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As três formas de Administração Pública na evolucão do Estado Moderno

26/10/2015 às 11:44

Resumo:


  • A Administração Pública Patrimonialista caracterizava-se pela ausência de distinção entre o patrimônio do Estado e o do soberano, com práticas de corrupção e nepotismo.

  • A Administração Pública Burocrática surgiu como resposta ao patrimonialismo, adotando princípios de profissionalização, hierarquia, impessoalidade e controle prévio de processos.

  • A Administração Pública Gerencial foca na eficiência e qualidade dos serviços, com ênfase em resultados e maior participação do setor privado e da sociedade civil na gestão pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Administração patrimonialista, a burocrática e a gerencial sintetizam, idealmente, três distintas maneiras de gestão do patrimônio do Estado.

Na evolução do Estado moderno, é possível observar significativas mudanças na relação da sociedade com o patrimônio público. Essas diferentes posturas da sociedade em relação à res publica podem ser resumidas naquilo que a doutrina passou a denominar de “as três formas de Administração Público”, as quais sintetizam, idealmente, três distintas maneiras de administração do patrimônio do Estado. Os diferentes perfis de Administração Pública que se sucederam são: a Administração Pública Patrimonialista, a Administração Pública Burocrática e a Administração Pública Gerencial.

Na Administração Pública Patrimonialista, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores possuem status de nobreza real. Os cargos são considerados prebendas e não há diferença entre res publica e res principis. Consequentemente, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração.

No patrimonialismo, não é possível afirmar que existe coisa pública em sentido contemporâneo, uma vez que o próprio Estado se confunde com patrimônio do soberano, sendo mera extensão daquilo que lhe pertence. O interesse perseguido é sempre o de quem detém o aparelho de Estado em suas mãos, não se podendo falar, nesse momento, de institutos básicos da moderna Administração Pública, como a ideia de supremacia e indisponibilidade do interesse público, separação do servidor de seu cargo, entre outros (ACUNHA, 2013, p. 26).

Com a afirmação do capitalismo e da democracia, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado e, a partir desse momento histórico, a Administração Patrimonialista torna-se inaceitável. A reação ao Ancien Régime e a prevalência dos ideais da burguesia contra o autoritarismo e a ausência de segurança jurídica, marcados pelo surgimento do Estado Liberal, conduz a uma nova forma de organização e gestão da coisa pública. Nesse momento, separa-se a esfera dos interesses dos indivíduos (interesses privados) da esfera do interesse da coletividade (o interesse público), atribuindo-se ao Estado a missão primordial de buscar a satisfação desse último, embora não de forma exclusiva, já que, em inúmeras situações, o ordenamento jurídico confere ao particular a legitimidade para realizar e defender o interesse público, ainda que esse possa ser utilizado como instrumento contrário aos interesses da própria Administração Pública (interesse coletivo e interesse da Administração não se confundem) (ACUNHA, 2013, p. 26).

A Administração Pública Burocrática surge como uma reação ao modelo anterior (Administração Pública Patrimonialista), buscando combater a corrupção e o nepotismo patrimonialistas e apresenta como princípios orientadores de seu desenvolvimento a profissionalização, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, a legalidade, em síntese, o poder racional.

Nesse modelo, os controles administrativos são sempre a priori, pois parte-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem demandas. Daí a necessidade de controles rígidos de processos, como, por exemplo, na admissão de pessoal, nas compras e no atendimento a demandas (BRASIL, 1995, p. 15).

Em termos gerais, o modelo burocrático é constituído por procedimentos formais feitos por funcionários especializados com competências fixas, sujeitos ao controle hierárquico. No modelo burocrático, como já indicado acima, procurou-se separar a esfera dos interesses dos indivíduos (interesse privado) daquela atinente ao interesse da coletividade (o interesse público), atribuindo-se ao Estado não o monopólio do último – visto que, como se sabe, interesse coletivo e interesse da Administração não se confundem -, mas a missão primordial de buscar a sua satisfação.

