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Crimes contra a ordem tributária e a representação fiscal para fins penais

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01/11/2002 às 00:00
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Sumário: I – Resumo; II – O crédito tributário e a sua constituição pelo lançamento; III – Fundamentos e limites da criminalização de dívidas tributárias; IV - Crimes contra a ordem tributária e a representação para fins penais; V – Causas de extinção da punibilidade; VI – Conclusão; VII – Notas;VIII – Bibliografia


I – Resumo

Os crimes contra a ordem tributária ou práticas fraudulentas definidos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/90 que visam reduzir, retardar ou suprimir a cobrança dos tributos possuem o seu tipo legal delimitado por esta legislação específica mas, somente estarão definitivamente constituídos por meio de procedimento administrativo no qual se deva garantir a aplicação dos princípios da legalidade e da ampla defesa, inclusive com a discussão sobre a regularidade da constituição deste crédito e com a garantia de duplo grau.

Para tanto, o art. 83 da Lei n.º 9.430/96 dispõe que, para a Fiscalização poder encaminhar representação de crime contra a ordem tributária ao Ministério Público, necessário se faz que seja proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Ocorre que, várias discussões e interpretações divergentes pairam sobre o assunto, demonstrando a existência de dúvidas sobre a obrigatoriedade ou não da constituição definitiva daquele crédito para se iniciar a ação penal, se há ou não violação à autonomia da instância penal e, ainda, se o art. 2.º da Lei n.º 8.137/90 não estaria desvinculado do necessário esgotamento da instância administrativa por ser crime formal ou de mera conduta.

A possibilidade de utilização da sanção penal como forma de coação para o pagamento dos tributos também é severamente questionada, ainda mais em um país como o nosso em que a alta carga tributária é considerada injusta devido à ausência de contraprestação com o quantum arrecadado com tributos indiretos. A tipificação dos crimes contra a ordem tributária não pode extrapolar a finalidade primordial das sanções criminais que é a de proteção dos bens jurídicos

ameaçados por determinado comportamento humano.

A mera ausência de pagamento dos tributos pelo contribuinte do qual não se poderia exigir outra conduta ou, de outro modo, a impossibilidade de sua prestação devido a impossibilidades financeiras pelas quais passe o contribuinte caracterizando estado de necessidade, não pode ser considerada ilícito penal. A punição desta conduta por meio de uma aplicação de pena privativa de liberdade somente poderá ocorrer se o contribuinte obteve o resultado de redução ou supressão do tributo por meio de condutas ilícitas, previstas expressamente na legislação pátria e se houve o dolo de produzir aquele resultado.

Em matéria tributária, devemos observar ainda que, para que se comprove a existência do crédito tributário passível de execução pela Administração Pública, deve este crédito estar regularmente e definitivamente constituído pelo lançamento e pelo esgotamento dos questionamentos em âmbito administrativo. Ainda devemos nos ater às causas de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário, as quais fazem cessar os efeitos decorrentes destes créditos, bem como às causas extintivas de punibilidade.

Verificamos, portanto, neste estudo, após uma revisão do processo de formação do crédito tributário e do histórico do direito criminal para punir crimes de natureza tributária, a utilidade da Justiça como instrumento para a cobrança de tributos, os limites impostos à criminalização da inadimplência destes débitos, principalmente a necessidade de esgotamento das instâncias administrativas para a representação, observando que a nossa Constituição Federal prevê, dentre outros, o princípio da legalidade, pelo qual se exige a tipificação da conduta em matéria penal e a tipificação do fato imponível, em matéria tributária, de forma a se dar segurança aos atos praticados pelos cidadãos de que somente poderão sofrer qualquer espécie de sanção quando contrariarem as espécies normativas e, ainda, o princípio do devido processo legal, garantido o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau nas instâncias administrativas e judiciais, na constituição de créditos tributários e na comprovação destes ilícitos penais.


II – O crédito tributário e a sua constituição pelo lançamento

A obrigação jurídica tributária nasce com a prática, pelo contribuinte ou sujeito passivo direito, de ato suscetível de imposição tributária pelos entes tributantes ou entes competentes para a instituição, majoração, redução, exclusão ou alteração dos tributos, sejam eles a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. A obrigação pode ser principal ou acessória, observando-se que a obrigação acessória, quando do seu não cumprimento, revestirá o caráter de obrigação principal quanto à sanção pecuniária, conforme dispõe o art. 113 do Código Tributário Nacional:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.

