em seu art. 42, inciso I, que perturbar alguém o trabalho alheiocom gritaria ou algazarra constitui contravenção penal, punida com prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
A lei de contravenções penais busca tutelar o direito ao sossego no momento em que o indivíduo exerce sua atividade laboral. Buscar assegurar ao cidadão a tranqüilidade necessária à realização plena e de forma pacífica de sua atividade profissional. Não é razoável aceitar que o cidadão, em seu trabalho, do qual retira o sustento de sua família, tenha sua paz perturbada.
É evidente que os jovens conservam em seu poder a faculdade de realizar tais confraternizações, faculdade assegurada pela liberdade de locomoção. Entretanto, não se pode olvidar que estão em jogo outros interesses, igualmente relevantes, que devem ser levados em consideração, a saber: o direito de sossego, mais especificamente, o direito de sossego daqueles que se encontram em labor.
A partir do momento em que os participantes dos eventos alcunhados de “rolezinhos”passam a se portar de forma a atingir o direito de sossego dos cidadãos que se encontram no exercício de suas atividades profissionais, atuando de forma desordeira, com gritarias, correrias, algazarras,desviando-se da finalidade do evento, perturbando a paz alheia, passam a incorrer na contravenção supracitada.
Para se ter como exemplo, no dia 08 de dezembro de 2013 o shopping Itaquera, em São Paulo, foi tomado por cerca de 6.000 “rolezeiros”. O abalo provocado pelo evento foi muito além do que pode ser considerado razoável. Os jovens fizeram o uso de gritos de guerra que ecoavam de forma ensurdecedora pelos corredores do shopping, desobedeceram as orientações dos profissionais de segurança, os agredindo verbalmente com palavras ofensivas. Diante do descontrole provocado pelo evento, a gerência do shopping solicitou amparo por parte da polícia militar, que, ao tentar controlar a situação, teve seus agentes feridos por objetos arremessados pelos baderneiros. Os comerciantes se viram obrigados a fechar as portas e os usuários que não participavam do “rolezinho” ficaram acuados nos corredores esperando a oportunidade de sair do local de forma segura.
Na parte externa do shopping, os jovens promoveram um festival improvisado de dança. Uma patrulha de segurança tentou impedir, mas foram hostilizados. Alguns jovens subiram no capô da viatura e enfrentaram os profissionais de segurança, enquanto outros bradavam gritos de incentivo.
Como foi visto, no caso concreto acima exposto, os profissionais do shopping se viram inteiramente obstados de exercer livremente e de forma pacífica suas atividades. Como já foi defendido, não é aceitável que o trabalhador não disponha da tranqüilidade necessária ao exercício de seu labor.
7 Os “rolezinhos” e a lei 7.716/89 – lei que trata dos crimes de discriminação
Com o advento dos “rolezinhos” muitos shoppings intensificaram a segurança. Em alguns deles, foram postos funcionários em seus acessosdestinados a impedir a entrada dos indivíduos que pretendiam participar dos eventos analisados no presente trabalho acadêmico.
A indagação que surge é se não constitui crime de discriminação o fato de os seguranças impedirem a entrada de determinado indivíduo no shopping, utilizando como critério o suposto fato de que o sujeito se dirige para o local a fim de participar de um pretenso “rolezinho”.
A lei nº 7.716/89 que cuida dos crimes de racismo assevera em seu art. 5º que constitui crime “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador”.
Entretanto, além dos fatos que configuram crime de discriminação, o legislador também estabeleceu na referida lei elementos motivadores a prática do ato. A lei, em seu art. 1º, assevera que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” (grifo nosso)
O que se percebe é que a lei firma um elemento subjetivo. Para que seja configurado o crime de racismo, o fator motivacional deve estar relacionado à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Significa dizer que, se determinado indivíduo, por motivo não ligado à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, praticar algum ato descrito na lei 7.716/89 tal indivíduo não estará praticando crime de discriminação.
Como o direito penal não admite interpretação extensiva, não se pode interpretar a norma no sentido de também considerar crime de discriminação atos praticados por motivos não previstos na lei.