Em resumo, a Administração Pública Burocrática enfatiza aspectos absolutamente formais, controlando processos de decisão, estabelecendo uma hierarquia funcional rígida, baseada em princípios de profissionalização, formalismo, entre outros. O que é relevante, nesse tipo de controle, é o “como” (controle de meio de atuação, ou controle de processos), a observância do atendimento às prescrições legais em todos os momentos de atuação dos agentes do Estado (princípio da legalidade), e não o “o quê” (controle finalístico, ou controle de resultados), que será enfatizado pelo modelo seguinte (ACUNHA, 2013, p. 28).
O modelo burocrático exerceu enorme influência na estruturação da Administração Pública brasileira plasmada na Constituição de 1988.

Com efeito, a existência, desde a década de 30, de concursos públicos, no Brasil, para a investidura em cargos ou empregos públicos de provimento definitivo, conforme estabelece o art. 37, II, da Constituição de 1988, com a consequente profissionalização das carreiras públicas, é um exemplo dessa influência. Por outro lado, a obrigatoriedade de se realizar licitação nas contratações públicas (art. 37, XXI, CF/88) também é exemplo dessa influência.

Ademais, a existência na Administração Pública brasileira, na atualidade, de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o treinamento sistemático (art. 39 da Constituição Federal) também é exemplo da permanência dos princípios fundamentais da Administração Pública burocrática.

A adoção do princípio da legalidade na Administração Pública (art. 37, caput, CF/88), com controle rígido dos processos, como, por exemplo, na admissão de pessoal, nas compras e no atendimento de demandas, também é um exemplo marcante dessa influência.

Por fim, cumpre ressaltar que a adoção do modelo burocrático simbolizou, em determinado período da história nacional, um flagrante avanço em relação a práticas anteriores (coronelismo, clientelismo), as quais, ainda que não tenham sido totalmente eliminadas, encontram nos princípios de organização burocrática seu primeiro contraponto efetivo na gestão da coisa pública no Brasil.

Na Administração Pública Gerencial, a atuação do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos, tendo o cidadão como foco principal, e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações.  O princípio da eficiência passa a ser a bússola da Administração Pública.

No modelo gerencial (governança), a estratégia volta-se: a) para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade; b) para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais, e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados, e c) para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados, ou seja, o controle de resultados.

Além disso, pratica-se a competição administrada no interior do próprio Estado, quando há possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. O modelo gerencial, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções e incentivo à criatividade.

Ao invés de enfatizar o controle estrito de procedimentos, ou de “como” agir, passa-se à preocupação com os fins a serem atingidos com a atuação do Estado, ou seja, com “o que” foi feito com o dinheiro do Estado, com a avaliação que permita indicar se a meta estabelecida foi ou não alcançada, se o resultado pretendido foi ou não atingido, se o recurso público foi ou não eficientemente empregado – Princípio de eficiência como bússola da Administração Pública (ACUNHA, 2013, p. 29).

Em resumo, afirma-se que a Administração Pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins), tendo como princípios norteadores a eficiência, a orientação para o cidadão-cliente, o controle dos resultados e a competição administrada.

O modelo gerencial foi a principal fonte de inspiração dos autores da chamada “Reforma Administrativa do Estado” (Emenda Constitucional n. 19/1998), a qual adotou uma série de medidas que atenuaram os rígidos controles procedimentais do período precedente, com ênfase muito maior no princípio da eficiência (incorporado ao caput do artigo 37 da Constituição Federal pela EC 19/1998), prevendo, entre outros, a atuação em parceria com sociedade civil, destacadamente, com o chamado Terceiro Setor, por meio de instituições como as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, uma maior autonomia para as entidades administrativas, por meio de instrumentos como os contratos de gestão, que dá ensejo, até mesmo, ao que chama de competição administrada, com o estabelecimento de concorrências internas entre as pessoas jurídicas ligadas ao Estado (ou entre entidades do Terceiro Setor) na busca de recurso públicos, que serão destinados àqueles que se mostrem mais eficientes no emprego das verbas (art. 37, parágrafo 8, CF/88) (ACUNHA, 2013, p. 29).

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O modelo gerencial também foi o responsável por abrir a Administração Pública a uma maior participação dos cidadãos/usuários, tendo o art. 37, parágrafo 3, da CF/88, com redação determinada pela EC 19/1998, estabelecido que  “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando  especialmente”.