Para que se constitua esta obrigação, ainda se faz necessário que lei específica, emanada do ente competente, preveja todos os elementos ou aspectos daquela obrigação. Sem estes aspectos essenciais da obrigação tributária não se completa a relação jurídica não se configurando a obrigação tributária e, para praticamente a maioria dos autores, estes aspectos são em número de cinco, quer sejam: pessoal, material, temporal, espacial e quantitativo, observando que para Aliomar Baleeiro (1), na obra Limitações constitucionais ao poder de tributar, são definidos como sendo em número de seis, sejam eles: a lei, o sujeito ativo, o sujeito passivo, o fato gerador da obrigação, a base de cálculo e o objeto da prestação definido na lei.

Uma vez detectados, naquele fato ocorrido no mundo real, todos os aspectos definidos expressamente na norma vigente, nasce para a Administração Pública o direito de efetuar o lançamento constituindo o crédito tributário e declarando a existência de uma relação jurídica tributária. Este crédito tributário, nos termos do art. 139 do Código Tributário Nacional, decorre da obrigação principal e em a mesma natureza desta.

Já nesta relação jurídica tributária, iremos encontrar, em um lado, no pólo ativo, ou o ente dotado de competência para criar e alterar o tributo e dotado também de capacidade para arrecadar e fiscalizar ou, em seu lugar, um outro ente pelo primeiro instituído, dotado apenas das características da capacidade tributária ativa, ou seja, somente com os poderes de arrecadar e fiscalizar.

No pólo passivo da relação jurídica tributária também não iremos encontrar necessariamente o sujeito que realizou o fato imponível, podendo situar-se neste lado tanto o contribuinte de fato, aquele que tenha relação pessoal e direita com o fato suscetível de tributação, quanto um outro sujeito, um terceiro obrigado ao pagamento do tributo e que esteja vinculado, sempre por meio de lei expressa, ao fato que gerou a obrigação tributaria, mesmo que de forma indireta.

Resumidamente, pois se trata de um campo muito vasto do estudo, estes terceiros obrigados ao pagamento dos tributos também denominados contribuintes indiretos ou de direito, podem ser os responsáveis em suas diversas formas previstas no Código Tributário Nacional, arts. 128 a 138, os substitutos e os retentores, quando se ponham no lugar do contribuinte imediato excluindo a sua responsabilização, ou terceiros auxiliares na arrecadação. Não iremos nos ater às discussões terminológicas e semânticas que circundam o assunto para não nos desviarmos do objeto deste estudo, muito embora tenhamos procurado utilizar a terminologia mais acertada e predominante na doutrina.

Os elementos desta relação jurídica tributária ou elementos da prestação serão, portanto, detectados pelo lançamento conforme dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional:

Art.142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação de penalidade cabível.

E Antônio Correa ainda nos acrescenta que:

A atividade estatal denominada ‘lançamento’ é a de criar atos administrativos vinculados. Estes, se virem a nascer com a inobservância de qualquer requisito do procedimento determinado pela lei, serão conseqüentemente nulos de pleno direito.(2)

A nossa Carta ainda prevê a necessidade de lei complementar, conforme o disposto no art. 146, quando a legislação tributária for: a) dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes; b) regular limitações constitucionais ao poder de tributar e c) estabelecer normas gerais referentes à: definição de tributos e suas espécies, respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência e tratamento dado ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Podemos observar, portanto, que o nosso ordenamento jurídico tributário, tanto quanto o sistema penal pátrio, é regido pelo princípio da estrita legalidade, segundo o qual nenhum tributo poderá ser majorado ou exigido senão em virtude de lei. Não basta, portanto, o ato normativo do lançamento para que se constitua um crédito tributário. Necessária a sua previsão em lei, emanada do ente competente, delimitando todos os elementos do tipo tributário e atendendo, conseqüentemente, ao princípio da tipicidade fechada.