Por falha legislativa ou desejo político, o fato é que não incorre no crime de discriminação o agente que impede determinado individuo de adentrar no shopping porque suas vestes foram julgadas inadequadas para o estabelecimento, ou porque se encontra embriagado, ou porque padece de distúrbios psicológicos, ou por qualquer outro motivo que não esteja ligado à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Nesse diapasão, se determinado indivíduo for proibido de adentrar no shopping porque se suspeita que ele almeja participar de um “rolezinho” não restará caracterizado crime de discriminação.
Se é ou não justo, não adentrarei nessa seara, tendo em visto que tal discussão foge da tema em estudo.
8 Conclusão
Diante do que foi exposto ao longo do presente trabalho acadêmico, pode-se afirmar, inicialmente, os eventos denominados de “rolezinhos” não se prestam a fins políticos. Como já exposto, os “rolezeiros” não pretendem expor qualquer tipo de pensamento, não buscam expressar publicamente suas ideologias ou mesmo difundir filosofias. Logo, não se pode classificar os “rolezinhos” como sendo um ato político.
Também se pode asseverar que as reuniões alcunhadas de “rolezinhos” não estão protegidas pelo pela norma constitucional que trata do direito de reunião (art. 5º, ). Como foi asseverado, ao editar a referida norma o constituinte desejava resguardar o direito de livre manifestação de pensamento. Logo, o que se busca proteger são as reunião que tenham como fim a discussão de idéias relevantes para a coletividade.Como foi dito, a realização dos “rolezinhos” é tutelada constitucionalmente, porém, não pelo direito de reunião, mas sim por outras tutelas, como a liberdade de locomoção.
Ademais, não é razoável aceitar que eventos como os “rolezinhos” possam perturbar a tranqüilidade daqueles que se encontram no exercício de suas atividades profissionais. Os “rolezeiros” podem sim atuar de forma livre, desde que não molestem o direito ao sossego dos demais cidadãos, mais precisamente, daqueles que se acham em labor.
Como foi dito, a natureza jurídica dos shoppings é de caráter privado, são estabelecimentos particulares, sujeitos ao regime jurídico de direito privado. Não é admissível que os empreendimentos ali estabelecidos tenham seu funcionamento embaraçado. O shopping se destina à compra e venda de mercadorias e serviços, a partir do momento que essa finalidade é desviada os empreendimentos são prejudicados. Não se pode aquiescer que a propriedade privada seja molestada em prol dos “rolezinhos”. Nesse caso, o direito de locomoção deve ser limitado pelo direito de propriedade.
Foi aclarado, também, que o fato de os seguranças dos shoppings impedirem a entrada de determinado indivíduo que se dirija à entrada do shopping a fim de participar de um “rolezinho” não constitui crime de discriminação. É que para ser caracterizado o crime supracitado é necessário que o fator motivacional esteja ligado ou a raça, ou a cor, ou a etnia, ou a procedência nacional. No caso dos “rolezinhos”, o motivo que leva a administração do shopping a impedir a entrada dos “rolezeiros” é outro, a saber: evitar um potencial tumulto no centro comercial. Logo, não há de se falar em crime de discriminação.
Diante de tudo que foi exposto, chega-se a conclusão de que aceitar de forma irrestrita a realização dos “rolezinhos” põe em risco o direito de propriedade. Não é razoável exigir do proprietário que se abstenha de impor medidas para preservar seu patrimônio. Seria, pois, um paradoxo, tendo em vista ser o Brasil um país de sistema econômico capitalista e que tutela, em sua Carta Constitucional, o direito de propriedade.
REFERÊNCIAS:
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33ª ed. Malheiros editores. 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 36ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAIS, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. Editora Atlas. 2002.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional.3ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.
ROSA, Emanuel Motta da. Artigo: um “rolezinho” jurídico. Portal jus brasil. Disponível em: http://emanuelmotta.jusbrasil.com.br/artigos/121943620/um-rolezinho-juridico
*disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/shoppings-vao-fechar-quando-houver-convocacoes-de-rolezinhos-diz-alshop