Na Administração Pública Gerencial, a relação entre o Poder Público e seus parceiros foi radicalmente modificada, sendo digno de nota o surgimento das entidades do espaço público não estatal e a sua forma de relacionamento com o Estado, os tipos de atividades que prestam e o regime jurídico de controle que experimentam.

Com efeito, com a emergência do paradigma do Estado Regulador, surge a concepção de que existem espaços públicos não estatais que podem ser preenchidos por organizações da sociedade civil, cuja finalidade consiste em satisfazer as necessidades humanas a que o mercado não consegue dar resposta e o Estado já não está em condições de satisfazer. É o surgimento do chamado Terceiro Setor, com o qual o Estado tratou de estabelecer parcerias nas áreas de saúde, educação, cultura, pesquisa, etc.

Esse é o movimento que o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – PDRAE denominou de processo de publicização (BRASIL, 1995, p. 12-13). Esse movimento está relacionado com a prestação de atividades publicas (os chamados serviços públicos), quando entendidas como não exclusivas do Estado (como a imposição e a arrecadação de tributos, o exercício do pode de polícia, etc.).

Esse movimento consistiu no estabelecimento de parceria com o Terceiro Setor (Organizações Sociais e Organizações Sociais da Sociedade Civil de Interesse Público, instituídas, respectivamente pelas Leis n. 9.637/98 e 9.790/99), em relação às atividades que correspondem aos chamados espaços públicos não estatais, em que serviços públicos, como saúde, educação, cultura, pesquisa científica, meio ambiente, desenvolvimento tecnológico, entre outros, não são entendidos como atividades exclusivas do Estado.

Essa parceria entre o Estado e o Terceiro Setor se formaliza mediante Contrato de Gestão (art. 5, da Lei n. 9.637/98) ou Termo de Parceria (art. 9, da Lei n. 9.790/99), conforme autorização do constituinte reformador no art. art. 37, parágrafo 8, da Constituição Federal.

Trata-se de uma forma de controle mais suave, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados. Tanto a Lei n. 9.637/98 quanto a Lei n. 9.790/99 estabelecem formas de controle pelo resultado. O Art. 8o, § 1o, da Lei n. 9.637/98 estabelece que “§ 1o A entidade qualificada apresentará ao órgão ou entidade do Poder Público supervisora signatária do contrato, ao término de cada exercício ou a qualquer momento, conforme recomende o interesse público, relatório pertinente à execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.” Essa forma de controle pelo resultado também está prevista no art. 10, § 2o, incisos II e II, da Lei n. 9.790/99.

É importante observar que, apesar de se tratar de uma forma de administração mais flexível, tais parcerias não estão infensas à fiscalização dos órgãos de controle do Estado, como o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União e a Advocacia Pública, conforme expressamente prevê os arts. 9 e 10 da Lei n. 9.637/98 e os arts. 12 e 13 da Lei  n. 9.790/99.

Por fim, cumpre ressaltar que a Administração Pública brasileira sofre influxos de todos esses perfis de Administração Pública. Com efeito, as inovações gerenciais de dinamização convivem com os principais institutos burocráticos, como a profissionalização, o concurso público, a legalidade e com indesejáveis resquícios de patrimonialismo, como a privatização de espaços públicos e meios públicos, frequentemente colonizados pela busca de interesses privados (ACUNHA, 2013, p. 30).


REFERÊNCIAS

ACUNHA, Fernando José Gonçalves. Texto-base: A Administração Pública Brasileira no Contexto do Estado Democrático de Direito. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/mod/folder/view.php?id=163>. Acesso em: 15 mai. 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 nov. 2013.

BRASIL. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2014.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira. Texto Complementar: A Noção de Administração Pública e os Critérios de sua Atuação. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/mod/folder/view.php?id=163>. Acesso em: 15 mai. 2014.

__________, Argemiro Cardoso Moreira. Texto Complementar: A Administração Pública e a Constituição. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013. (Pós-graduação lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/mod/folder/view.php?id=163>. Acesso em: 15 mai. 2014.

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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. As três formas de Administração Pública na evolucão do Estado Moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4499, 26 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34493. Acesso em: 22 dez. 2024.

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