Desta forma, o contribuinte ainda terá a segurança jurídica de que, praticados os seus atos em conformidade com a legislação vigente, não poderá sofrer punição de qualquer espécie. E, em direito tributário, são fontes legislativas tanto as normas constitucionais quanto todas as normas dela decorrentes, inclusive as portarias administrativas, resoluções e, também, as consultas formuladas oficialmente perante os órgãos de fiscalização tributária.

observamos em seguida que o ato de lançamento, devido à grande diversidade de relações jurídicas tributárias existentes no mundo atual, cada vez mais, vem ocorrendo na forma de lançamento por homologação, ou seja, o próprio contribuinte pratica aqueles atos do lançamento previstos no art. 142 do Código Tributário Nacional, realizando um autolançamento e verificando a ocorrência do fato imponível, calculando e já recolhendo ou compensando com valores antes recolhidos o montante devido e informa-os à administração, juntamente com os dados que o identificam como sujeito passivo, para que ela apenas homologue este lançamento.

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Quanto ao momento em que ocorre a homologação, grande parte da doutrina entende que já subsiste a possibilidade de exigibilidade do crédito desde o momento da ocorrência do fato suscetível de imposição tributária, quando sujeito ao autolançamento, como nos explica James Marins:

A exigibilidade condicionada ao lançamento sequer pode ser considerada regra geral, pois no caso do largamente utilizado lançamento por homologação ou autolançamento a obrigação tributária já é exigível mesmo antes da formalização da obrigação por obra da autoridade fazendária sob a forma de antecipação do pagamento. (...)

havendo previsão jurídica para o autolançamento é o mero vencimento da obrigação que implica na exigibilidade do crédito tributário (pagamento antecipado), independentemente do ato formal de lançamento propriamente dito ou mesmo de qualquer registro formal por parte do contribuinte.(...)

Caso o contribuinte atingido pela regra não declare nem pague o tributo sofrerá a incidência da regra-matriz sancionatória e estará em mora independentemente de autolançamento ou lançamento de ofício.

Tal circunstância – mora poderá vir a ser devidamente formalizada por meio de autuação fiscal que, ademais do registro da obrigação tributária e respectivo crédito, aplicará desde logo as penalidades resultantes do inadimplemento, insista-se, inadimplemento que jamais dependeu de qualquer espécie de notificação, senão que decorreu exclusivamente do próprio fenômeno de incidência tributária.(3)

O autor denomina esta exigibilidade de incondicionada, diferentemente da que ocorre nos tributos sujeitos às outras formas de lançamento, como o lançamento de ofício, cuja exigibilidade fica condicionada à formalização do crédito pela fiscalização.

Para que o crédito tributário possua exeqüibilidade, esta entendida como a possibilidade da fiscalização administrativa executar o seu crédito definitivamente constituído, ainda se faz necessária, após o lançamento de ofício ou a homologação do autolançamento, a sua inscrição na dívida ativa para formalizar o título executivo.

Ressaltamos que nem todos atos da fiscalização tributária que detectem a existência de créditos não declarados e não pagos irão, necessariamente, detectar a existência, por detrás destes créditos, de ilícitos tributários. O comportamento do sujeito passivo de recolher os valores tributados aos cofres públicos poderá ser classificado como ato lícito ou ilícito, conforme os meios utilizados e os fins almejados pelo contribuinte.

O Fisco está sempre procurando aperfeiçoar as regras de fiscalização e arrecadação, visando a uma arrecadação cada vez mais eficaz e o contribuinte, muitas vezes para a sobrevivência de seu próprio negócio, busca formas de impedir, reduzir ou retardar a imposição tributária mediante a organização e o planejamento dos seus débitos.

Esta forma adotada pelo contribuinte pode assumir posições diferenciadas e tomar o caráter de licitude, denominando-se elisão fiscal se preceder ao fato gerador da obrigação tributária, for realizada por meio de formas permitidas ou não defesas em lei e se constituir em ato próprio da finalidade negocial. Será, porém, considerada ilícita e denominada evasão fiscal se for aplicada após a ocorrência do fato gerador e se visar exclusivamente a ocultação daquele fato sujeito à imposição tributária. Neste sentido, os julgados:

Não demonstrada a prática de irregularidades tributárias com o escopo de auferir vantagens ilícitas em prejuízo da arrecadação tributária, descabe a acusação de crime de sonegação fiscal. (Ac. n. 107-2.686, DOU 22.01.1997, p. 1232, Rel. Cons. Jonas Francisco de Oliveira).(4)

Habeas corpus. Omissão na declaração de rendimentos. Lei n.º 8.137/90 (art. 2.º, I). Para configuração do delito imputado ao paciente, deve haver a omissão e a vontade dirigida para o não pagamento total ou parcial do tributo. Denúncia formalmente adequada e impossibilidade de discussão sobre o elemento subjetivo em sede de habeas corpus, porquanto diz respeito à prova. (TRF – HC n. 95.02.21212-6-RJ, DJ de 12.03.1996, Rel. Des. Fed. Valmir Peçanha).(5)

O que não pode é o contribuinte ser penalizado pela prática de sua atividade empresarial que, tendo-se em vista ser dirigida pelos princípios da organização, profissionalidade e economicidade, envolvendo ainda a imprevisibilidade de mercados nacional e internacional os quais se encontram mundializados, podendo se encontrar, a qualquer momento, em situação deficitária sem ter praticado qualquer ilícito e de forma que se torne impossível o pagamento dos débitos tributários.

A liberdade é garantia constitucional e, referindo-se ao tema, nos ensina Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

Entre todos os limites impostos ao poder do Estado, considera-se que o mais eficaz é o reconhecimento jurídico de determinado âmbito de autodeterminação individual, no qual o Estado não pode penetrar. Estas esferas privadas coincidem com o que se tem chamado, já há alguns séculos, pelo nome de direitos do homem ou liberdades fundamentais. Ainda que submetidas a variações interpretativas em decorrência dos diferentes ambientes onde estão em vigor estas liberdades, ou então estas garantias fundamentais são o núcleo inviolável do sistema político da democracia constitucional.(6)

E a nossa Carta garante o direito de propriedade, impedindo o confisco, se forma que o contribuinte pode e deve se valer das práticas lícitas de economia de tributos para que o seu patrimônio não seja totalmente extinto devido à 4carga tributária que, em nosso país, é considerada severamente elevada, uma das mais altas do mundo.


III – Fundamentos e limites da criminalização de dívidas tributárias

Antes de adentrarmos nos questionamentos sobre a possibilidade de representação penal para fins fiscais sem o esgotamento das discussões em esfera administrativa, recordamos alguns momentos históricos da criminalização dos ilícitos tributários. Um breve histórico da tipificação dos crimes tributários é explicado na obra Elementos de direito penal tributário de Juary C. Silva. O autor explica que, com a Revolução Industrial, após a década de 30, houve ampliação das atividades suscetíveis de tributação com a conseqüente complexização do sistema tributário e, ainda segundo o autor:

Em 1965, quando o legislador sistematizou pela primeira vez os crimes tributários, fê-lo sob a consideração da necessidade de reestruturar o mecanismo fiscal da União e ordenar o sistema tributário nacional, ambos assolados por grave crise institucional, a qual desaguou na instauração de um regime de força, que veio a perdurar por quatro lustros. Animado desse escopo, o legislador agiu com moderação e prudência à semelhança dos países europeus que já haviam ditado disposições semelhantes, sob a égide do Estado de Direito. Aqui o legislador alcançou esse intuito, até certo ponto, ainda que trabalhasse sob o guante de um regime de exceção.(7)

Mas, a possibilidade de se utilizar sanções criminais como forma de coação para o pagamento de dívidas tributárias, como vimos até o momento, não é uma matéria que possa abranger exclusivamente os critérios de direito penal, tão pouco somente os conceitos de direito tributário.

Para tanto, a nomenclatura ‘direito penal tributário’ como ramo do direito penal que se refere ao tema dos tributos e respectivos delitos fiscais, o qual não se pode confundir com a parte sancionatória do direito tributário, o direito tributário penal que abrange sanções fiscais, administrativas e tributárias, como a apreensão de mercadoria transportada sem respectiva documentação fiscal.

A criação deste ramo é explicada por Gómez de la Torre e Ferre Olivé, pois entendem os autores que:

La atribución de potestad sancionadora a la Administración siempre ha originado la cuestión tradicional de la relación entre dicha potestad y la potestad punitiva. Este problema que hunde sus raíces en el origen del Derecho Administrativo (Nieto, 1993, passim) se presta a situaciones equívocas cuando el contenido de las sanciones administrativas es análogo al de las sanciones penales.

El princípio de subsidiariedad que debe inspirar la relación del Derecho Penal con las restantes ramas del ordenamiento jurídico, también con el Derecho Administrativo, lleva a reservar las sanciones de mayor gravidad al Derecho Penal y a rodearlas de garantías, entre ellas el que sean impuestas por los Tribunales de Justicia a través del correspondiente proceso.(8)

Ocorre que a utilização do recurso criminalizador para punir os devedores do Fisco é severamente questionada, como podemos verificar na doutrina de Juary C. Silva, dizendo sobre a publicação da Lei n.º 8.137/90 que definiu os crimes contra a ordem tributária e outras providências, que:

Já em 1990, o legislador agiu de modo atabalhoado, ignorando o Estado Democrático de Direito (art. 1.º da CF) e a boa técnica legislativa desvinculado de alguns princípios mais comezinhos da Ciência Penal e com o objetivo precípuo de aumentar, "à l´outrance", a arrecadação tributária. Com o escopo, vale dizer, de aterrorizar os contribuintes encostando-os contra a parede, a fim de que pagassem rapidamente as obrigações tributárias, legais ou ilegais, sem discuti-las pelas vias de direito cabíveis.(9)

E, como vimos até o momento, todo o devedor de tributo não pode, de forma generalizada, ser tipificado como criminoso. Neste sentido:

Merecem especial registro, portanto, as decisões dos Tribunais Regionais Federais da 3.ª (Ap. Crim. nº 96.03.048240-4, DJU II de 24.06.97), e da 4.ª Regiões, (Ap. Crim. n.º 95.04.32061-9/PR, DJU de 07.08.96, p. 55.339) acatando a tese da inexigibilidade de outra conduta, para absolver empresários que em face de dificuldades financeiras cabalmente demonstradas, deixaram de recolher contribuições à Seguridade Social.(10)

Nestes casos, referidos empresários deixaram de recolher aquelas contribuições para que pudessem cumprir com os pagamentos de salários e outras demais obrigações imprescindíveis para a sobrevivência do negócio.

Os autores Gómez de la Torre e Ferre Olivé citam agora duas principais razões que fundamentam o recurso ao direito penal nos casos de ilícitos tributários:

a) en la especial dañosidad que tienen los comportamientos que lesionan el sistema de subvenciones, y que excede, sin duda, al perjuicio patrimonial concreto al afectar a la orientación del gasto público e indicir negativamente sobre los fines que se pretendíam lograr (Pedrazzi, 1979, 33). Se lesiona po ello a una institución clave del Estado social (Martínez Pérez, 1985, II, 447).

b) en el carácter crininógeno del prípio sistema subvencional al no requerir una contraprestación equivalente por el subvencionado, lo que supone una mayor vulnerabilidad de la Hacienda Pública, que se acrecienta aún más dado el carácter masificado de alguna de estas prestaciones y su concesión casi automática asentada en el princípio de confianza (Arroyo, 1987, 31).(11)

A grande utilização do autolançamento ou lançamento por homologação que citamos no capítulo anterior pode ser exemplificada como a causa da inclusão, pelos autores acima, do princípio da confiança na relação penal tributária, justificando a criminalização do sujeito em quem a Administração Pública, deixando por conta deles a liberdade de apurar os valores a serem tributados e de recolhê-los ao fisco de forma espontânea, com deslealdade, apura-os de forma incorreta e lesa o erário.

Entendemos, diante do exposto, que o direito penal como meio de cobrança de tributos, sempre tributos não pagos de forma ilícita ou fraudulenta, se justifica, também, devido à necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico visando à proteção de interesses patrimoniais públicos.

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Sobre a autora
Lais Vieira Cardoso

Analista judiciária do TRT da 15ª Região, professora universitária do Centro Universitário Moura Lacerda, Mestre em Direito das Obrigações Público e Privado pela UNESP de Franca e especialista em Direito Tributário pela PUC Campinas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Lais Vieira. Crimes contra a ordem tributária e a representação fiscal para fins penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3450. Acesso em: 22 dez. 2024.

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